Deirdre Nansen McCloskey
Traduzido e adaptado do artigo da National Review, The Great Enrichment. Texto no original: http://www.nationalreview.com/article/426722/bourgeoisie-economic-development
A burguesia comercial – a classe média de comerciantes, inventores e gerentes, o empreendedor e o mercador, o inventor de materiais de fibra de carbono e o prestador de serviços que reforma o seu banheiro, o assistente de automóveis na cidade de Toyota e o vendedor de temperos em Nova Délhi – são, em sua totalidade, em muito contrários à convicção dominante da “classe letrada” dos artistas e intelectuais. Mais além, o mundo moderno surgiu não de causas materiais, como o carvão, ou a parcimônia, ou o capital, ou as exportações, ou a exploração, ou o imperialismo, ou direitos de propriedade claros, ou mesmo uma boa ciência, todos pelos quais já haviam sido disseminados em outras culturas e outras épocas. Ele surgiu de ideias vindas da burguesia – através de um turbilhão iniciado em 1800 de novas ideias técnicas e de alguns conceitos institucionais, acompanhados por uma profunda mudança ideológica em favor de um processo de aperfeiçoamento provocado pela dinâmica de tentativa e erro do mercado, e surgida inicialmente em grande escala no noroeste da Europa.
O que tornou esses países ricos foram as ideias por trás de um novo sistema – muitas vezes chamado de maneira equivocada de “capitalismo” moderno – existente desde o início das revoluções políticas europeias, 1848. Devemos chamar o sistema de “aperfeiçoamento tecnológico e institucional a um ritmo frenético, testado por trocas não-coercitivas entre os pares envolvidos.” Ou de “liberalismo bem sucedido e de forma inacreditável, em relação à Velha Europa, aplicado ao comércio e política, assim como o fora aplicado também à ciência e música, pintura e literatura.”. A versão mais simples seria “progresso testado pelo comércio”. Ou talvez “inovacionismo”?
Este mundo, grandemente enriquecido, não pode ser explicado de nenhuma maneira pela acumulação de capital, ao contrário do que economistas vindo do bendito Adam Smith até Karl Marx e Thomas Piketty tem acreditado, e como a própria palavra “capitalismo” parece implicar. A palavra expressa um erro científico. Nossas riquezas não vieram do acúmulo de tijolo sobre tijolo, ou de diploma de bacharel sobre diploma de bacharel, ou de conta bancária sobre conta bancária, mas do acúmulo de ideias sobre ideias. Os tijolos, PhDs e balanços financeiros – as acumulações de “capital” – foram é claro necessários. Mas também o foram a força de trabalho e a água líquida, e também o ponteiro de tempo. Oxigênio é necessário para o fogo, mas não parece uma explicação iluminadora dos Bombeiros de Chicago. São melhores explicações: uma flagelo de longa seca, uma cidade de prédios de madeira, um vento forte vindo do sudoeste, e, se for para pôr a culpa de imigrantes irlandeses, a vaca da Sra. O`Leary. (Catherine O`Leary, imigrante irlandesa em Chicago, tornou-se bode expiatório do Grande Incêndio de Chicago de 1871, enquanto ordenhava uma vaca, que teria chutado uma lanterna).
O mundo moderno, da mesma forma, não pode ser explicado pela rotina de pilhamento de tijolos, como o comércio do Oceano Índico, atividades bancárias britânicas, canais, taxa de poupança inglesa, comércio de escravos do Atlântico, carvão, recursos naturais, “cercamento” dos campos, a exploração de trabalhadores em moinhos satânicos, ou acumulação de capital em cidades europeias, seja físico ou humano. Todas essas vias e meios materialistas são comuns demais na história mundial e, como explicação, fracas demais para serem atraentes quantitativamente.
“Nossas riquezas não vieram do acúmulo de tijolo sobre tijolo, ou de diploma de bacharel sobre diploma de bacharel, ou de conta bancária sobre conta bancária, mas do acúmulo de ideias sobre ideias.”
As novas ideias resultaram em uma gigantesca melhoria ao pobres desde 1848, tanto dos seus antepassados como dos meus, e uma promessa, como sendo agora realizada na China e Índia, do mesmo resultado atingir o mundo inteiro. É o Grande Enriquecimento dos mais pobres ocorrendo entre nós. Prosperidades de épocas anteriores já aumentaram intermitentemente a renda real per capita ao dobro ou até ao triplo, 100 ou 200%, apenas para retroceder aos míseros 3 dólares ao dia, típico dos homens desde as cavernas. Mas o Grande Enriquecimento aumentou a renda real per capita, em face ao crescimento do número de cabeças, a um fator de 7 – algo entre 2500 e 5000%. Hoje, o americano médio ganha 130 dólares ao dia; no restante dos países da OCDE, ganha-se 80 a 110 dólares. A magnitude dessa melhoria impressiona. Economistas e historiadores não possuem uma explicação satisfatória a ela. É hora de repensar nossas explicações materialistas das economias e histórias.
Contrariamente a muitas vozes da Esquerda de Direita, o Grande Enriquecimento também não veio a acarretar custos espirituais. De fato, devemos fazer um homem lucrar se ele ganhar o mundo inteiro, mas perder sua própria alma? Mas os ricos nas nossas presentes vidas estão abertos ao sagrado e às virtudes dignificantes da esperança, fé, e amor transcendente, encontrados seja na ciência, ou no baseball, ou na medicina, ou em Deus, para alcançar o além do profano, bem como as virtudes práticas da prudência e temperança, que são necessárias às pessoas que vivem na extrema pobreza. H.L Mencken, sem frescuras, notou em 1917 à propósito da boa fortuna de Jennie Gerhardt e Irmã Carrie que, “com a ascensão da necessidade à segurança, do medo à facilidade, vem o despertar de percepções mais sensíveis, uma maior variedade de simpatias, o desdobramento gradual de uma flor delicada chamada personalidade, e uma crescente capacidade de amar e viver.”
As ideias aperfeiçoadoras de uma nova liberdade e dignidade vieram do Noroeste da Europa, sendo lentamente estendida a todos os homens do povo (embora o projeto ainda esteja sendo realizado), entre eles a burguesia. A nova liberdade e dignidade resultou no começo de uma reavaliação pela sociedade de todas as trocas e atividades no qual a burguesia se especializou. A reavaliação foi derivada não de alguma superioridade dos Europeus, mas de acidentes igualitários na sua política entre a Reforma de Lutero em 1517 e a Constituição americana e a Revolução Francesa em 1789. O Leveller Richard Rumbold, ao enfrentar sua execução em 1685, declarou, “Estou seguro de que não há nenhum homem nascido destinado por Deus a ser superior aos outros; nenhum vem ao mundo com uma sela em suas costas, nem para ser usado, montado ou cavalgado.” Poucos da multidão que escarneciam dele teriam a ousadia de concordar. Um século depois, vários o teriam. Nos dias de hoje, quase todos.
Sob uma nova igualdade veio outra ideia niveladora, contrapondo ao domínio dos aristocratas ou planejadores centrais: um “Acordo Burguês”. Em seu primeiro artigo, deixemos que a burguesa leve ao mercado suas ditas benfeitorias, tais como telas de janela, ou eletricidade de corrente alternada, ou um minivestido preto. Com alguma irritação, ela aceita como parte do acordo a condição do segundo artigo, que permite que os competidores de segunda mão imitem seu sucesso, baixando os preços das telas, eletricidade e vestidos. Mas se a sociedade permite que ela, graças ao primeiro artigo, enriqueça por um momento, assim, no terceiro artigo, o resultado do acordo é que ela tornará você mais rico. Foi o que aconteceu, de 1848 ao presente.
Em outras palavras, o que importava eram dois tipos de ideias: as ideias dos próprios melhoramentos (o motor elétrico, o avião, o mercado de ações), que passaram a ocupar as mentes dos novos empreendedores saídos da população comum; e as ideias na sociedade a respeito de tais pessoas – em uma palavra, liberalismo, em todos os sentidos. Os melhoramentos testados pelo mercado, o Grande Enriquecimento, foram causados pela versão de igualdade do Iluminismo Escocês, uma nova igualdade de direitos legais e dignidade social que tornou todo João e José um inovador em potencial.
São posicionamentos controversos. Elas são, como se pode observar, otimistas. Por motivos que não compreendo perfeitamente, a classe letrada após 1848 voltou-se para o nacionalismo e socialismo, e contra o liberalismo. Vieram promover, e de maneira cada vez mais aberta e explícita, catecismos pessimistas sobre a maneira que vivemos hoje em nossas sociedades quase liberais, seja apontando o pecado como uma falta de temperamento dentre os pobres da era vitoriana, ou um excesso de dióxido de carbono na atmosfera de hoje. Alguém poderia abafar o pessimismo, assim os líderes iluminados imaginavam, ao ter fé nas utopias antiliberais da época, que se mostraram imensamente popular. Proibição do álcool nos Estados Unidos. Ambientalismo radical. Os livros pessimistas e utópicas da classe letrada chegaram a vender milhões.
Mas os experimentos nazistas e socialistas do século XX, do sindicalismo e fábricas e o planejamento central para investimento, da proliferação de regulamentações para imperfeições imaginárias, mas não provadas factualmente, no mercado, não funcionaram. E a maior parte dos cenários pessimistas sobre como vivemos agora provaram ser equivocados. Eles ainda persistem, tanto no senador Sanders como no Sr. Trump, em Jeremy Corbyn na Grã-Bretanha e Marine Le Pen na França, e de forma menos impressionante na opinião comum que pessoas em todo o espectro político carregam sobre liberdade e dignidade.
No século XVIII, certamente, membros da elite intelectual, tais como Voltaire e Thomas Paine, corajosamente apoiavam liberdades no comércio e para a dignidade que vem acompanhada das atividades. Durante 1830 e 1840, no entanto, uma classe letrada muito alargada, na maioria filhos de pais burgueses, começaram a desprezar as liberdades econômicas e dignidades sociais que seus pais exerciam tão vigorosamente. A ala conservadora da classe letrada, influenciada pelo movimento romântico, voltava com nostalgia para uma Idade Média imaginária livre das vulgaridades do comércio, uma era de ouro sem o mercado no qual a renda da terra e a hierarquia prevalecia.Tal visão dos velhos tempos se encaixa bem na fixação da Direita pela classe dominante, governando seus súditos. Mais tarde, sob a influência da ciência, a Direita abraçou o Darwinismo social e eugenia para desvalorizar a liberdade e dignidade das pessoas comuns e para elevar a missão da nação acima do mero indivíduo, promovendo, por exemplo, o colonialismo, esterilização compulsória e o poder purificador da guerra.
Na esquerda, enquanto isso, os intelectuais radicais e as elites – também influenciados pelo romantismo e pelo seu próprio materialismo científico – desenvolveu a ideia não-liberal de que as ideias não importam. O que importa para o progresso, a Esquerda declarava, é a marcha desenfreada da história, auxiliado (como foi declarado mais tarde, contradizendo a suposto fato de ser desenfreado) por panfletos, protestos, greves ou revoluções, direcionadas a uma burguesia insaciável – ações terríveis a serem lideradas, é claro, pelos próprios intelectuais. Posteriormente, no socialismo europeu e progressivismo americano, a Esquerda propôs derrotar os monopólios burgueses da carne, açúcar e aço colocando-os sob regulação, sindicatos ou planejamento, fundindo-os em um único monopólio supremo chamado o Estado. Em 1965, o liberal italiano Bruno Leoni (1913-1967) observava que a criação de monopólios gigantes e generalizados [como a Esquerda afirma querer] é precisamente um tipo de ‘remédio’ contra os chamados ‘monopólios’ privados.”
Enquanto todo esse pensamento profundo envolvia a classe letrada da Europa, a burguesia comercial – desprezada pela Direita e Esquerda, e por muitos no Centro, também, todos atormentados pelo romance de obras como Mein Kampf e “O que Fazer?” de Lênin – criava o Grande Enriquecimento e o mundo moderno, provando que tanto o Darwinismo social como o marxismo econômico estavam equivocados. As raças geneticamente inferiores, bem como as classes, etnias e gêneros mostraram o contrário do que se imaginava. Eles provaram ser criativos. O proletariado explorado não se tornou miserável. Ele foi enriquecido.
Em seu entusiasmo pelos erros profundos das pseudo-descobertas do século XIX – nacionalismo, socialismo, utilitarismo Benthamita, Malthusianismo sem esperança, positivismo comteano, neo-positivismo, positivismo legal, romantismo elitista, hegelianismo às avessas, freudianismo, frenologia, homofobia, materialismo histórico, comunismo esperançoso, anarquismo de esquerda, comunitarismo, anarquismo de esquerda, darwinismo social, racismo “científico”, história racial, imperialismo teórico, apartheid, eugenia, testes de significância estatística, determinismo geográfico, determinismo de gênero, institucionalismo, quocientes de inteligência, engenharia social, higienismo social, regulamentação progressista, serviço civil cameralista, domínio dos melhores, e um cinismo sobre a força de ideias éticas – a classe letrada abandonou seu antigo compromisso com um povo livre e dignificado. Ela se esqueceu da principal, e provada, descoberta social do século XIX: o a de que homens e mulheres simples não precisam ser importunadas ou planejadas desde cima, e quando honradas e deixadas sozinhas, tornam-se imensamente criativas. “Eu contenho multidões”, cantava o poeta americano (Whitman), democrata. Ele também conseguiu.
“A burguesia comercial criava o Grande Enriquecimento e o mundo moderno, provando que tanto o Darwinismo social como o marxismo econômico estavam equivocados. “
O Grande Enriquecimento, em resumo, veio de uma nova retórica pró-burguesa e anti-estatista que enriqueceu o mundo. Ela é, como Adam Smith afirmava “permitindo todo homem perseguir seu próprio interesse à sua própria maneira, sob o plano liberal de igualdade, liberdade e justiça.”
– Deirdre Nansen McCloskey até este ano (2015) ensinava economia, história, Inglês e comunicação na Universidade de Illinois em Chicago. O terceiro volume de sua Trilogia Bourgeois Era, Bourgeois Equality: How Ideas, Not Capital or Institutions, Enriched the World, será publicado em Abril. Este artigo originalmente foi publicado em 19 de Novembro de 2015, pela National Review