Globalização e Globalismo político – Tiago Barreira

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por Tiago Barreira

Um artigo do jornalista Humberto Saccomandi, publicado ontem pelo Valor Econômico (http://www.valor.com.br/politica/4711715/recuo-da-globalizacao-traz-turbulencias ), falava do crescimento das tendências de desglobalização nos países ocidentais. Seja pela ascensão eleitoral de Trump nos EUA, seja pelo Brexit na Inglaterra, em todos os lugares há sinais de revolta das camadas populares contra as elites e o establishment, que estariam desconectadas do sentimento popular. Tais elites teriam iludido às populações locais sobre os benefícios econômicos da globalização, mas que teriam resultado em malefícios como a perda de empregos, a crescente instabilidade financeira e imigração em massa.

O texto revela muitas confusões a respeito da globalização. O jornalista menciona que é necessário repensar as regras das instituições globais, buscando ampliar a participação política dos prejudicados e insatisfeitos. Citando um paper de um economista de Harvard, seria necessário uma globalização absoluta, ou seja, maior espaço para políticas públicas para atenuar os efeitos da instabilidade financeira e imigração em massa. Assim, para salvar a globalização econômica, é necessário mais globalização política.

A questão da globalização está muito mal colocada. A globalização econômica, criticada pelo texto, sempre existiu na história, seja em maior ou menor grau. O século XIX foi um período de grande fluxo de migração e comércio internacional. Apesar de argumentos protecionistas, não se pode imaginar a pujança econômica alcançada pelos EUA e Argentina sem a força dos seus imigrantes e de capitais físicos e intelectuais por eles trazidos.

Ao contrário do que se afirma, o avanço do comércio internacional nas últimas décadas também trouxe prosperidade e empregos aos países desenvolvidos. Basta ver o Vale do Silício e o avanço de empresas da Quarta Revolução Industrial, algumas com valor em ações superando empresas tradicionais, ligadas a energia e petróleo. De fato, o crescimento da renda per capita entre 1990 e 2010 de países europeus e EUA foram mais baixos comparativamente a países como China e índia , que partiram de um nível tecnológico muito baixo. Mas não podemos falar em uma contrapartida maniqueísta de mais comércio, mais desemprego e menor crescimento nos países desenvolvidos. Ao menos, a globalização em nenhum momento atuou em retardar esse avanço.

A dimensão econômica da globalização não é um problema, e sim aquilo que se chama de globalismo político, ou seja, aquilo que o autor propõe como solução. Na verdade, esta não somente não está em falta, como vem se ampliando expressivamente nas últimas décadas.

O globalismo político é uma ideologia centralizadora, estatista e enraizada no movimento fabiano, surgido em Londres no fim do século XIX. (Ver em: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2331) A ideologia fabiana, que possui como centro principal de pensamento a London School of Economics, influenciou profundamente as elites ocidentais no início do século XX. Basta ver os escritos de Aldous Huxley e H.G Wells. Ela é a responsável pelo surgimento de todas as instituições globais do pós-guerra. O FMI, o Banco Mundial, a ONU, a OMC, estão baseadas no ideário socialista fabiano de “governança global”. Keynes desejava que o FMI exercesse a função de Banco Central mundial, emitindo uma moeda internacional em substituição ao dólar.

Legislação e regulação internacional uniforme, taxação internacional pesada de lucros do capital (tal como proposta pelo Piketty), controle do fluxo internacional de capitais, uma legislação ambiental sufocante e cartilhas educacionais e de saúde politicamente corretas são os projetos da ordem do dia da ideologia fabiana. A centralização do poder nas mãos de uma burocracia internacional planificadora é a marca da globalização moderna. Isso nenhuma relação tem com a globalização clássica do século XIX aquela surgida da interação espontânea entre países soberanos, que negociam acordos bilaterais de livre comércio.

É da própria natureza do processo de centralização política a sua inevitável corrupção e degeneração em despotismo. Isso tem evidência em vários lugares e momentos da historia. A população dos países da UE tem toda a razão de desconfiarem disso.

Pode-se afirmar que as instituições internacionais são geridas por pessoas muito responsáveis e dificilmente passíveis de caírem em tentações populistas e despóticas, como se observaria em instituições locais de alguns países. De fato, o Banco Central Europeu controla bem a inflação, impedindo que países locais com histórico inflacionista executassem uma política monetária irresponsável. Entretanto, o problema ainda não tem solução. Confiar cegamente nas virtudes da burocracia internacional possui um prazo de validade, uma vez que nenhuma instância superior pode fiscalizar ou julgar suas ações. Quem vigiará o vigia? Caso o BCE, o Conselho Europeu ou a Corte de Direitos Humanos sejam governados pelos representantes do Podemos e do Syriza, a qual instância superior recorreremos?

É um idealismo tolo afirmar que dar poderes crescentes a esses organismos internacionais é  uma marcha histórica inevitável, e determinística, da humanidade rumo a civilização. A História está para provar a pretensão de regimes que acreditam estar no cume civilizacional.

A questão da imigração não pode ser reduzida somente à dimensão econômica, tendo também um importante elemento cultural. Tratam-se de muitos imigrantes que não aceitam ser integrados localmente e são fonte de conflitos com nativos (http://istoe.com.br/proibicao-de-uso-do-burkini-gera-controversia-na-franca/), e alguns que desejam trazer seus costumes e instituições antidemocráticas aos países que emigram, instalando verdadeiras “zonas proibidas” (https://pt.gatestoneinstitute.org/5143/franca-zonas-proibidas ). Não se trata de uma constatação xenofóbica ou etnocêntrica. Trata-se de entender que existe o choque de civilizações, e que nem todas as culturas desejam coexistir pacificamente com as instituições ocidentais. E é um direito legítimo de cidadãos, desde que dentro de um sistema legal e democrático, debaterem a implantação restrições imigratórias, para a sua proteção e segurança comum. Quem quiser emigrar para esses países, que se respeite os costumes locais.

Os imigrantes só interessam a um grupo, os políticos de esquerda, que tendem a ser são tão populistas em sua retórica quanto os nacionalistas anti-imigrantes. Prometem aos imigrantes assistencialismo estatal e welfare state ilimitados, custeados por impostos da população nativa, além de toda uma série de privilégios legais politicamente corretos, sob o nome de multiculturalismo.

Não é de se espantar que surja uma série de pessoas contra esse establishment, tão utópico e fora da realidade.

 

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional do Ágora Perene.

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