Por um globalismo verdadeiramente ocidental – Tiago Barreira

Maccari-Cicero

Por Tiago Barreira

A civilização ocidental é um produto da síntese harmônica e inseparável do pensamento greco-romano com o pensamento judaico-cristão. Não se pode jamais privilegiar uma em detrimento da outra. Cristianismo sem racionalismo clássico é messianismo revolucionário. Direito romano sem moral cristã é escravismo e idolatria ao estado.

Estou cada vez mais convencido de que em nenhuma época essa síntese foi explorada ao seu limite mais extremo como durante o humanismo italiano dos séculos XIV-XVI.

Em nenhuma época os valores profanos da Grécia e Roma Antiga se compatibilizaram tanto com a sacralidade espiritual cristã. Esta síntese pode ser demonstrada na estética renascentista, com os belíssimos quadros e esculturas de um Rafael, Michelangelo e Da Vinci. Como comprovado por Roger Scruton, em seu documentário Why Beauty Matters, obras renascentistas inauguraram uma época no Ocidente em que o Belo estético passaria a ser visto como um meio de aperfeiçoamento das virtudes morais humanas. Neste sentido, a arte renascentista, ao mesmo tempo em que denotava equilíbrio e harmonia nas proporções e medidas naturais, também implicavam no aprofundamento da conexão espiritual do homem com o Bem divino.[1]

O Humanismo italiano, caracterizado pela valorização do ensino de Belas Letras, pelo resgate do direito romano e pela a valorização dos ideais cívicos e republicanos (como os encarnados na República comercial de Florença e Gênova) [2], não podem jamais ser tomados como uma divinização humana e parte de uma “crise” ocidental.

Na verdade, ao contrário do que alguns conservadores mais tradicionalistas geralmente defendem, estes valores humanistas de nenhuma maneira foram um obstáculo ou ruptura com o pensamento medieval que o antecedeu. A Basílica de São Pedro é a expressão máxima deste convívio entre espiritualidade católica e temporalidade clássica. O Humanismo é a realização plena do projeto cristão de dignificação do Homem, enquanto imagem e semelhança de Deus. Mais precisamente, o projeto humanista de síntese clássica e cristã já se fazia presente no mundo medieval, de forma latente, como podemos observar na monumental Divina Comédia de Dante.

Lamentavelmente, existe um espiritualismo cristão que se opõe a esta síntese e por isso deve ser combatido. Este é o espiritualismo revolucionário, que rejeita tudo que venha do mundo temporal e deseja a destruição bárbara da ordem social vigente. Me refiro ao ódio ao establishment presente nos movimentos de extrema-direita contemporâneos. Por isso, não vejo nenhuma diferença entre uma Alt Right que rejeita o establishment global da OTAN, a ONU ou UE, e um protestante revolucionário que rejeitava o establishment católico romano, ou um leveller puritano que desejava a morte do rei da Inglaterra, por estes serem parte da “prostituta da Babilônia”. São fenômenos muito semelhantes e de consequências desastrosas para a a manutenção da ordem e da paz em sociedade.[3]

Por mais equivocadas que sejam certas políticas das instituições globais, elas nada mais são, ao menos em sua origem, do que a culminação de uma longa tradição política e institucional do ocidente, alicerçada no direito romano e potencializada pelo ideal humanista cristão de dignidade da pessoa humana. Se existe um globalismo ocidental a ser defendido, é aquele baseado em tais valores humanistas clássicos-cristãos. Valores dos quais os direitos humanos modernos nada mais são do que derivações, e dos quais a ONU a OTAN e UE deveriam resguardar entre os seus países membros, mas que lamentavelmente não o fazem.

É também fato que as instituições globais foram capturadas pelo progressismo do socialismo fabiano e pelo romantismo da Escola de Frankfurt, se distanciando fortemente do seu sentido liberal humanista originário. Cabe aos liberais e conservadores resgatarem a verdadeira ONU de 1945, calcada na proteção da liberdade das nações contra regimes totalitários, e não no igualitarismo legislador sobre nações livres e soberanas. É preciso resgatar a União Europeia dos tratados de livre comércio dos anos 50, e não a burocracia de Bruxelas com sufocantes regulamentações sobre a economia. Necessitamos de um globalismo verdadeiramente humanista e ocidental.

 

[1] Ver “Why Beauty Matters” em: http://www.morec.com/scruton/beauty.htm
[2] SKINNER, Quentin. A formação do pensamento político moderno. São Paulo, Companhia das Letras, 1996.
[3] Todo liberal conservador com uma mínima noção de política contemporânea e movimentos de massa sabe que o que o Soros promove é deplorável moralmente. Mas a campanha da Alt Right húngara para o fechamento da Universidade da Europa Central e a expulsão de ONGs pró-refugiados é igualmente condenável. Não só uma violação à liberdade de associação e expressão como uma medida imprudente, pois unifica o discurso da esquerda globalista contra as “forças fascistas antissemitas da Europa”. Ver em (http://foreignpolicy.com/2017/07/11/hungarys-orban-targets-soros-in-new-anti-immigrant-campaign-nationalism-democracy/)

 

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional do Ágora Perene.

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