
Vendo a postagem do deputado federal Marcel Van Hattem (Novo-RS), em respostas às críticas do Bolsonaro às manobras do STF sobre a votação do projeto de voto impresso, me espanta de ver um parlamentar legislativo de tamanha envergadura e preparo doutrinário no liberalismo escrever isso.
Estamos diante de um político que diz querer depurar do debate público todo interesse político, em favor de argumentos “técnicos” e neutros. Argumentos técnicos que seriam, por sua vez, capazes de serem igualmente persuasíveis e aceitos por todas as correntes políticas antagônicas.
Políticos, nesse sentido, se tornariam nada mais do que burocratas, capazes de realizar um pacto de cavalheiros. E de cada um abrir mão de seus interesses partidários em prol de ideais comuns de aperfeiçoamento democrático.
Esta concepção pretensamente neutra e a-ideológica do poder faria o deputado afirmar no post ”não ver sentido [algum] em ser contra mais segurança e confiabilidade ao processo eleitoral”. Entendo o ponto levantado por este argumento. Evidentemente, se alguém é contra um processo eleitoral confiável, só poderia ser um idiota útil, ou alguém recebendo vantagens pessoais com isso.
Mas, por outro lado, o deputado novista assume de forma ingênua que todos os agentes políticos sejam bem intencionados. Ao contrário do que este acredita, a transparência eleitoral não se resume somente a um valor neutro buscado por todos, que paire acima de interesses políticos, mas um meio prático para coibir fraudes.
O deputado ignora, nesse sentido, que haja interesses políticos que motivem a prática de fraude, o que inviabilizaria qualquer debate técnico e desinteressado em favor de uma “transparência democrática”.
E é altamente provável que haja interesses desta natureza, sobretudo quando vemos uma autoridade e tribunal que publicamente se declara contra mecanismos de maior transparência nos seus próprios atos. Então, se alguém é contra a transparência, sem um bom motivo, está favorecendo, deliberadamente ou não, fraudes. Ignorar isso e acreditar o contrário, como faz o deputado novista, é viver em um mundo de Poliana.
Sabemos o tipo de ideologia que leva a esse tipo de ilusão do deputado. Justamente uma ideologia esterilizante, neutralizante, da esfera pública, como é o liberalismo político, que idealiza uma concepção abstratista de sociedade, formada por contratos entre indivíduos que almejam a se ajudarem mutuamente a viver bem.
Uma concepção da política também marcada pela visão democratista, como evidenciada neste artigo. Esta concepção democratista assume que ideologias e interesses partidários nada mais seriam do que pano de fundo para paixões irracionais de cobiça e ambição, devendo ser equilibrados e moderados pela política racional, devendo esta pairar acima dos interesses, tal como um centro moderador de “extremos”.
Uma concepção como esta inviabiliza qualquer concepção mais concreta sobre a natureza e as distinções qualitativas entre os tipos de interesses envolvidos. Um apagamento de distinções qualitativas que se torna fatal em qualquer análise sobre os principais interesses políticos em jogo no momento.
Por outro lado, mesmo se tomássemos como verdadeira esta perspectiva newtoniana e limitada dos liberais, o Van Hattem continuaria errado ao ler a realidade de maneira equivocada. Se formos parar para pensar também, o bolsonarismo poderia ser até mesmo “defensável” sob uma perspectiva liberal. Pois se o liberal preconiza o mito do democratismo, este deveria estar em favor das minorias ideológicas políticas, de modo a almejar um equilíbrio newtoniano de interesses políticos nas instituições.
Ora, o bolsonarismo cumpriria justamente esse papel de garantir esse equilíbrio nas instituições, ao questionar o poder arbitrário do STF, a gestão totalitária da pandemia, bem como evitar abusos de fraude eleitoral. E o Van Hattem, assim como muitos outros direitistas que caíram neste erro de percepção, se equivocaria neste sentido, ao achar que o bolsonarismo é uma ameaça ao equilíbrio e que deve ser excluído da discussão democrática, ao invés de ser um fator de equilíbrio que a enriquece.
Temos então, para liberais novistas, mais do que um problema de princípios ideológicos, mas de apreensão da realidade concreta, e de conectar princípios com fatos. Estamos então diante de um fenômeno que parece ser mais grave ainda. É uma cegueira não apenas de ordem ideológica, como também cognitiva.
É inacreditável o que venho lendo ultimamente dos liberais do Brasil. Estamos diante de um processo inédito de abdicação de inteligências e de autoimbecilização de consciências. Surge um novo imbecil coletivo, impulsionado seja por sentimentos primários de ódio e ambição, seja pelo desejo de vaidade por manchetes.
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