Breves Comentários sobre a Crise Cultural na Obra Ideias Têm Consequências – Tiago Barreira

Tiago Barreira

Ontem terminei de ler o livro Ideias Têm Consequências, do historiador americano Richard Weaver (1910-1963). A obra, escrita nos Estados Unidos em 1948, e logo após o término da Segunda Guerra Mundial, é um dos responsáveis pelo revigoramento do movimento conservador americano. Algumas considerações importantes merecem ser ressaltadas sobre a obra.

A obra de Weaver realiza uma análise filosófica sobre as raízes da degradação de valores e do relativismo ocidental. Dita de forma resumida, o autor atribui as raízes da crise do mundo ocidental ao nominalismo filosófico, uma corrente filosófica originada no debate escolástico medieval, e que seria um dos principais responsáveis pela ascensão da filosofia empirista moderna, entre os séculos XVI e XVIII.

Segundo Weaver, o pensamento empirista herdou do nominalismo o seu anti-intelectualismo metafísico, negando a existência de qualquer essência universal nas coisas. O empirismo moderno, ao negar a existência de essências universais, fechou-se em um mundo puramente sensível e material, desprezando a especulação de ideias e formas eternas em favor do conhecimento prático de coisas do mundo natural. E é sobre este desprezo do mundo das formas universais que o pensamento científico moderno estaria fundamentado.

Este fechamento empirista da realidade ao mundo natural, em seu apego excessivo ao material, singular e efêmero, teria conduzido a uma bestialização moral do ser humano, ao desconectá-lo do acesso à contemplação de ideais morais superiores que o tornam civilizado. Weaver vai enumerando todas as consequências culturais desta incapacidade do homem moderno de contemplar os universais, seja na música, na política, na economia, na literatura.

É importante ressaltar que Weaver, embora apresente uma análise filosófica que pretenda abranger todo o mundo ocidental moderno, este na verdade apenas se prende ao contexto cultural e intelectual americano, que de fato recebeu forte influência do empirismo inglês de Locke, Bacon e Hume.

De fato, países anglo-saxãos modernos se encontram fortemente associados ao apego pela visão particularista, anti-universalizante e antissistemática da realidade. Um desprezo que se encontra ligado, sobretudo, à sua forma característica de pensamento filosófico, analítica, cética e pragmática. Trata-se de um contexto muito diverso daquele vivenciado por outros países, como o Brasil e outros da América Latina e Europa Continental. Países os quais, sendo pertencentes a outras tradições filosófica, estão menos presos ao mundo imediato, sensível e prático e mais a uma espécie de especulativismo elitista.

Logo, se quisermos entender o contexto da crise cultural no Brasil, não podemos aplicar diretamente tudo o que o o Weaver diz sobre a cultura anglo-saxã para o nosso cenário.

Me parece que esse empirismo inglês nunca foi o forte da tradição intelectual brasileira, enquanto o racionalismo francês e o idealismo germânico parece ter sido mais influente por aqui. Deve-se ressaltar que o empirismo inglês possui em certo sentido uma visão bem simples da realidade, uma vez que não possui pretensões sistematizantes sobre estruturas profundas das coisas. Tende-se, neste caso, a abraçar o senso comum e o particular de tal maneira que despreza-se a floresta em favor da árvore. Já em países como o Brasil, é o contrário que ocorre. O que se vê é o desprezo à arvore e a sistematização de florestas. O ensino acadêmico assume como maior prioridade a desconstrução do senso comum, ensinando os alunos a serem “críticos”.

Logo, se há uma crise cultural brasileira, esta não pode equivaler à crise cultural descrita pelo Weaver, baseada em referenciais empiristas da cultura inglesa, muito embora a crise brasileira se assemelhe com a crise americana e inglesa em seus desdobramentos e impactos sociais. Portanto, é preciso termos cautela.

Uma cautela que infelizmente não vem sendo tomada pelos conservadores brasileiros, em especial aqueles da linha “Prudência e Sofisticação”, que incorrem no vício intelectual de tomar literalmente os pensadores ingleses como doutrina universal definidora do “conservadorismo de boa estirpe”.

Poderia-se assumir, neste caso, um erro fatal de diagnóstico, ao assumir o pensamento nominalista e empirista como causador da crise brasileira. Neste caso, poderia ser formulado, em reação, um pensamento conservador excessivamente especulativista, sistemático e crítico do senso comum. Um conservadorismo que olha para florestas, e não para árvores. O grande perigo reside aí.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional do Ágora Perene.

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