O Exílio do Eros e a Nostalgia Humana – Tiago Barreira

O ser humano está sempre insatisfeito. Temos um vazio eterno dentro de nós, em uma espécie de exílio do mundo ideal e das coisas como deveriam ser. Mas é deste vazio que nasce o Amor à sabedoria e ao Bem, e à busca da perfeição. É justamente esta a definição de Transcendência, enquanto um impulso da alma na superação deste vazio, em direção a algo além de si. A alma vazia deseja e ama. E isso não pode ser jamais considerado um mal em si, desde que acompanhado de esperança e anseio de perfeição.

Platão definia três tipos de ordens de prazeres da alma. O prazer ligado à camada concupiscível da alma, que busca a satisfação física (prazeres da mesa e cama), o ligado à camada volitiva, que busca a satisfação de honrarias e prêmios, e o ligado à camada intelectiva, que busca o desejo de perfeição e beleza interior, através da aquisição de sabedoria e virtude. De todas as três, os prazeres da camada intelectiva são considerados pelo filósofo ateniense como os que trazem felicidade de modo mais pleno.

Pois a sabedoria e virtude são bens ideais não-perecíveis, eternos e imutáveis, e não sujeitas portanto à mutabilidade dos bens materiais e temporais. Os prêmios e honrarias podem ser perdidos ou esquecidos de uma hora pra outra. E a uma escala mais mutável ainda estão os prazeres concupiscíveis. Trazem felicidade em um momento, mas se dissipam com maior facilidade no instante seguinte. É por isso que somente com a alma direcionada à contemplação do Bem transcendente e eterno, e à busca dos prazeres intelectivos, que esta se realiza mais plenamente.

É possível ser feliz sem se acreditar no transcendente? Tomemos uma niilista pós-moderno e radicalmente cético do mundo ideal dos antigos. Ao cético radical será possível a satisfação nas camadas concupiscíveis da alma, alcançando algum conforto material e financeiro. Poderá se realizar nas camadas volitivas, alcançando status social e prestígio público. E este pode ter tudo isso por força do hábito social e senso comum, adotando uma moral provisória ao mesmo tempo que nega o seu valor moral transcendental.

Mas ele jamais conseguirá identificar um ideal de Bem atemporal e universal, transcendente aos hábitos sociais, que sustenta suas realizações e êxitos mundanas, e nem saberá o discernir o que é Virtude e Justiça de maneira tão perfeita. Pois lhe falta ver o mundo transcendente onde estes ideais residem. E por não vê-los, não os desejará e nem os buscará adquirir, alcançando um estágio de felicidade contemplativa e prática menos perfeita do que caso os desejasse.

O niilista pós-moderno, imbuído da consciência romântica, é aquele que tem uma alma vazia assim como todos os demais homens, mas que não se esforça em torná-la perfeita. Pois não crê em uma perfeição divina. O que é a definição mesma do desespero e carência de esperança. E ao mesmo tempo, é somente na camada intelectiva da alma que esse vazio é preenchido, pois torna a alma ao regresso do mundo transcendente, reconhecendo nela as formas eternas e perfeitas de onde veio.

Esse vazio se relaciona com a nostalgia e exílio da alma. A infelicidade e insatisfação humana são vistas pela consciência romântica como alheia à condição humana. O Platão do Banquete, ao contrário, a considera o elemento fundante e estruturante da existência humana. O mito do Eros, nascido filho de Deuses e de homens, da Riqueza e da Pobreza, descreve com maestria a condição humana, colocada como intermediária entre o mundo natural sensível e o mundo divino ideal.

Analogamente ao Eros, filho dos deuses e dos homens, e portanto um exilado do mundo divino, o homem também sente este exílio nostálgico do divino. O homem é aquele que deseja ardentemente pela transcendência, mas nunca alcança. Seu desconforto angustiante, mais do que fonte de desespero, é causa e motor que o impulsiona a essa transcendência, tornando-o amante do divino.

A consciência romântica é o ódio a esse sentimento nostálgico. Ela não sabe lidar com a melancolia do exílio do Eros ao divino, e quer erotizar o terreno, desprezando o transcendente. Pois a base da esperança e o desejo pelo Bem é o reconhecimento deste exílio, e que há uma casa aonde devemos regressar. Por isso que o sentimento nostálgico é algo que deve ser cultivado e é algo que se perdeu bastante em nossa cultura.

Ou o mundo ocidental passa por uma transformação cultural, superando a consciência romântica que impregna a pós-modernidade, ou este fracassará enquanto projeto ético e moral de civilização.

Tiago Barreira

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional do Ágora Perene.

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