A Educação como a Gênese da Liberdade – Eliseu Cidade

Geralmente, quando se pensa em educação, a primeira coisa que vem à cabeça são escolas, universidades, professores e salas de aula. Até aí tudo certo, esses elementos são partes integrantes dos processos educacionais no mundo inteiro. Contudo, eles jamais podem ser a compreensão holística do que realmente é a educação.

A educação envolve uma série de fatores que não envolvem necessariamente instituições de ensino formais. Tanto que a família desempenha importante papel na educação, mais diretamente em termos morais, do que as escolas elementares. Nesse sentido, vale ressaltar os conceitos de instrução e ensino, não raro, esquecidos e deixados à parte pela maioria. Enquanto a instrução seria um conhecimento indispensável na escolaridade acadêmica e no desempenho do papel social do indivíduo, a educação está diretamente envolvida na expansão da consciência e desenvolvimento da inteligência do indivíduo.

Além disso, a educação possui um aspecto diferenciado, posto que é progressiva, sendo assim, se constrói constantemente até a morte, jamais cessa; a menos que se trate de uma alma medíocre e de pobre espírito. A partir dessa breve diferenciação, já se pode inferir a enorme dificuldade da sociedade, em geral, de conceber essas duas ideias e, assim, ter em mente, com a devida clareza, o que realmente quer dizer quando alguém diz que teve uma “boa educação”.

Ao atentar para a realidade brasileira, o ensino fundamental, médio e até, em última instância, o universitário, salvo raras exceções, enfrenta graves problemas na execução de seus planos educacionais e no sucesso quanto à formação individual. O que vemos, na melhor das hipóteses, são indivíduos preparados para o vestibular ou qualquer concurso que seja para o ingresso em algum curso de nível superior. Diversas vezes, durante meu período de ensino médio, pude me deparar com situações aflitivas e desencorajadoras, como, por exemplo, o de somente “estudar” apenas aquilo que é cobrado no vestibular.

Biblioteca do Vaticano

Enquanto a instrução seria um conhecimento indispensável na escolaridade acadêmica e no desempenho do papel social do indivíduo, a educação está diretamente envolvida na expansão da consciência e desenvolvimento da inteligência do indivíduo. Além disso, a educação possui um aspecto diferenciado, posto que é progressiva, sendo assim, se constrói constantemente até a morte, jamais cessa.

Assim, a investigação e a busca genuína do conhecimento acabam dando lugar ao oportuno e ao medíocre; desse modo, a própria educação brasileira é uma imagem clara da superficialidade e inconsistência da maioria da sociedade. Do mesmo modo, a educação universitária também erra no mesmo ponto ao preparar cidadãos para desempenhar “mecanicamente” seus papéis sociais para sua subsistência ou possível prestação de concursos públicos. Pior ainda, quando se atém ao ativismo político típico dos docentes e discentes ditos “progressistas”, porém que são de extrema esquerda, e estão sempre preocupados com a homogeneidade das ideias e com a higienização das críticas, para não afetar o “status quo” universitário, ou, em última instância, receberem um possível atestado psiquiátrico de insanidade mental.

O cenário é de uma educação muito contrária da aclamada por Paulo Freire, que assumia um posicionamento “libertador”, que, parece mais uma ironia e um tapa na cara, capaz de desintegrar seus conceitos e pensamentos mais profundos; fazendo cair de podre suas ideias ao chão junto com sua filosofia barata. Portanto, o sistema educacional brasileiro forma indivíduos limitados intelectualmente e abertos ao estudo como um meio, isto é, o estudo é sempre visto como uma oportunidade de êxito profissional, isso quando não é levado às raias do orgulho desenfreado, quando os homens mais desprezíveis acreditam serem superiores, de algum modo, por saber uma nota de rodapé ou uma citação a mais que os outros. Essa realidade é comum no imaginário brasileiro, mais do que podemos conscientemente cogitar, em cada conversa de esquina, esse pensamento mesquinho é sempre levado à cabo. O conhecimento é sempre visto como algo gerador de capital, nunca como agente interno de transformação de ordem psicológica, moral, social e intelectual. Apresentado esses fatores, é muito simples concluir o porquê o Brasil possui uma elite intelectual atrofiada e insossa, que, hoje, se encontra totalmente infiltrada nas cátedras universitárias, que, não raro, estão limitadas a seus próprios interesses e seus partidos políticos prediletos.

Machado de Assis, o célebre escritor brasileiro, já demonstrava em seus contos aos fins do século XIX, a preocupação com a imagem social e o autoengano presente em muitas das suas personagens. O mais famoso deles, Teoria do Medalhão, expressa com toda a ironia e crítica, típicas de Machado, a superficialidade dos bacharéis brasileiros daquela época, preocupados com seus cargos, condecorações e brocardos. Passados mais de um século da análise lúcida de Machado, o reino da aparência ainda impera fortemente. Para inferir algo sobre essa decadência intelectual e cultural, é preciso fazer algumas considerações históricas que fogem às numerosas mentes, que, no emaranhado decorrente da força do cardume, não enxergam a realidade concreta ofuscada pelas imagens translúcidas captadas pela maioria.

A educação clássica é a chave para o processo de saída da ignorância rumo ao conhecimento. Não existem fórmulas mágicas ou receitas prontas, o segredo é ter paciência para ler, estudar, refletir, e finalmente, processar mentalmente a informação adquirida. A verdade é que, com o surgimento da imprensa, os livros impressos ou os ebooks, como queiram ler, legou à posteridade o infortúnio da preguiça e da comodidade. Na idade antiga, sábios e oradores sabiam de cor e salteado os seus discursos e tinham bibliotecas monumentais em suas mentes, fruto da memorização ativa e constante daquele período. Hoje em dia, essa capacidade da memória humana decaiu assustadoramente graças ao rápido e fácil acesso aos documentos escritos. Esse fato me faz lembrar do segundo postulado de Jean Baptiste Lamarck, muito bem conhecido na Biologia, o da lei do uso e do desuso. Quanto mais se usa certo órgão, mais se desenvolve; mas, do contrário, ele se atrofia. Foi exatamente isso que aconteceu com o homem moderno. Logicamente, a imprensa nos favoreceu generosamente e serei eternamente grato a isso, mas, não podemos nunca nos esquecer de que é preciso desenvolver e utilizar ativamente a nossa memória. Somente assim não cederemos tão facilmente aos confortos do século XXI.

Hugo de São Vítor, filósofo escolástico, foi parte desse movimento da educação clássica do Ocidente que é baseada nas artes liberais e, seguindo adiante, às artes superiores que eram estudadas nas universidades da época. Essa é a verdadeira educação libertadora, e além do mais, democrática, pois não há dependência de diplomas, certificados ou burocracias. Ela é aberta a todos. Além disso, ela não guia apenas ao conhecimento objetivo, mas, igualmente, forja a educação moral através da busca pela verdade e disciplina da vontade; se trata, portanto, de uma verdadeira educação interior. Hugo de São Vítor em seu livro Didascalion discorre as três etapas do estudo como sendo o ato de ler, em seguida o ato de refletir, e por último, o ato de contemplar. Essas etapas não podem ser puladas, mas devem ser obedecidas a fim de que aquele saber seja devidamente internalizado. Por isso, o sentido da palavra intelecto é ler por dentro, isto é, o intelecto é a estrutura utilizada na aquisição de novos conhecimentos, saberes e descobertas que vai promover essa interação com o objeto inteligível, gerando assim a compreensão. Nesse sentido, atividades educacionais mecânicas e feitas à esmo jamais levarão a lugar algum, pois o estudo, para fornecer resultado, precisa de uma estrutura. Estudar é uma arte. Do mesmo modo, as virtudes morais ganham força no ato do estudo de igual maneira, Hugo, por exemplo, pontua a necessidade da humildade. Ela é nada mais, nada menos que, a virtude maior do estudante, posto que o pressuposto para a sabedoria é admitir a própria ignorância ao reconhecer a vastidão do universo em que está contido, e ao mesmo tempo, ter a consciência de que compõe parte ínfima dele.

Philosophia et septem artes liberales (Herrad de Landsberg)

Hugo de São Vítor, filósofo escolástico, foi parte desse movimento da educação clássica do Ocidente que é baseada nas artes liberais e, seguindo adiante, às artes superiores que eram estudadas nas universidades da época. Essa é a verdadeira educação libertadora, e além do mais, democrática, pois não há dependência de diplomas, certificados ou burocracias. Ela é aberta a todos. Além disso, ela […] forja a educação moral através da busca pela verdade e disciplina da vontade; se trata, portanto, de uma verdadeira educação interior.

Assim, a formação do estudante é eterna, não se resume a cursos ou graduações que preparam para algum cargo público, empresa ou carreira em específico. Essa visão ainda é muito mal compreendida, especialmente no Brasil. Enquanto a educação não for adequada a total formação pessoal, a nível íntimo, tendo impacto assim sobre sua vivência e personalidade, ela não será, de nenhum modo, libertadora. Governos autoritários, com seus discursos de serem “democráticos”, odeiam esse tipo de educação, e portanto, oferecem a adestração dos indivíduos fornecendo somente aquilo que será de proveito último do próprio Estado. Mas por que razão um Estado atentaria contra a educação no seu sentido mais profundo? A resposta é simples: Pois a liberdade que ela proporciona vai além daquela que o poder do Estado está disposto a fornecer a seus cidadãos. Quanto mais um ser se educa, mais livre ele é, pois a verdadeira educação liberta da ignorância, do preconceito e da mediocridade. O estudo é a condição sine qua non para a liberdade.

Eliseu Cidade

 

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional do Ágora Perene.

 

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