
Tiago Barreira
Instituições
Me deparo com a mudança drástica no debate econômico dos especialistas atuais. Há poucas décadas, era comum os badalados especialistas em economia serem entrevistados para falar da necessidade de destravar reformas estruturais no Brasil, diminuir o custo-país, liberalizar e modernizar instituições. E hoje?
O discurso modernizador dos economistas sumiu das manchetes de jornal, não havendo mais a proposição de uma agenda positiva. O que só há hoje é o discurso uníssono, unânime, burro e bovino de que é preciso salvar as instituições e a democracia. Um lugar-comum banalmente reproduzido sem maiores aprofundamentos, o discurso institucionalista em tese prega um tipo de estabilidade e estaticidade institucional que segundo os economistas hoje, é o fundamento do crescimento sustentável e estruturalmente sólido de longo prazo. E que toda ameaça a essa estabilidade produziria um círculo vicioso de retrocesso econômico.
Essa tese remete vagamente à teoria das elites extrativas preconizada pelo economista Daron Acemoglu, em seu célebre livro Por Que as Nações Fracassam. Instituições sólidas possibilitam uma isonomia no tratamento dos atores sociais, garantindo a previsibilidade racional das ações econômicas em meio a um framework legal relativamente estável no tempo.
Mas onde foi parar a teoria das forças de reforma e de modernização de anos atrás? Será mesmo que em nome da isonomia e previsibilidade as instituições devem ser mantidas 100% estáticas como vem sendo defendido? Será que estas não precisam ser aperfeiçoadas, ao sabor das especificidades das demandas de cada época?
Pois uma coisa há de se admitir. As instituições que mais perduram no tempo não são as instituições das mais estáticas, e sim com elevado grau flexibilidade. Esse é o segredo das instituições britânicas e americanas, com a sua flexibilidade jurídica e minimalismo de leis escritas. A flexibilidade é uma das condições para a continuidade temporal.
É preciso portanto dar margem para que sejam penetradas forças de modernização nestas instituições, possibilitando o seu aperfeiçoamento contínuo e perpetuação no tempo. Instituições são tentativa e erro, é contínuo aprendizado, é o produto fecundo que nasce do choque e confronto de ideias, nunca o mar cor de rosas do consenso imbecilizante e estéril.
Se esse institucionalismo simplista soa um argumento estranho em relação ao que era até então pregado pelos economistas como fórmula para um crescimento saudável e virtuoso, mais estranho ainda é ver a incoerência lógica desta posição como vem sendo defendida por esses mesmos economistas na mídia.
Assim, a força de instabilidade institucional é erroneamente vista por analistas de mídia como a força da direita, que elegeu uma bancada de peso no congresso e que por isso precisa de um contrapeso à sua altura no executivo, com a escolha de um candidato de esquerda. Só assim será possível garantir 4 anos de estabilidade institucional. Assim, para se dar estabilidade institucional, deve-se aprofundar ainda mais o choque institucional, e induzir a uma neutralidade através da paralisia decisória nas ações politicas. Nada mais incoerente, não? Mas esse é o argumento defendido por economistas de peso, como Arminio Fraga e outros ligados ao Plano Real.
Ignora-se totalmente o fato de que o que a direita trouxe e ainda traz para o Brasil é o novo, cumprindo um importante papel de vetor de modernização de instituições. Nada se fala sobre os ganhos potenciais que uma bancada de direita poderia trazer em termos de proposição positiva de agenda econômica (reforma tributária, administrativa, privatizações). Todas as suas iniciativas devem ser neutralizadas pelo outro lado, de modo que nada possa ser proposto de novo.
O discurso das instituições democráticas estáveis pegou e veio para ficar. O país vive uma fase de estagnação e de crise, não mais por culpa da inércia de instituições, mas pela falta de inércia desta. Iniciativas reformadoras não mais são bem vindas e incentivadas, mas reprimidas e alvos de suspeita, sendo priorizada a não-iniciativa paralisante do neutralismo sobre a iniciativa corajosa do inovismo. E assim a democracia se desvirtua e deixa de se tornar um meio funcional que consiga canalizar vozes e forças em direção a um fim comum, para se tornar um monstro engolidor e sugador de forças em direção a lugar nenhum.
O fenômeno do democratismo
No artigo de 2021, analisei o fenômeno do “democratismo” na política nacional e mundial, mencionando que o centro político tende a arrogar para si a bandeira democratista de preservar a instituições ao trazer equilíbrio ao cabo de guerra entre esquerda e direita. Explorando melhor essa questão, eu noto que no Brasil, na verdade, nem o centro está cumprindo corretamente essa função de equilibrar os extremos. Hoje é a direita que assume esse papel.
Noto que nos últimos anos tem havido um desvirtuamento da moderação centrista, assumindo um caráter crescentemente radical no campo econômico, com as bandeiras ESG, e crescentemente autoritário no campo da saúde pública, com a apologia de lockdowns e passaportes vacinais. Ao invés de moderar extremos, impõe-se um terceiro extremo. Se há alguma ideologia hoje que busca o equilíbrio democratista entre esquerda e direita, essa ideologia hoje não pode mais vir do centrismo, mas da ideologia minoritária e perdedora do cabo de guerra, que é o conservadorismo.
Pois o conservadorismo não possui representatividade suficiente nas instituições políticas, judiciais, acadêmicas, empresariais e culturais, como é a esquerda e o centro, mesmo sendo uma ideologia de massas com forte presença na sociedade. Logo, preservar a pluralidade democrática é defender os conservadores contra a estigmatização e ataques e vindos da esquerda e do centro, e dá-los o direito à sobrevivência política ao qual estão ameaçados. O democratismo, quando analisado dessa forma, é um argumento que se for aplicado corretamente ao contexto atual, deveria implicar no fortalecimento representativo da direita.
O legado de Olavo na política
Olavo de Carvalho sempre foi atacado por ambicionar um projeto de poder conservador. A julgar superficialmente, pelas postagens de Facebook da época de 2014-18, tem-se a impressão de uma ambiguidade. Uma hora ele dizia que a hegemonia cultural esquerdista havia terminado e que o Brasil estava pronto para uma revolução conservadora, da qual o estamento burocrático seria derrubado e a esquerda seria expulsa dos meios institucionais “a pontapés”. Por outro, tendia a desconfiar do oportunismo direitista, da falta de cultura literária e formação política das lideranças antipetistas, e dizendo que o movimento conservador era uma grande ejaculação precoce, e que era preciso primeiro formar uma elite intelectual para sanear e orientar o debate público.
Olavo falava em derrubada do estamento burocrático no auge do impeachment. Isso é fato. Ele não deixou somente “formas de analisar a realidade partindo de diferentes premissas”. Ele deixou uma práxis de ação política a orientar os conservadores. Ainda que indiretamente, o elo do Olavo com a política nacional contemporânea é inevitável. Isso o coloca não somente na posição de intelectual teórico, mas de agente e ator dentro da arena política, e por isso deve prestar contas das consequências de suas ações enquanto exercidas dentro da desta arena.
Se houve ambiguidades e contradições no desenrolar do movimento conservador, isso se deu em parte pela liderança dos conservadores. Como também se deu em parte pela ambiguidade de algumas ideias sinalizadas pelo Olavo, que poderiam ser melhor esclarecidas, mas não o foram.
Não compro essa ideia da mídia de que o Olavo foi um Rasputin de direita. Mas também não podemos ser ingênuos em acreditar que o Olavo foi um intelectual neutro politicamente. As ideias dele repercutiram na política. As duas coisas, esfera intelectual e esfera política, não se separam, mas são duas faces da mesma moeda.
É dever e obrigação dos ex-alunos do Olavo justamente esclarecer essas ambiguidades intelectuais deixadas pelo Olavo na política que não tiveram tempo de ser exploradas e esclarecidas a tempo. Esclarecer as entrelinhas do pensamento que deram margens a mal entendidos e se tornaram fontes de eventuais oportunismos políticos. São essas lacunas de pensamento deixadas que precisam ser preenchidas e trabalhadas para que não haja mais espaço para dúvidas e erros futuros.
O problema da memória afetiva
O PT conseguiu manipular a memória afetiva do brasileiro parar criar uma aura conservadora do governo Lula. Fizeram isso sabendo que o conservadorismo popular está em alta no Brasil e no mundo. Pegaram os elementos psíquicos que fundamentam esse conservadorismo e trabalharam a seu favor, integrando dialeticamente à sua tática de ação revolucionária.
Uma estratégia de gênio, que assombra pela sua flexibilidade. Pegaram aquilo que era o seu ponto mais fraco, e o transformaram no seu ponto mais forte. O que foi o governo Lula? Uma época feliz, onde a família se reunia em casa no Natal e festejavam e compravam geladeira, TV e faziam churrasco. Não importa por quais meios conseguiam comprar e a dívida acumulada que isso deixou, ou o desemprego ou colapso financeiro legado posteriormente. O que importa é que nosso passado foi feliz. Quem discordaria disso? Esse é o núcleo de um pensamento conservador. E nós deixamos que eles se apropriassem do conservadorismo, como se apropriaram do cristianismo e de outras coisas.
A sutileza e a flexibilidade dialética dos revolucionários é algo que não pode ser subestimado. Não basta simplesmente confiar no povão conservador, informá-lo sobre o viés anticristão de pautas culturais da esquerda identitária. Hoje ele sabe disso tudo, mas ainda assim vota na esquerda, em especial no Nordeste.
Mas isso é ao mesmo tempo um reflexo de algo que precisa ser um trabalho de base por parte dos conservadores. A verdade é que o brasileiro possui uma memoria coletiva muito fraca. Pois a identidade histórica nunca foi algo decisivo para a nossa identidade nacional. Os americanos se orgulham da sua história, assim como os portugueses. Já o brasileiro simples não possui nenhum vínculo com a historia coletiva nacional. Isso é um prato cheio para sofistas demagogos manipularam o passado afetivo coletivo.
Então a educação histórica ao povo se torna algo crucial para treinar, preservar e fortalecer essa memória coletiva.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional do Ágora Perene.