
Tiago Barreira
Não sabemos se o Lula fará um governo petista, mas é possível que ele não o faça, como ele próprio sinalizou em declaração desta semana. Independentemente das ambiguidades programáticas deixadas ao longo de toda sua campanha sobre questões como economia e costumes, uma coisa é certa. Lula, caso eleito, estará encarregado de implantar o projeto do Grande Reset no Brasil, preconizado por Klaus Schwab nas últimas edições do Fórum Econômico Mundial. Será mais um governo de centro, fruto da aliança construída com forças de centro ao longo de sua campanha, e alinhado a interesses internacionais globalistas.
Essa combinação estranha da chapa Lula-Alckmin de 2022 só seria possível nos dias atuais, na medida em que esquerda e centro se fundem cada vez mais, e se tornam uma coisa só. De um lado, a extrema esquerda abandona as pautas marxistas clássicas estatizantes de defender as massas trabalhadoras blue-collars, em prol do fomento de aristocracias identitárias white-collars via ações afirmativas e policiamento da linguagem politicamente correta. De outro, o liberalismo dito moderado de centro abraça crescentemente pautas radicais ESG no meio corporativo.
Portanto, o projeto da esquerda nos países das democracias ocidentais hoje é o projeto do centro. Não há mais nenhuma diferença programática entre os dois, unidos no Grande Reset de Schwab. O erro do Bolsonaro foi colar no Lula a imagem de radical de esquerda, e que o Brasil viraria uma Venezuela. O que é uma acusação descolada da realidade. Este deveria ter dado mais ênfase no discurso nacionalista, e colado em Lula a imagem de lacaio de banqueiros e oligarcas bilionários ocidentais, que querem se apropriar economicamente e culturalmente do país.
Ele podia pelo menos ter se aproximado do Ciro Gomes já no início do segundo turno, e criado um canal de diálogo com o PDT. Pois no campo externo ambos têm um inimigo em comum: o capital financeiro oligoprogressista do Fórum Econômico Mundial.
Não vejo outro caminho tático futuro para a direita brasileira senão o de pôr mais ênfase na soberania nacional e defesa militar, deixando o campo liberal econômico de lado por enquanto.
Também não vejo outra saída a não ser uma aproximação com os BRICS e diminuição da dependência econômica com UE e EUA. Os chineses e russos são imperialistas, mas não interferem em assuntos internos de países como os globalistas ocidentais, pois não fazem militância diplomática em questões identitárias ou ambientalistas. Defendem a soberania brasileira na Amazônia. Do ponto de vista diplomático, são um parceiro valioso contra a hegemonia da pós-modernidade ocidental. É só cuidar para não fazer concessões demais a estes países em questões econômicas, e de não alcançar um elevado grau de dependência econômica a um número restrito de países. O jogo político externo exige concessões a inimigos, em nome de alguma preservação e estabilidade interna.
Deve-se ressaltar que o governo Bolsonaro falhou bastante no discurso diplomático. Perseguia metas contraditórias, influenciadas pelo liberalismo econômico do Guedes. Queriam reconhecimento internacional como nação “madura” com a adesão a tratados da OCDE e acordo comercial com UE, ao mesmo tempo em que buscavam valorizar o resgate do orgulho e da soberania nacional. As mesmas forças econômicas com quem se queria abrir, negociar e barganhar economicamente eram as forças que queriam minar a soberania interna e interferir internamente em questões ambientais, de costumes e de saúde pública.
Houve uma ingenuidade aí, bem alertada pelo Olavo, de acreditar que os financistas globalistas tendem a ter somente interesses restritos à esfera econômica, apolíticos e neutros em valores culturais e morais, ignorando o fato de que possuem também um projeto de poder aristocrático feudal, de usar os recursos econômicos que acumulam para construir politicamente uma nova sociedade regulada.
Além disso, é curioso ver que a União Europeia e o Macron só passaram a criminalizar ambientalmente o Brasil sobre a Amazônia, a partir de 2019, porque o Paulo Guedes resolveu querer acordo comercial com os europeus. Foi o suficiente para criarem uma série de checklists e exigências, e colocar o Brasil nos holofotes internacionais das ONGs. Essa jogada foi muito bem sucedida, pois ajudou a preservar o setor agrícola europeu da concorrência externa. Abrir mercado para o Brasil é desmatar a Amazônia. Foi justamente a movimentação do Brasil em direção a mais livre comércio que causou a sua criminalização ambiental externa.
Mesmo estando o nível de desmatamento a índices mínimos em décadas, a histeria internacional midiática com o Brasil só cresceu, pois os europeus se sentiram ameaçados com a competitividade agrícola brasileira e colaram esse estigma ao país. O Brasil poderia ter desistido desse acordo com a UE, e buscado reduzir sua dependência econômica e exposição aos caprichos dos europeus.
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