A dança do Cosmos

Tibetan Thangka of Vajravarahi, a Buddhist Dakini

No breve ensaio, são apresentadas diferentes visões da cosmologia tanto a partir da visão indiana, tradição budista-tibetana bem como da mitologia grega relacionada à cosmogênese. O simbolismo apresentado explora o processo de nascimento e regeneração do cosmos bem como o surgimento dos elementos presentes na natureza.

Autora: Naida; Tradução: Eliseu Cidade

Oh Sol! Suba para que os átomos dancem! Aquele que faz dançar a terra e os céus Almas alegres, em êxtase, dançam Eu sussurro em seus ouvidos onde a dança os está levando Dentro da cela ou fora do espaço No deserto e no ar Adore-os porque eles também, como nós, estão confusos e maravilhados Seja no estado de intenso prazer ou no estado de profunda tristeza Cada átomo, pelo sol inefável, é mistificado e perplexo.

“O poema dos átomos”, Rumi

Quando uma das mais famosas deusas hindu, Kali, dança em cima de seu marido, Shiva, a tradição Tantrica interpreta como o momento no qual “shava”, que significa cadáver, se torna Shiva, a encarnação da consciência transcendente. Sem Kali, ele é um cadáver, consciência pura e latente sem manifestação, quando Kali fica em cima dele, ele se torna manifesto através dela – Shiva se manifesta por meio dela e não há nada nos mundos visíveis e invisíveis que não seja a dança deles.

No tantra budista, as dakinis, ou as dançarinas femininas do céu, são a encarnação da perfeita sabedoria e mais alta realização. No poema acima, Rumi fala da dança dos átomos, e Ibn Arabi descreve o cosmos inteiro como uma interação, relação sexual ou dança, entre pais e mães. A existência humana, de acordo com Ibn Arabi é o casamento do espírito com a matéria (corpo).

A dança, a interação, o ritmo, dinamismo, música, parecem estar no centro de muitas noções de fonte, raiz, criação e realização final do mundo. Hoje, nós não devemos analisar estes, mas sim, direi uma história de um mito primordial grego em que tudo começou com uma dança.

Foto da decoração em um vaso de figura vermelha no sótão representando Eurynome, Pothos (seu nome está escrito acima de sua cabeça), Hippodamia, Eros, Iaso e Asteria

No início não havia nada, mas o Caos, a escuridão primordial e o nada. Não havia nada, mas o caos emaranhado e frio, a única que poderia ser ouvida era Eurínome, filha dos Oceanos e sua respiração suave. Havia somente sua respiração e seu sonho. Então, ainda adormecida, em cada uma de suas mãos, ela agarrou as duas caudas do Caos. Despertada de seu sonho, ela começou sua performance.

Com uma das caudas em suas mãos, ela a lançou para cima e chamou de céu, com a segunda cauda, ela a lançou para baixo dela e chamou de mar. O criador do céu e do mar, poderia, então, começar a sua dança. Os movimentos dela se tornaram rápidos, e de seus gritos e chutes no mar, a água e o ar, finalmente se beijaram. Ela se manteve dançando, sentindo o ar e a água contra sua pele. Ao pular para o norte, ela criou o vento norte. Ela tomou o vento, trançou-o e fez carne e osso dele, chamando-o de Ofíon, a grande serpente do vento norte.

Sua dança solitária se tornou um dos pares – ela e Ofíon começaram a dançar juntos no mar. Ela mudou sua forma para uma pomba, e assim ela poderia voar sobre e descer até ele, e assim Ofíon viria por debaixo do mar para alcançá-la. Com suas asas, ela o abraçou e o manteve próximo. Ela o acolheu, e uma vez exausta, ela voou até o mar, flutuando sobre ele num sono tranquilo.

Mas seu sono tranquilo foi interrompido por seu corpo inchado – pois o fruto da ligação entre ela e Ofíon estava por vir. Através de dores e espasmos, de seu útero, veio o ovo do universo. Curioso ver que o ovo tenha chocado, mesmo com ela chutando e empurrando-o, ainda assim ele se manteve firme e fechado.

Não sabendo mais o que fazer, ela chamou pelo vento norte: “Enrole o ovo”, e disse a ele, “quebre-o”. A grande serpente do norte enrolou o ovo, mas o ovo ainda se manteve firme. Seis tentativas e todas igualmente sem resultado, finalmente, na sétima vez o ovo se quebrou em dois.

As duas metades ainda estavam flutuando no mar e a mãe do ovo estava observando cautelosamente o que estava para acontecer. Primeiro vieram as estrelas que se espalharam em volta do céu, e então a lua, e a ofuscante luz solar. Então surge os planetas, e entre eles, a Terra.

Eurínome, tomada da beleza das montanhas, vales, rios e mares, pisou na terra e procurou o belo Olimpo. Eurínome e seu esposo, Ofíon, aproveitaram a beleza e doçura do belo planeta. Mas Ofíon ficou entediado com a beleza e a alegria, e começou a dizer a todos que ele era o Criador. Eurínome, aquela que criou o mar, céus, o vento e o ovo não poderia tolerar seu discurso arrogante, e foi então que ela o baniu para uma cova.

Mais uma vez sozinha, ela olhou para a criação. Mas então, ela notou que algo estava faltando. Ela viu as criaturas da terra caminhar com suas famílias, o leão tinha a leoa, a ovelha tinha o seu carneiro, e somente os planetas permaneceram isolados. Eurínome também estava sozinha, pois Ofíon era parte dela, porém não estava com ela, e então ela finalizou a criação – criou o rei e a rainha para governarem cada planeta, e trabalhou com os pares em tudo – ele e ela, norte e sul, noite e dia. Olhando para a dança final do acordo e desacordo, brigas e o fazer as pazes, Eurínome estava satisfeita e descansou.

O som, o ritmo, a dança, a interação, o estrondo, a vibração, o ovo que estala, a serpente, estão frequentemente nos mitos de criação, quase de modo universal, através das culturas, e nós, como partes integrantes do mesmo cosmos, somos partes dessa melodia e dessa dança, ambos sendo abstrato e concreto ao mesmo tempo.

Artigo publicado originalmente por Naida no blog Orphic Inscendence

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