As Virtudes Burguesas: A Ética para uma Era de Comércio

The Carpet Merchant, Francesco Ballesio (1860-1923). Fonte: Artvee

Deirdre McCloskey é uma das mais importantes e originais historiadoras econômicas da atualidade. Sua obra Virtudes Burguesas: A Ética para uma Era de Comércio analisa e expõe o papel moral e ético da economia capitalista, enquanto potencializadora de virtudes humanas norteadas segundo o ideal de homem comercial burguês. Mais do que uma apologia da sociedade burguesa moderna, a obra representa um uma importante fonte de reflexões do estado presente de nossa sociedade, servindo de alerta para a manutenção dos princípios que movem o desenvolvimento e decadência de países e civilizações. A obra também se adequa ao contexto atual brasileiro, tão frequentemente ameaçada por correntes de ideias contrárias a princípios econômicos sensatos e desmandos burocráticos.

Tiago Barreira

Muitos autores caracterizam o capitalismo como um fenômeno histórico vinculado ao desejo de ganho desenfreado e à supremacia do poder econômico sobre os demais campos da sociedade. Caracterizam também como um sistema fundado na exploração dos mais ricos sobre os mais pobres, na qual os ganhadores vivem às custas dos perdedores.

Deirdre McCloskey, economista e professora da Universidade de Illinois, contrapõe a esse pensamento dominante ao expor as vantagens da economia de mercado e da concorrência. Em sua obra As Virtudes Burguesas: A Ética para uma Era de Comércio (The Bourgeois Virtues: Ethics for an Age of Commerce), expõe não apenas as vantagens materiais e de ganhos de eficiência trazidas pelo sistema capitalista, como também a sua importância moral, enquanto sistema ético, à sociedade como um todo, tornando indivíduos mais virtuosos.

McCloskey é uma das mais importantes e originais historiadoras econômicas da atualidade. Personalidade polêmica no meio acadêmico americano, nasce como Donald McCloskey, mudando de nome e gênero nos anos 90, sendo hoje uma das defensoras mais abertas da causa da transexualidade no espectro político libertário. Professora distinta em Economia, História, Língua Inglesa e comunicação, McCloskey se destaca pela diversidade de pensamentos, indo do tomismo escolástico ao pós-modernismo de Ludwig Wittgenstein (1889-1951). Professora de economia aplicada na Universidade entre 1968 e 1980, rompe com a abordagem teórica neoclássica e matematizante para adotar uma concepção plural e interdisciplinar da economia, muito próxima ao que os austríacos defendem.

Para McCloskey a economia é uma disciplina que abrange campos de pensamento indo da ética, história até filosofia. Publicou uma série de livros, sendo os principais A Retórica na Economia (Rethoric in Economics – 1985), sobre a importância da retórica na economia, As Virtudes Burguesas (2007), sobre as origens morais do capitalismo, O Culto à Significância Estatística (The Cult of Statistical Significance – 2009), criticando o uso excessivo da econometria, e A Dignidade Burguesa (Bourgeois Dignity – 2011) sobre as origens econômicas da Revolução Industrial.

Chicago and London: The University of Chicago Press, 2006. (616 páginas) ISBN: 0-226-55663-8

É em Virtudes Burguesas, lançado em 2007, que McCloskey expõe os fundamentos de seu pensamento ético e econômico, posteriormente aprofundado nas obras subsequentes. Nesta obra, McCloskey analisa os sistemas éticos consagrados por filósofos ao longo da história. Analisa aspectos da filosofia utilitarista em Bernard Mandeville (1670-1733), Jeremy Bentham (1748-1832) e John Stuart Mill (1806-1873). Segundo os utilitaristas, ações individuais são avaliadas em termos de maximização prudente e eficiente de prazer e minimização da dor, e independentes de qualquer outro critério moral. Para McCloskey, esse pensamento é a base da ideia do Homo Economicus, constante no pensamento econômico neoclássico, ao recorrer à maximização de lucros e minimização de custos como explicação única de fenômenos humanos. McCloskey nomeia esse método de economia de Só-Prudência (Prudence Only).

Em contraposição ao Homo Economicus e ao Só-Prudência, McCloskey recorre ao realismo ético em Aristóteles (384-322 a.C.), Tomás de Aquino (1225-1274) e Adam Smith (1723-1790). McCloskey considera que as ações humanas não são avaliadas somente pelo critério da prudência, na qual também estão incluídos os animais dotados de instinto de sobrevivência. Os autores mencionados consideram que a natureza humana está longe do egoísmo racional e hedonista. McCloskey lembra que Adam Smith, na Teoria dos Sentimentos Morais refutaria o amoralismo egoísta de Mandeville, ao afirmar que o ser humano visa a estima e aprovação moral de seus semelhantes e de sua consciência (o “espectador imparcial”). E segundo a ética tomista, além da prudência, outras seis são as virtudes cardeais que orientam as ações humanas: a coragem, justiça, temperança, fé, esperança e caridade. Ações humanas são avaliadas como não somente segundo os critérios frios e calculistas da primeira, mas também pelas demais.

Tanto em Aristóteles como em Tomás de Aquino, o que torna as ações verdadeiramente humanas e racionais é o seu significado moral, em conformidade com critérios de bem e mal, justo e injusto. Divergências na conduta e caráter humano são divergências nas maneiras de como pessoas valorizam as noções de Bem e exercitam as virtudes a ela associadas. Para algumas pessoas, o Bem ideal está na vida reclusa monástica e na dedicação diária a orações, enquanto para outras na vida guerreira e corajosa, enquanto outros, na atividade comercial e acumulação de riquezas materiais. A Prudência contribui para explicar a maximização dos meios para a consecução dos objetivos individuais (“é o melhor caminho para isso”), mas não explica os objetivos em si (“isso é bom”). Outros elementos, que não somente o cálculo prudente, atuam para explicar a preferência de indivíduos por certos modos de agir. Atribuir à maximização de utilidade um fim em si mesmo, como fazem os utilitaristas, torna-se uma argumentação circular e falaciosa.

Para o sistema ético aristotélico-tomista, toda ação humana visa a um Bem absoluto. Assim, McCloskey observa que divergências nas ações entre os homens são divergências nas percepções do Bem entre as pessoas, e de como elas valorizam as melhores virtudes para alcançá-la. Atividades como a comercial implicam a valorização de certas virtudes, como a honestidade, frugalidade, empreendedorismo e sociabilidade. Outras como as guerreiras tendem a valorizar a coragem, honra e lealdade. Tanto a atividade comercial como a militar possuem, nesse sentido, um significado ético próprio, e são formas diferentes de levar ao aperfeiçoamento moral do homem. O sistema capitalista, portanto, torna os homens melhores e mais virtuosos à medida que permite o desenvolvimento das atividades produtivas, meios pelos quais o homem pratica as virtudes comerciais e se desenvolve moralmente.

Do mesmo modo, a burguesia (termo usado por McCloskey para definir indivíduos dedicados à prática das virtudes comerciais), também depende de um sistema de valores que sustentam e garantem a sua existência. Atividades econômicas baseadas no logro e na trapaça tendem a e ser punidas e desaparecer em uma ética comercial burguesa. McCloskey mostra como o mercado, quando operado livremente, é sensível às más condutas, escolhendo os melhores produtos e bens de empresas com um bom histórico de reputação. A confiança entre consumidores e empresas, empregados e empregadores, é um dos elementos fundamentais que permitem a continuidade das trocas em uma economia de mercado.

Ao longo de Virtudes Burguesas, McCloskey vai refutando com grande erudição e referências, as teorias convencionais do desenvolvimento capitalista. Refuta com dados empíricos a tese marxista de salários de escravidão, mostrando o contínuo aumento do padrão de vida das camadas mais pobres da população mundial desde o século XIX. Expõe como a ganância e o desejo de acumulação desenfreada não é a base do desenvolvimento econômico, e nem a produção capitalista fonte de desumanização.

Como conclusão da obra, é na ética valorizadora do comércio que reside todo o progresso material conquistado pela humanidade desde a Revolução Industrial. Vivemos de fato na Era do Comércio, em que predomina o caráter burguês sobre os demais tipos sociais (aristocrático e clerical). No mundo atual, as atividades burguesas alcançaram um nível de dignidade e sacralidade pouco visto em outras épocas e civilizações. Agimos como burgueses na vida cotidiana e admiramos biografias de ascensão pessoal de indivíduos que seguem uma vida burguesa, cujas ações servem de exemplos morais e inspiram toda uma sociedade. Para McCloskey, o capitalismo e a sua capacidade de gerar riquezas depende da continuidade da dignificação moral dessa classe e da comunidade de trocas.

Em McCloskey, ideias importam mais do que qualquer outro aspecto na história das civilizações, e a manutenção de uma sociedade livre, próspera e virtuosa depende da conservação de ideias que a promovam. McCloskey menciona exemplos em que isso falhou, como o isolamento comercial do florescente e rico império chinês por sua elite burocrática, levando à consequente estagnação e decadência. McCloskey também lembra que as causas do crescimento econômico têm sido desde o início do século XX ameaçadas por uma elite burocrática e intelectual (a clerisy), hostil aos valores burgueses e liberais de inovação e concorrência. Governos totalitários e a expansão do poder estatal nos países democráticos, com regulações e intervenções arbitrárias sobre a propriedade, contribuem para minar o processo de criação inovadora e espontânea. Ideias são frágeis, questionadas e postas à prova a todo momento. Uma vez derrubadas, todo um tecido social nela baseado se desmorona.

Virtudes Burguesas, mais do que uma apologia do mundo liberal e da sociedade burguesa moderna, serve de um importante alerta para a manutenção dos princípios que movem o desenvolvimento e decadência de países e civilizações. A obra se adequa ao contexto atual brasileiro, sendo recomendada a sua leitura. Trata-se de uma importante fonte de reflexões do estado presente de nossa sociedade, sacudida periodicamente por crises econômicas e tão frequentemente ameaçada por correntes de ideias contrárias a princípios econômicos sensatos e desmandos burocráticos.

Texto publicado originalmente em 2015 pela Revista Mises, Vol. 3 No 1.Disponível em https://www.revistamises.org.br/misesjournal/article/view/753

 

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional do Ágora Perene.

Assine grátis o Newsletter da Revista Ágora Perene e receba notificações dos novos ensaios

Não fazemos spam! Leia nossa política de privacidade para mais informações.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *