Barão do Rio Branco e o americanismo na política externa da Primeira República 

Barão do Rio Branco” – Óleo sobre tela – pintura de JG Fajardo – Acervo do Congresso Nacional

O artigo a seguir tem como objetivo fazer uma breve análise da atuação de José Maria da Silva Paranhos – mais conhecido como o Barão do Rio Branco -, na condução da política externa bem como na atuação interna dos conflitos geopolíticos e integridade territorial desempenhados durante a sua gestão como Ministro das Relações Exteriores na Primeira República. O período foi marcado pelo alinhamento americano – deslocando o eixo da política externa para Washington -, a negociação de novos tratados e projetos de poder no Brasil por parte das grandes potências.

Eliseu Cidade

O presente ensaio aborda o papel político de José Maria da Silva Paranhos Júnior, mais conhecido como Barão do Rio Branco, que foi um proeminente historiador e diplomata, de extrema relevância para o país durante o final do século XIX. Ressalta-se como análise, a política externa adotada pelo Brasil nesse período histórico de início no período da Primeira República bem como o papel primoroso do país no cenário internacional. A atuação do Barão foi a de revitalizar a figura do país diante da América através de medidas políticas culturais, realização de obras públicas, além de ter sido responsável por reformar o Itamaraty. Do ponto de vista da política externa, encarregou-se de promover a defesa das fronteiras territoriais de forma diplomática com os outros países da América Latina e aproximou-se fortemente dos Estados Unidos no que tange à parceria comercial e política. Nesse sentido, o Ministério das Relações Exteriores, representado nas figuras de Barão do Rio Branco e Joaquim Nabuco, teve a transferência do eixo da política externa para os Estados Unidos.

Barão do Rio Branco é considerado até hoje um dos maiores diplomatas do país graças à maneira como conduziu a política externa de modo a demonstrar a imagem de um país grandioso e próspero. Além disso, ele estava atento às vicissitudes políticas e à geopolítica mundial daquele momento histórico, a fim de planejar intelectualmente suas ideias e conceber, em última instância,  o seu projeto nacional com a maior acuidade possível sempre trazendo seus planos para a realidade.

O americanismo, como ficou conhecido o período, é visto como uma orientação da política externa brasileira para com os Estados Unidos. No cenário internacional, tinha-se a vigência do pan-americanismo, em que os Estados Unidos professavam a famosa Doutrina Monroe. Essa projeção ousada do país norte-americano, era não só um vislumbre de sua imponência econômica e política nas Américas, mas uma busca de dimensões espirituais, amparada por sua ideologia de nação próspera e florescente à época apta para cumprir sua missão imperialista no continente. É justamente nesse panorama que Rio Branco vai se aproximar de Washington, mas sempre atento às investidas americanas no resto do continente, ainda que pudesse usufruir com admiração da nova relação bilateral que se consolidava.

O objetivo central do Brasil durante esse período era o estabelecimento de uma hegemonia regional. Nesse sentido, a chancelaria de Rio Branco assume o papel de protagonista no Sistema Internacional do Século XIX ao conciliar a política externa tanto com os Estados Unidos quanto com os demais países da América Latina. Nesse período, o equilíbrio de poder estava se deslocando da Europa para a América do Norte, e Rio Branco, como profundo conhecedor da geopolítica e história brasileira, seria o grande nome das Relações Internacionais do período no país. Ele contribuiu tanto a nível intelectual, por meio de suas produções teóricas, como a nível prático, com o know how no cenário político com os demais países. 

A aproximação política com os Estados Unidos pode ser entendida como uma resposta  às condições anteriores do Brasil de vulnerabilidade e extrema dependência dos países europeus, principalmente da Inglaterra. E, no aspecto econômico, a política de aproximação fez parte das medidas de valorização do café, consistindo assim na promoção dos interesses nacionais. O Brasil era uma economia agrária exportadora que necessitava ter sua imagem alicerçada na dinâmica comercial mundial, e para isso, a figura do Barão do Rio Branco foi de extrema importância nesse contexto. Portanto, desse ponto de vista, o alinhamento Brasil – EUA foi de caráter pragmático pelos analistas e historiadores, ainda que de modo assimétrico.

A atuação direta dos Estados Unidos na América Latina nesse período, se deve, em muito, à garantia de controle da região na área comercial, já que o equilíbrio de poder europeu estava sendo afetado pela perda do controle por parte da Inglaterra. Diante desse cenário, os Estados Unidos basearam suas relações com os países da América Latina, em especial o Brasil, puramente em objetivos econômicos e comerciais. E, esses objetivos ficaram claros a partir dos anos 1850 a 1870, período em que as relações de concorrência entre Estados Unidos e Inglaterra caíram substancialmente, e, em contrapartida, firmaram diversos tratados bilaterais com países latino-americanos. Essa postura americana fortaleceu a imagem do Brasil na América do Sul, dado que era o mercado mais dinâmico e próspero do período. 

Outra observação característica do Brasil no período de vigência dessas políticas é, sem dúvidas, a modernização conservadora, pois embora tenha contribuído para a balança comercial favorável do país, não houve um projeto maciço de industrialização. Os excedentes eram aplicados no pagamento de empréstimos, importações, exportações e transportes. Os produtos que o Brasil importava dos Estados Unidos correspondiam à parcela muito ínfima do percentual de exportação de produtos brasileiros aos EUA. Grande parte das importações brasileiras ainda vinham da Europa, mas poderiam também ser supridas pelos EUA, uma vez que era um dos países mais industrializados à época. Havia no Brasil reivindicações por parte de nacionalistas cujo intuito era a promoção da industrialização do país, tendo em vista a forte dependência dos países europeus e americanos na obtenção de produtos manufaturados. Assim, a política doméstica estava fragilizada, principalmente no que se refere ao poder imperial. O atraso tecnológico que ainda era uma realidade no Brasil era visto com maus olhos diante do país republicano nascente, pois era necessário promover política e economicamente a imagem do país, para que assim, assumisse papel de maior protagonismo na região. 

O americanismo, isto é, o alinhamento norte-americano como medida da política externa, era o discurso dominante entre os republicanos históricos, como por exemplo, era adotado pela figura de Salvador de Mendonça. O Império Brasileiro buscou o alinhamento de modo pragmático e utilitário, sobretudo na ampliação do mercado norte-americano em relação ao café brasileiro, captação de investimentos estrangeiros e em possíveis contribuições dos EUA no apoio às questões platinas bem como no tocante à ocupação da Região Amazônica. Do ponto de vista político estadunidense, segundo Amado Cervo, as intenções norte-americanas estavam pautadas no pan-americanismo, ou seja, no exercício do domínio sobre o continente americano a exemplo da postura europeia anterior de influência, poder e controle sobre suas respectivas áreas de expansão. Como parte integrante de sua postura econômica, optou pelo protecionismo para com as demais potências europeias e, com os países latino-americanos, ao caso do Brasil, manteve o liberalismo regional, a fim de angariar seus benefícios com todo o continente americano. 

Já, ao tratar da questão ideológica, o americanismo e latino-americanismo evidenciaram diferentes modelos de inserção internacional da nova república ainda em consolidação na América.  A proposta inicial era debater as preferências de política externa que fossem compatíveis com o modelo civilizacional a se desenvolver. Destarte, o papel da política externa estava de acordo com  o caráter identitário do Estado republicano em processo de formação. Embora o modelo de civilização primeiro do país fosse europeu, a admiração e pragmatismo político com relação aos Estados Unidos, simbolizava a possibilidade de inserção do Brasil no mundo, a partir da promoção da sua imagem política e econômica. 

Nesse período, a medida mais nítida de reorientação da política externa brasileira realizada pelo Barão do Rio Branco foi a criação da Embaixada em Washington no ano de 1905. Portanto, a criação aproximou ainda mais o relacionamento dos dois países que já eram sólidas desde o Brasil Colônia. Tem-se, por exemplo, o fato de os Estados Unidos serem o primeiro país a reconhecer o Império Brasileiro como império independente no continente. Desse modo, antes mesmo do reconhecimento português, os EUA já havia reconhecido a independência política assumida pelo Brasil. 

Soma-se a isso, a ideia permanente de se evitar que o Brasil se assemelhasse aos demais países sul-americanos. A associação entre Brasil e Estados Unidos estava ligada não só à questão econômica, mas ao projeto de poder brasileiro de garantir destaque regional através de hierarquia entre as nações e além disso, a estabilização do regime político brasileiro. Essa aproximação do ideal americano da Doutrina Monroe era visto como maneira legítima de ultrapassar, ao nível externo, em termos de domínio hierárquico, o nível brasileiro dos demais países da América do Sul, o que possibilitaria o mesmo de se destacar regionalmente.

Além da gestão da política internacional do período, o Barão também é conhecido por ser o grande responsável pela compra do território do Acre da Bolívia pelo Brasil no valor de dois milhões de libras esterlinas por meio do Tratado de Petrópolis firmado em 1903. A maioria dos estudiosos e historiadores do período aclamam em uníssono a compra do Acre como o feito glorioso do Barão, quando, na verdade, seu maior feito foi a desarticulação do Congo Belga que o Imperador Leopoldo II estabeleceu no Pantanal. No final do Império, Leopoldo II havia comprado na região de Cáceres, Mato Grosso, uma grande propriedade chamada Colônia dos Descalvados que contava com milhares cabeças de gado que eram exportadas para a Europa. Após a exportação de gado, houve grande ambição também no setor da borracha. Houve prosperidade a partir do alinhamento belga com os americanos na região em questão. Nesse cenário, o representante do Brasil em Washington à época, Joaquim Francisco Assis Brasil, afirmava aos americanos que a empreitada belga era na realidade uma violação da Doutrina Monroe uma vez que houve a tentativa por parte dos belgas de estabelecer uma colônia africana no Brasil. Os americanos ao tratar do assunto com o Barão indicavam a retirada de empresas americanas da região caso houvesse prejuízo. O Barão do Rio Branco sabidamente pediu empréstimos aos Rothschild para comprar ações da empresa americana que acabou se retirando posteriormente. E, ainda, no período houve invasões dos seringueiros que chegavam à região para roubar o gado da região de Cáceres – que contribuíram, sem dúvida, para o fracasso belga na região, sendo restabelecido assim, após a morte de Leopoldo II, a autonomia da região pelo Brasil.

Nesse sentido, o Brasil esteve no centro do debate na condução da política externa pelo Barão em relação às questões da soberania nacional e integridade territorial,  da ordem econômica, de garantia de novos mercados como também da questão geopolítica – na busca de maior protagonismo regional e projeção global ao alinhar-se com os norte–americanos –, no que ficou conhecido como “alinhamento pragmático” pelos historiadores e especialistas. No período da Primeira República, a gestão Rio Branco se destaca pela condução da história diplomática brasileira a partir da delimitação de limites e configuração territorial do Brasil como conhecemos hoje, como também no seu papel proeminente da defesa territorial contra a influência e domínio regional por potências estrangeiras e a mudança no eixo de alinhamento da política externa de Londres a Washington.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional do Ágora Perene.

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