
Ellaline Terriss as Joan of Arc, 1900’s.
O artigo a seguir trata de aspectos biográficos da vida da santa e guerreira Joana D’Arc responsável por liderar tropas francesas durante a Guerra dos Cem Anos. Além de questões familiares e pessoais, são consideradas no debate aspectos filosóficos acerca do cultivo das virtudes tanto dos santos quanto dos guerreiros. Joanna D’Arc é símbolo das virtudes teologais e cardeais como parte integrante de sua conduta.
Tradução: Eliseu Cidade
“Joana foi um ser tão elevado da humanidade comum que ela não encontra ninguém igual em mil anos. Ela incorporou a bondade natural e o valor da raça humana com uma perfeição sem exemplos. A coragem invencível, compaixão infinita, a virtude dos simples, a sabedoria dos justos brilhavam nela. Ela glorifica ao libertar o solo de onde nasceu.”. — Sir Winston Churchill, “O nascimento da Grã Bretanha”.
Muitas pessoas, ou através de aulas de história, ou lendo livros, ou assistindo filmes, ou navegando na internet, ouviram o nome de Joana D’Arc. Ela é uma das mais populares e proeminentes figuras do catolicismo. Sua história de vida se tornou parte de esculturas, literatura e pinturas. De fato, há muitos outros santos que poderíamos admirar pela sua virtude, mas não podemos deixar de nos perguntar, por que Joana, muito antes das narrativas e perspectivas feministas, ganhou tanto significado, admiração e veneração tanto de católicos e de não–católicos. Neste artigo, exploro fenômenos, arquétipos, simbolismo, significado e inspiração por trás de Santa Joana D’Arc.
Momentos biográficos
Ela veio de uma família de camponeses que possuía cerca de 50 acres de terra. Seu pai, Jacques D’Arc, era um fazendeiro. Ele também arrecadava impostos e organizava a defesa da aldeia em que vivia. Há uma narrativa familiar de que seu pai adoeceu e morreu de tristeza após a morte dela. Se isso é verdade ou não – não se sabe, porém, é uma possibilidade, já que Joana morreu em 1431, enquanto que a morte de seu pai ocorreu por volta de 1440. Talvez sua dor tenha sido forte o bastante levando quase uma década para dar o golpe final. Sua mãe, Isabelle Romée, era dona de casa e deu aos filhos uma educação católica. Após a morte do marido, ela se mudou para Orleans e lá recebeu uma pensão. A mãe de Joana é mais conhecida por sua petição ao Papa para reabrir o caso de Joana e pelas acusações de heresia atribuídas ao seu nome. Ela também discursou na sessão de abertura do julgamento em Notre Dame, em Paris. Joana foi declarada inocente em 7 de julho de 1456. Sua mãe morreu pouco depois. Além de Joan, a família teve outros quatro filhos: Jacquemin, Jean, Pierre e Catherine. Seu irmão Pierre serviu no exército com sua irmã. Após as atividades heróicas de Joana, Carlos VII lhes concedeu um status de nobreza.
Dama de Orleans

Joan of Arc, Albert Lynch (1851 – 1912)
Antes de ir para Orleans, Joana disse ter ouvido vozes, que ela disse serem de São Miguel, Santa Catarina de Alexandria e Santa Margarida. “A Voz me disse, duas ou três vezes por semana, que eu, Joana, deveria ir embora e que deveria ir para a França. Meu pai não sabia de nada sobre minha ida. A voz insistia para que eu fosse para a França; dizia que eu não poderia mais permanecer onde estava. A voz dizia que eu deveria levantar o cerco à cidade de Orleans. A voz me instruiu que eu deveria ir até Robert de Baudricourt na fortaleza de Vaucauleurs, o capitão daquele lugar, que ele me daria homens para irem comigo.” Ela acreditava que as vozes eram seus guias e que, uma vez que elas eram vozes de santos, eles não podiam guiá-la para nada “profano”. Ela testemunhou que tinha 13 anos quando ouviu as vozes pela primeira vez. Ela tinha apenas 16 anos quando pediu a seu parente, Durand Lassois, que a levasse para a cidade que era perto da sua e permitir que ela solicitasse ao comandante da guarnição, Robert de Baudricourt, que fosse levada ao tribunal em Chinon. Baudricourt achou seu pedido ridículo, mas não desanimou. Ela voltou, com o apoio dos soldados de Robert. Ela fez uma previsão sobre a Batalha de Rouvray dias antes da chegada de mensageiros para denunciá-la. Isso foi visto como uma evidência de sua graça e inspiração divina. Por razões de segurança, ela foi escoltada até Chinon vestindo um uniforme de homem, que mais tarde faria parte das acusações contra ela. Em 1429, ela conheceu e impressionou o rei Carlos ainda sem ser coroado. Em 1429, ela conheceu e impressionou o rei Carlos, ainda sem ser coroado. Ele a enviou como parte do exército de socorro, no entanto, o cerco foi levantado em pouco mais de uma semana, levando ao aumento da moral dos franceses e à coroação de Carlos VII. Em maio de 1430, ela foi capturada pela facção da Borgonha (a aliança política local contra a Coroa), entregue aos ingleses e levada a julgamento por um bispo pró-inglês, Pierre Cauchon. Ela foi queimada na fogueira em 30 de maio de 1431. Em 1456 foi declarada inocente e mártir pelo Papa Calisto III. Em 1803, Napoleão Bonaparte declarou-a como símbolo da França, em 1909 foi beatificada e finalmente em 1920, canonizada.
Símbolo de fé, juventude e inocência

“The Entrance Of Joan Of Arc Into Orleans”, Jean Jacques Scherrer (1855 – 1916)
Por que o Churchill disse essa citação com a qual este artigo começa? Talvez porque fosse algo misterioso, “legal” ou “nervoso” de se dizer? Qualquer que seja a sua intenção, e qualquer que seja a opinião pessoal sobre ele como personagem histórico, não pude deixar de reconhecer alguma sabedoria ou capacidade de análise, pelo menos por um momento, além da forma e além do óbvio. Por que ela é tão grande que “não se encontra igual em mil anos?” Em Joana havia uma coragem inspirada apenas em sonhos e na inocência juvenil. Ela foi a personificação do zelo, da inspiração e da fé que derrota o pensamento racional, a objetividade, o utilitarismo, e nós, rodeados por esses pensamentos, seja em nossos ambientes ou em nossas próprias mentes, vemos algo incrivelmente inspirador nessa “theia mania”. Embora o que Joana fez possa não ser tão ultrajante quanto o comportamento de alguns “tolos divinos”, há um elemento disso que se estende pela narrativa quase lendária de sua vida, também retratada no cinema e na arte. Suas “vozes”, sua convicção, sua capacidade de conseguir seu lugar no exército apesar de tudo e de todos estarem contra ela, duvidando dela, dá a sensação, de que talvez, os sonhos e a fé possam ser tão poderosos a fim de atravessar e mover contra todos os obstáculos. Os realistas e os pragmáticos podem argumentar e dizer que Joana teve apenas sorte. Podemos até dizer que seguir cegamente os próprios sonhos e inspiração pode não ser a escolha mais sábia do ponto de vista pragmatista e, em muitos casos, aqueles que dizem isso estão inegavelmente certos, mas há algo que move muitos humanos quando eles veem os sonhos e a fé fazer o mundo se submeter ao seu poder. Ela pagou o preço mais alto possível por fazer o que fez, mas acho que isso apenas adicionou poder à sua história e a ela como personagem. A morte dramática, injusta e dolorosa aumenta o elemento épico e heróico de sua história – mesmo na fantasia e nos contos de fadas, os heróis geralmente morrem em batalhas, violentamente, nas mãos de um tirano, mas eventualmente, a morte os torna ainda maiores, enquanto os tiranos permanecem lembrados como tais. No final, eles “derrotaram” os seus perseguidores. Além de ser uma representação arquetípica da fé heróica e da convicção, ela também representa, como mencionei acima, as características únicas da juventude e da inocência. Está em grande parte relacionado ao que falei no parágrafo anterior, pois a fé nos sonhos, a imaginação está intimamente relacionada à inocência, à infância e à juventude. Uma vez ouvi ou li, não tenho a certeza, alguém dizer: “As crianças não se preocupam com a misericórdia, apenas se preocupam com a justiça”. Adultos têm a ideia de misericórdia, porque os adultos tomam consciência de quão imperfeitos são todos, inclusive eles próprios, e que a misericórdia, o perdão, às vezes é a única maneira de evitar a vingança, a brutalidade e o ciclo interminável de violência. As crianças, na sua inocência e pureza, não têm consciência disso até certa idade, por isso a justiça é o líder do seu ethos. É a crença na justiça, muitas vezes sem sinal de virtude, que vemos frequentemente nos meios de comunicação hoje em dia. As crianças, quando falam de justiça, não se preocupam em parecer moralmente superiores, fazem-no porque estão profundamente convencidas de que é a coisa certa a fazer e parece absurdo fazer qualquer outra coisa. Na sua crença no impossível, na maravilha, como mencionado acima, ela também incorporou algo do espírito inocente e jovem que tantas vezes perdemos e admiramos nostalgicamente nos outros.
Santa Guerreira

“Joan of Arc before Virgin”, Zoé-Laurel de Chatillon (1826 – 1908)
“De acordo com Tomás de Aquino, a vida contemplativa tem preeminência sobre a vida ativa – mas a vida mista, a síntese da contemplação e da ação, é a mais elevada. Assim o santo guerreiro é, em teoria, o maior de todos – não porque sua função de guerreiro seja maior que a do monge, mas porque nele o monge triunfou sobre o guerreiro, e atingiu um grau de perfeição que mesmo os rigores da batalha não podem mais distraí-lo”. – Charles Upton & Jennifer Upton “Shadow of the Rose: The Esoterism of the Romantic Tradition”
A citação acima faz parte de um capítulo mais longo sobre o arquétipo de “Rei Guerreiro”, “Santo Guerreiro”, “Monge Guerreiro” ou “Sacerdote Guerreiro”. O arquétipo mencionado, como o nome diz, é aquele que incorpora características de ambos. Na coragem e no rigor, o santo é como o guerreiro, mas na virtude, na paciência e na compaixão o guerreiro é como o santo. A citação, entretanto, diz que “o monge triunfou sobre o guerreiro”. A razão para isso é que, sem virtude, compaixão e autoconsciência, o guerreiro tem potencial para cair facilmente no reino da brutalidade – para se tornar um tirano, um matador irracional, aquele que prejudica os civis inocentes (em oposição àquele que os protege). “A virtude do simples, a sabedoria do justo”, como diz a citação inicial, está incorporada no monge ou santo que governa acima do guerreiro. Nesse contexto, Joana encarna esse arquétipo – ela é corajosa, destemida, motivada como uma guerreira, mas também é submissa a Deus, fiel e divinamente inspirada como uma Santa. Era ela quem defendia o seu país e não andava pelas aldeias, massacrando e roubando. Quer alguém seja religioso ou não, acredite na inspiração divina ou não, o arquétipo apela à psique de muitos de nós.
A imaginação profética
“Portanto o poder da profecia não implica uma mente particularmente perfeita, mas implica uma vívida imaginação”. – Baruch Spinoza – Tratado Teológico Político.
Para o livro do qual foi tirada a citação acima mencionada, Spinoza recebeu duras críticas. Contudo, não pretendo discutir ou explorar possíveis falhas no seu pensamento, mas sim examinar como isso se aplica a Santa Joana D’Arc. Spinoza queria dizer que a inspiração profética não vem do elevado intelecto ou da leitura acadêmica de alguém, mas do poder de sua imaginação. Na alquimia, a imaginação é considerada o fogo mais elevado. A imaginação, ao mesmo tempo, no pensamento alquímico, não é vista como algo meramente pessoal, mas de origem transpessoal. Isto significa que não se nega a possibilidade de visões ou diz-se que as pessoas e símbolos dessas visões são produtos de mera imaginação ou esquizofrenia, mas que a capacidade de ter essas visões não depende do intelecto ou do pensamento acadêmico, mas do poder imaginativo e intuitivo de suas mentes. Embora Joana D’Arc não tenha sido uma profetisa, e embora a psiquiatria e a psicologia modernas possam descrever suas visões como esquizofrênicas, dentro do contexto platônico e metafísico, ela incorpora a ideia de Spinoza de “imaginação profética”.
Artigo originalmente publicado no site: https://www.orphicinscendence.com