
O ensaio a seguir discute de maneira sucinta os debates acerca da natureza e filosofia da linguagem, a partir das representações dos símbolos e signos. Quais são as funções do símbolos e dos signos dentro da história cultural humana? Qual a importância eles desempenham como construções de civilizações e quais os perigos de se dessacralizar e desconstruir símbolos que outrora foram de relevância para os homens?
Tradução: Eliseu Cidade
“Sem a linguagem, o pensamento é vago, uma nebulosa desconhecida”― “Curso de Linguística Geral“, Ferdinand de Saussure
Signos, símbolos e palavras – desde os tempos primitivos, os linguistas se interessam com os temas mencionados. O estudo do símbolo foi tomado pelos sociólogos da escola internacional e por antropólogos estruturais da linha de Lévi Strauss. Os interacionistas concentraram-se nas interações individuais e em como os seres humanos se comunicam através dos símbolos bem como o que significa compartilhar uma linguagem simbólica comum. Todas essas diferentes disciplinas estudaram o símbolo pois a comunicação simbólica foi vista como algo unicamente humano e como a mesma que possibilitou ao homem construir cidades, civilizações, sistemas complexos de literatura, música e arte.
A comunicação simbólica

Pode-se dizer que os humanos, à medida que nascem e crescem, herdam dois códigos – um é o código genético que obtêm como parte da sua herança biológica e o outro é o código cultural que aprendem com a sua cultura. Ambos são, naturalmente, resultado de milênios de transmissão. O código cultural é a linguagem, os costumes, os padrões de pensamento que um indivíduo herda – por causa deles, um indivíduo pode interpretar uma pomba branca como um símbolo de paz, uma combinação de sons como algo que carrega um significado específico. Todos também já ouviram as histórias das crianças selvagens – as crianças que crescem, longe da sociedade humana, numa selva completa e, portanto, nunca herdam o código cultural. Essas crianças são geralmente incapazes de atuar numa sociedade humana complexa porque nunca aprenderam os símbolos que a sociedade utiliza para se comunicar. Tal pessoa, como um animal, só pode se comunicar por meio de sinais. Sinais e símbolos são semelhantes, mas diferentes – o sinal é uma ocorrência natural – um animal pode dar um sinal que sinaliza perigo ou fome, o símbolo, no entanto, é uma criação completamente humana e diferentes culturas podem usar, e quase sempre usam, símbolos diferentes. O símbolo é simplesmente definido como qualquer coisa que representa outra. Em algum momento, nossos ancestrais concordaram que uma combinação específica de sons ou símbolos individuais que representam esses sons como fonemas significaria “uma casa”, em outro idioma, eles concordaram que deveria ser chamada de “la casa”, em terceiro lugar, outra coisa . A questão é que geralmente não existe uma conexão natural entre o grupo de sons que decidimos e a ocorrência em si. Não há razão para que este ou aquele som represente melhor a casa, é inteiramente uma criação humana. Desde o momento em que acordamos até ao momento em que vamos dormir, estamos rodeados de símbolos – os símbolos que usamos para medir o tempo, os que comunicamos, os que sinalizam “pare” ou “vá” quando estamos no trânsito, usamos dinheiro, que também é um símbolo, algo que os humanos criaram como símbolo de valor econômico. Se vamos a uma igreja, mesquita, templo, santuário, mais uma vez usamos símbolos religiosos. Se estudarmos, usamos símbolos verbais ou numéricos. Muitas vezes fazemos tudo isso sem perceber o quão complexo e complicado é o nosso mundo de símbolos. Nossos cérebros os interpretam sem perceber porque fazem parte do nosso código cultural, da herança cultural, da mesma forma que não percebemos as respostas naturais e geneticamente predispostas do nosso corpo.
A natureza da comunicação simbólica

A habilidade de criar símbolos e de se comunicar através deles fornece ao uso da linguagem humana algumas qualidades distintas. Uma das mais importantes é a comunicação simbólica caracterizada por evocar o que está ausente. Quando os homens falam sobre algo, o objeto a ser dito não precisa necessariamente estar posicionado perante suas vistas para que se fale dele – compartilhando o símbolo comum, pode-se evocar o objeto sem sua presença física. A linguagem portanto transcende tempo e espaço – não é necessário voltar na história para falar sobre ela do mesmo modo que não se dirige ao futuro para que se fale dele. Essa habilidade da linguagem humana baseada no símbolo provavelmente é o que nos permitiu possuir nossas visões e imaginações. Somos capazes de criar categorias que não podemos encontrar evidência na realidade empírica – dragões, gorilas e entre outros. Registrar simbolicamente eventos, objetos, lugares e eras dispensa que estejam presentes para serem ditos. O fenômeno acima é facilitado pelo fato do símbolo permitir categorização – através do símbolo podemos fazer da palavra casa uma categoria em que colocamos todas as demais, não se inventa um novo símbolo para cada casa individual. Tal fato permite que nós reconheçamos a forma universal das coisas. Na forma dos ideais de Platão – nós, por causa dessa qualidade de comunicação simbólica, podemos reconhecer a essência da “casa” ou da “equivalência” e sermos capazes de relacioná-los com aqueles que são semelhantes a eles. Não é preciso ser zoólogo para notar uma semelhança entre um tigre e um leão, talvez muitos de nós pudéssemos ouvir, pessoas mais velhas, sem educação formal, dizerem ao vê-los em documentários sobre animais: “Eles são tão parecidos com nossos gatos domésticos”. Temos uma categoria simbólica de gato. Isso nos permite interagir com o mundo facilmente. Talvez a qualidade mais importante da comunicação simbólica seja a sua capacidade criativa. A criação de qualquer coisa começa na mente, que conceituamos através de símbolos e uma vez que um ser humano decida agir, ou seja, aplicar esforço físico, ele se torna um criador da cultura material. O símbolo está no cerne da criação da cultura. O ser humano se torna o fabricante de ferramentas e suas ferramentas lhe permitem construir o mundo de uma forma que nenhum outro construiu. Quando o ser humano escreve um poema, uma peça, pinta um quadro, ele também cria cultura. Nas artes, nossos símbolos tornam-se ainda mais complexos – usamos alegorias, abstrações e figuras de linguagem – quando um poeta diz: “a vasta tela azul acima de nós”, é fácil para qualquer um saber de que é do céu que o poeta fala. Metáforas, alegorias e figuras de linguagem são aspectos ainda mais profundos da comunicação simbólica, linguística, que merecem reflexão própria, por isso não os abordaremos aqui.
Interacionismo, desconstrução e a mônada isolada

Os sociólogos da escola teórica chamada interacionismo simbólico estudaram os símbolos que os humanos usam em suas interações diárias. Eles estudaram a forma como os indivíduos se comunicam por meio de símbolos e o que permite esse tipo de comunicação. Existem muitas perspectivas e ideias diferentes dentro da própria escola, mas a partir da sua leitura, pode-se facilmente concluir que, para que os indivíduos se comuniquem eficazmente, ambos devem partilhar o que foi mencionado acima – o código simbólico. Podemos entender o código simbólico como um script que obtemos para entender o que os seres humanos ao nosso redor comunicam – ao usar esse script, sabemos claramente o que é gentileza e o que é um flerte, sabemos claramente o que cada gesto significa para todos ao nosso redor compartilha os mesmos símbolos. À medida que o tempo avançava, com o aparecimento de teorias desconstrutivistas e pós-modernas, o código simbólico partilhado passou a ser denominado “construção social” e, portanto, algo que oprime o indivíduo. Na verdade, é uma construção social, como tantas coisas o são, e é útil e pragmática, sem a qual mal podemos funcionar como indivíduos que partilham espaços com outras pessoas. O pluralismo extremo que as teorias pós-modernas muitas vezes defendem e o interpretacionismo extremo resultaram no oceano de mônadas isoladas – cada um fala a sua própria língua, qualquer coisa pode significar qualquer coisa só porque você quer, a linguagem é uma construção em si e, portanto, inerentemente sem sentido, você pode fazer o que quiser. Talvez, como indivíduo, você possa, mas no momento em que os símbolos deixam de ter um significado coletivo, a comunicação de humano para humano torna-se impossível. É então fácil interpretar um ato de gentileza como flerte porque “gentileza” e “flerte” têm significados totalmente diferentes para indivíduos diferentes. Os humanos desenvolveram símbolos e linguagens para se comunicarem, não para se isolarem uns aos outros. O mundo que busca desconstruir o símbolo é o mundo que busca desconstruir a capacidade de comunicação e de experiência compartilhada com outros seres humanos. A conclusão lógica da desconstrução completa do simbolismo coletivo é o niilismo e o desespero – num mundo assim um indivíduo pode gritar, mas ninguém o compreende porque ninguém partilha os seus símbolos, tal indivíduo pode enviar uma pomba branca como símbolo de paz, mas ninguém entenderia isso como tal, pode até ser entendido isso como algo malicioso. Os símbolos partilhados estão no cerne da nossa humanidade partilhada e se quisermos manter a nossa capacidade de falar uns com os outros, devemos resistir à desconstrução dos símbolos.
Artigo publicado originalmente no site: https://www.orphicinscendence.com/blog