
O artigo a seguir é uma tentativa de formular as bases da formação do Estado Judeu moderno tanto a partir de sua origem como movimento europeu do sionismo – dando-lhe as bases jurídicas e territoriais ao lado do apoio de grandes potências, e da mesma forma, o evento da Aliyah – que culmina na volta do povo de Israel – que mantiveram sua cultura religiosa abraâmica e todo legado espiritual vivo ao longo de milênios -, espalhados pela terra desde a diáspora em 70 d.C.
Eliseu Cidade
Ao investigar o conflito árabe-israelense, é mister primeiramente recorrer ao movimento sionista que exerceu forte influência na formação e demarcação do território israelense. O movimento sionista se iniciou ao final do século XIX pela liderança do jornalista Theodor Herzl como resposta aos massacres antissemitas sofridos pelos judeus no leste europeu durante o período. O ideal era inspirado na autodeterminação dos povos, mais precisamente no ano de 1881, na forma de panfleto intitulado Autoemancipação por parte de Yehuda Pinsker, cujo objetivo era a criação da nação judaica como um manifesto favorável à consolidação territorial a partir de questões de ordem identitária.
A mentalidade emancipatória pautada na educação secularista e na valorização da língua pátria (hebraico) é ressaltada sobretudo após o iluminismo judaico — a haskalá — o que promoveu maior busca pela modernização, industrialização e emancipação econômica dos judeus orientais através do nacionalismo insurgente no período. Com um povo historicamente disperso pela diáspora, o estabelecimento da coesão territorial era relevante
tanto para a identidade nacional quanto para uma economia independente que não fosse
subordinada aos interesses dos países estrangeiros em que se estabeleciam. Nesse ínterim, a distinção entre a religião e o nacionalismo fica evidente. A população judaica residente no leste europeu mantinha suas tradições religiosas e a língua hebraica apenas durante a liturgia restrita à sinagoga e à vida privada. Nesse contexto, o nacionalismo judaico sionista emerge como reivindicação à independência e à autogestão política, assim como o cultivo do idioma, o hebraico moderno — e não mais o hebraico bíblico — que fora influenciado pela valorização das línguas vernáculas e pelo nacionalismo advindo do Romantismo, movimento literário dominante nesse período na Europa.
Os movimentos sionistas por parte dos judeus ganharam força entre os revolucionários na Rússia de Leon Trotsky que, às vésperas da Revolução no país, formaram movimentos de
trabalhadores judeus. Em 1897, formou-se o Bund — partido judaico-marxista dereivindicações operárias — e, posteriormente, as reclamações judaicas em países estrangeiros passou a ser um protesto, em primeiro lugar, pela autodeterminação de seu povo através da demarcação do Estado judeu e depois da garantia à reforma da sociedade judaica. Essas organizações sionistas-socialistas propagaram-se pelos Estados Unidos na chamada Am Olam (Povo Eterno) e Associação Bilu (Casa de Jacó, levante-se e vamos), cujo intento era a criação de um assentamento na região da Palestina. Theodor Herzl, jornalista húngaro e principal figura a liderar o movimento sionista na Europa, afirmava que a existência da nacionalidade judaica já teria um destino determinado na história, sendo sua emancipação uma questão temporal e, além disso, sua ênfase estava na coletividade da raça judaica ao afirmar: “somos um só povo”. O sionismo é considerado um movimento nacional europeu, claramente com viés mais tardio, porém de igual forma baseado na legitimidade do povo baseado na existência de genealogia cujas raízes remontam à antiguidade contendo língua, história e cultura próprias e, por esse motivo, com direito à soberania e ao território.
O grupo Hovevei Zion (Amantes de Sião) passa a considerar a terra de Israel não como um lugar de narrativas bíblicas, não obstante uma terra que deveria ser colonizada. Problemáticas como a falha no processo de solucionar o problema judeu, o crescente antissemitismo vigente na Europa — em destaque para a Europa central, culminando no nazismo de Hitler — e o surgimento da ideia sionista são fatores responsáveis pela criação do Estado de Israel no Oriente Médio. Herzl enfatizava o perigo do antissemitismo principalmente em decorrência dos processos de repartição do poder como as políticas de massa e democratização pari passu à prosperidade econômica e intelectual dos judeus o que gerava desconforto e ressentimento por parte das massas europeias. Convencido de que o antissemitismo, como uma ideologia de massa fortemente arraigada, não seria possível de ser combatido no campo das ideias, Herzl afirmava que a criação do Estado judeu era um problema de ordem global e, por isso, seria necessário o auxílio das grandes potências para sua devida concretização. Em sua obra magna Der Judenstaat, ele defende a criação do Estado judeu para que os judeus dispersos internacionalmente, desde a diáspora romana em 70 d.C, pudessem fazer a imigração ao território de Israel, conhecida como Aliyah (do hebraico: ascensão).
A transferência de milhões de judeus da Europa para a Palestina delineada por Herzl envolvia uma carta de concessão internacional a ser negociada com as grandes potências, a
partir da criação de uma delegação de judeus. Por vias diplomáticas, para ele, o deslocamento de judeus para Israel seria feito a partir do deslocamento dos mais pobres e em condições vulneráveis; não dos mais ricos e letrados. Vladimir Dubnow, pioneiro na leva de migrantes para a Palestina, estabelece em 1882 o primeiro assentamento judaico com aspirações nacionalistas na tentativa de incrementar sólida base política na região. Esses novos migrantes definidos como “o Novo Yishuv” (comunidade judaica/povoado) faziam parte da Primeira Aliá (1881-1904) como também da Segunda Aliá (1904-1914). O controle da Palestina era uma iniciativa auspiciosa no momento dado à busca por protagonismo político e segurança em relação aos pogroms (movimentos de violência contra os judeus e seus negócios) e discriminação por autoridades russas. Nas palavras da historiadora Anita Shapira: “O objetivo final é, no devido tempo, tomar o controle da Palestina e devolver aos judeus a independência política da qual estiveram privados durante dois mil anos”.
O conflito entre palestinos e israelenses se deve ao movimento sionista de colonização da região da Palestina por parte dos judeus que, junto ao apoio britânico, foi capaz de se instalar na região, garantindo a futura emancipação judaica. Nesse ínterim, surge a Declaração de Balfour de 1917 — resultado de contratos entre a política britânica e a Organização Sionista Mundial — que asseguraria a formação de um lugar nacional judeu na Palestina ao mesmo tempo em que manteria o direito civil e religioso da população não-judaica da região.
O movimento sionista insurgente necessitava sobretudo do apoio das grandes potências para ser possível a construção do Estado israelita, dada a condição incipiente de formar um Estado nacional em território em disputa pari passu à inexistência de forças armadas organizadas. Nesse sentido, os judeus buscavam apoio de nações que controlavam o Oriente Médio no período, como era o caso da Inglaterra que derrotou o Império Otomano e a Alemanha na Primeira Guerra. Por essa razão, o território correspondente à Palestina ficou sob domínio britânico por décadas. Os anos que se seguiram à Primeira Guerra Mundial foram de aumento exponencial da população judaica na região e, em relação à possibilidade de conflitos na região, a postura inglesa perante seu protetorado no Oriente Médio era a de dividir o território para prosseguir com sua soberania na região. Sabe-se que o contexto de criação de Israel, aprovado em 1947 pela Organização das Nações Unidas (ONU), historicamente coincide com o contexto de declínio do imperialismo inglês e simultaneamente envolve o interesse soviético na região e o
empreendimento americano de enfraquecer os russos.
Após o rompimento com a União Soviética, Israel se aproxima de potências ocidentais como Inglaterra e França, com destaque para esta, que se torna seu maior fornecedor de armas durante os anos 1950, em especial, por estar em conflito com suas colônias de povos árabes como o caso da Argélia. Os Estados Unidos também passam a ter função essencial na
obtenção de defesa do Estado de Israel, justamente por sua concentração populacional judaica, o que evidentemente sempre foi relevante no apoio à política externa de Israel. Nesse sentido, o Estado de Israel passa a ocupar relevante espaço na pauta internacional dessas potências europeias tanto por questões econômicas, interesses geopolíticos regionais, bem como a influência étnica da população composta por judeus.
Em termos de identidade do povo, o Estado de Israel passa a ser visto como um território de divisões entre seus próprios integrantes, uma vez que se fundem grupos tanto seculares quanto religiosos e, por outro lado, o entrave de alcançar a paz com os povos palestinos. Essa ausência de unidade entre crenças, sejam elas ortodoxas, messiânicas, nacionalistas ou baseadas no poder militar, estabelecem limites nos próprios valores e ideais da própria formação e trajetória do povo judeu ao longo da história na diáspora. Portanto, esse dilema explicita a questão da coesão nacional a partir dos ideais de Estado e nação, isto é, seu território não pode ser unido apenas por poder político, jurídico e militar, mas também a partir de sua religião, crença e tradições milenares que são propriamente o sustentáculo histórico do que é a identidade judaica. E por isso, o mais relevante capaz de unir o povo é, sem dúvidas, a celebração e observância das festas judaicas que se dão ao longo das estações do ano desde os tempos bíblicos, haja vista que a civilização judaica é baseada no calendário lunar.
Em termos de disputas por fronteiras entre Palestina e Israel, no Oriente Médio, o papel de potências ocidentais reivindicando controle territorial da região foi de grande relevância no período. Os Estados Unidos, por exemplo, fornecem intensa assistência bélica e econômica desde 1976. No caso britânico, a criação do Estado de Israel serviria aos interesses ingleses como um Estado tampão na região da Palestina, entre egípcios e turcos, já que garantiria a continuidade do domínio da Grã-Bretanha na região, além de fortalecer o domínio sobre o Canal de Suez que era indispensável à integração comercial do Mediterrâneo e do Oceano Índico.
O dualismo de conciliar interesses entre palestinos e judeus, em última instância, favoreceu a imigração judaica bem como o estabelecimento do Estado judeu na Palestina. A ideia da coexistência pacífica entre árabes e judeus na região da Palestina prevista na Declaração de
Balfour passou a ser uma possibilidade remota diante do fim do mandato britânico e da retirada de suas tropas locais. Esse episódio favoreceu o choque entre árabes e judeus da região, sendo a guerra vencida pelos judeus, conhecida como a Guerra de Independência, o que levou palestinos ao êxodo, período chamado pelos árabes de Al Nakba ou a catástrofe. Não sendo capaz de dirimir o conflito da Palestina, a Grã-Bretanha encaminhou a questão para a ONU decidir em 1947, por meio da comissão United Special Committee on Palestine (UNSCOP). A decisão proferida pela ONU era a de que fosse criado um Estado judeu correspondendo a 56% do território palestino, incluindo Tel Aviv, Galileia, Neguev; o território árabe incluiria a Cisjordânia e a Faixa de Gaza; enquanto Jerusalém seria considerada zona internacional. Nesse ínterim, a saída da Inglaterra do Oriente Médio provocou um vácuo de poder na região, o que fez os Estados Unidos se aproximarem rapidamente do Estado de Israel, uma vez que havia o temor de aproximação com os soviéticos. A partir do governo Truman, os Estados Unidos passam a apoiar os projetos sionistas e a auxiliar econômica e militarmente o Estado de Israel. Dentre os interesses norte-americanos na região estavam principalmente a questão comercial local, o estabelecimento de suas companhias de petróleo no Kuwait e Iraque, controle das rotas do Canal de Suez e Turquia, e a presença industrial na Arábia Saudita. E por fim, seguiu-se o período da Doutrina Truman que foi marcado por esforços contra a expansão do comunismo através de sua política de contenção e investimentos no Oriente Médio para atingir seus objetivos econômicos na região.
REFERÊNCIAS
SHAPIRA, A. Israel: Uma história. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2018.