O Integrismo Espanhol

Ramón Nocedal (ao centro, 1842-1907), fundador do Partido Católico Nacional espanhol: um dos três ramos mais importantes do catolicismo político espanhol. Imagem: Wikimedia.

O integrismo constitui um dos três ramos mais importantes do catolicismo político espanhol, junto com o carlismo e o catolicismo liberal. Seu nome (integrismo) provém da sua defesa ferrenha da integridade da verdade católica e sua adesão a ela sem reservas, bem como de sua absoluta intransigência com o erro . Hoje, mais que uma corrente, é a expressão dada a um temperamento marcado por exclusão, hostilidade e rejeição ao pluralismo. Reduz a complexidade do mundo a um dualismo simplista: bem versus mal, amigo versus inimigo. Essas atitudes, antes religiosas, agora se aplicam a diversas áreas, como política, economia, e vida cotidiana espanhola, manifestando-se em formas de integrismo ecológico, nacionalista e progressista.

Artigo originalmente publicado no Mercabá – Enciclopédia Hispano-Católica Universal

Traduzido por Tiago Barreira

Autor: E. Velasco

Tempo de leitura: 19 min

I. ETIMOLOGIA E ESBOÇO HISTÓRICO.

Integrismo é um substantivo derivado do adjetivo “íntegro”, que na primeira acepção do Dicionário da Língua Espanhola significa: “aquilo a que não falta nenhuma de suas partes”; também se aplica à “pessoa que cumpre exatamente e com retidão os deveres de seu cargo ou posição”: um cidadão (juiz, funcionário, etc.) íntegro. Deriva do latim “integer-gri“. Duas são as acepções que o Dicionário da Real Academia Espanhola registra para o substantivo integrismo: a) “Partido político espanhol fundado no final do século XIX, baseado na manutenção da integridade da tradição espanhola”; b) “Atitude de certos setores religiosos, ideológicos, políticos, partidários da inalterabilidade das doutrinas”. No seu sentido atual, a palavra integrismo é um termo de vocabulário polêmico, com forte significado pejorativo, e que perdeu grande parte de sua força na cultura ocidental devido à sua confusão ou sinonímia com fundamentalismo.

Ao abordar uma aproximação crítica ao integrismo, é obrigatório salientar que ser íntegro (a integridade) é algo verdadeiramente fundamental para o ser humano. O que acontece quando alguém não é íntegro? Sente-se imperfeito, carente e desprovido de algo; em resumo, incompleto. Assim, denominamos integrismo àquela atitude radical e coerente com uma ideia, valor ou princípio (religioso, político, social…), que é considerado o fundamental, e cujo enraizamento se expressa e se manifesta com uma clareza nítida para o seu melhor fortalecimento através de uma doutrina (dogmatismo); doutrina que deve ser concretizada com autoridade em normas de validade absoluta para todos os tempos e lugares, e para as quais não cabe autocrítica. Essa ideia, valor ou princípio é defendido ou imposto de forma agressiva, se necessário, pois está em jogo a implantação do bem e da justiça em uma sociedade ameaçadora e desviada do que o integrismo considera correto. O integrismo é, portanto, mais um temperamento do que uma corrente; é toda uma atitude e disposição do ser humano (conhecimento, sentimento, vontade), que de modo algum pode se referir única e exclusivamente aos afiliados e simpatizantes do credo político do partido integrista ou partidos afins.

Ao fazer um esboço histórico na Espanha, é preciso ter em mente que uma das tarefas do integrismo é fazer ver que seu pensamento se identifica com a ortodoxia do Eclesiasticismo Oficial e com a verdadeira tradição, uma vez que ser católico é prioritário e o que lhe confere identidade, acima de qualquer militância política ou social. A religião católica se torna o fator decisivo e de referência ao tomar decisões em matéria pessoal e político-social, negando, assim, a autonomia legítima dos diferentes âmbitos da vida. Não se podia transigir sobre os princípios católicos, porque a verdade estava ligada a eles.

O integrismo constitui um dos três ramos mais importantes do catolicismo político espanhol, junto com o carlismo e o catolicismo liberal. Seu nome (integrismo) provém da sua defesa ferrenha da integridade da verdade católica e sua adesão a ela sem reservas, bem como de sua absoluta intransigência com o erro. O nome oficial era Partido Católico Nacional e tinha como presidente seu fundador (1888), Ramón Nocedal. Seus militantes principais vinham do carlismo, e o órgão de difusão de suas doutrinas era “El Siglo Futuro”. A atitude do partido sempre foi a de se manifestar como inimigo irreconciliável da sociedade iluminada pelo liberalismo. Foi uma reação radical contra o incipiente processo de modernização que estava ocorrendo na Espanha. A doutrina do partido é perfeitamente captada no discurso de D. Ramón Nocedal em Burgos (julho de 1889): “Antes de tudo e sobre tudo, somos católicos (…) e, assim, nossa primeira ação deve ser nos humilharmos diante de seu Vigário no mundo, a quem toda criatura humana deve se sujeitar e se render, dizendo: ‘Fala, Senhor, que teus filhos escutam, ávidos por ouvir tua voz e obedecer teus mandamentos, ansiosos por viver e morrer confessando e defendendo todos e cada um dos teus ensinamentos’ (…). Mas nós, católicos espanhóis, realmente queremos que a história da Espanha seja retomada e continue de onde foi interrompida pela devastadora invasão de novidades estrangeiras que a desnaturam e pervertem (…). Sustentamos que é monstruoso, um despotismo insuportável, que a autoridade temporal, seja ela chamada Parlamento, República ou César, se constitua fonte de todo direito, juiz e mestre de doutrinas (…). Gostaríamos também que a Espanha, infeliz e abatida pelo liberalismo, tivesse o vigor e a força dos bons tempos de sua fé cristã (…). Amamos e defendemos a liberdade, e por isso abominamos os horrores que, sob o nome de liberdade de consciência, liberdade de culto, liberdade de imprensa, abriram as portas da nossa pátria a todas as heresias e a todos os absurdos estrangeiros e estrangeirizados que já haviam enchido de luto e vergonha outras nações (…). O primeiro e principal é que a Espanha seja bem governada, segundo a norma estabelecida em nossas antigas leis e ensinada recentemente por Leão XIII em suas admiráveis encíclicas. E assim, dedicaremos todas as nossas forças para preparar a chegada do Estado cristão (…). Vamos defender a soberania social de Jesus Cristo”. Em 1901, por ocasião dos debates no Parlamento sobre as congregações religiosas, Ramón Nocedal convida “a lutar contra os partidos liberais, a quem não eu –diz–, mas Leão XIII, chama imitadores de Lúcifer”. Em 1906, o integrismo foi ferido de morte com o falecimento de Ramón Nocedal. Entre seus seguidores, destacam-se: A. Aparisi y Guijarro, J. M. Ortí y Lara, F. Sardá y Salvany, L. Carbonero y Sol, etc. Durante a República Espanhola, o integrismo voltou a se fundir nas fileiras carlistas, e Fal Conde dirigiu o tradicionalismo a partir de 1934. Em resumo, tudo isso não foi mais do que a versão espanhola das correntes ultramontanas que, na França, eram defendidas por Louis Veuillot nas páginas do “L’Univers”, e na Itália pelo jornal “Journal de Roma”, juntamente com o importantíssimo órgão jesuítico “La Civiltá Cattolica”. O partido desapareceu, mas não o integrismo, que se mantém, se manifesta e se projeta em grupúsculos e partidos políticos, sociais, religiosos, etc.

II. POSTULADOS DA ATITUDE INTEGRISTA.

Agora tratamos de expor as ideias-força que moviam seus partidários, a concepção do homem e da vida que delas surgia, e a forma de ser e estar na sociedade que eles expressavam e adotavam. Destacamos os seguintes traços: É uma atitude de exclusão: o integrismo recusa qualquer pessoa que não compartilhe seus princípios. É uma atitude de hostilidade: sentem-se ameaçados em sua identidade e reagem. É uma atitude de rejeição ao pluralismo e ao relativismo: ignora-se a pluralidade. Íntegro é apenas de uma maneira: a deles. O católico como fundamento e única fonte da verdade: assim nos é dito que “são necessários católicos puros e íntegros: não cedas um ponto em seus princípios; mantenha-se firme; lembre-se de que não há conciliação de qualquer espécie entre a luz e as trevas” (Arcebispo de Gênova, 1885). Diante da situação político-social: a regeneração pela Igreja como tarefa inadiável. A causa dos males da sociedade tinha sua única origem, para a mentalidade integrista, no afastamento da religião (secularização), e possuíam uma única solução: o retorno à religião. Uma atitude dogmática: toda tentativa de interdisciplinaridade é considerada perigosa, como via de contágio e como capitulação por parte de quem possui a verdade. Não se discute, define-se.

O liberalismo é pecado: o liberalismo, “que é heresia, e as obras liberais, que são obras heréticas, são o pecado máximo que se conhece no código da lei cristã (…). Ser liberal é mais pecado do que ser blasfemo, ladrão, adúltero ou homicida (…) e, portanto, o liberalismo e os atos são, por sua natureza, o mal sobre todo o mal” (Sardá y Salvany). É um sistema fechado: o integrismo elabora todo um sistema fechado que o coloca fora de todo erro, de toda dúvida. Apenas o que está dentro, e permanece dentro das coordenadas estabelecidas por esse sistema, permanece puro e conduz à meta. Constitui uma atitude estática: assume-se uma postura contrária a tudo o que significa mudança, transformação, abertura.

É uma atitude heterônoma: o integrismo se orienta para a certeza que lhe proporciona a verdade absoluta, que está acima de toda dúvida. Possui uma concepção dual da realidade: reduz toda a complexidade do mundo a um dualismo: bem-mal, amigo-inimigo. Não cabe qualquer tipo de conciliação entre a verdade e o erro: ou raciocinamos como racionalistas, ou raciocinamos como cristãos. A razão é uma dimensão secundária do homem: considera-se que a razão, por si só, é incapaz de dar sentido à vida do homem. Possui-se a verdade além de toda racionalidade. «Pobre e desventurada razão!, que se recusa a caminhar livremente pelo caminho seguro que a fé lhe mostra, e se lança loucamente nos tenebrosos labirintos para onde a leva Lúcifer» (Bispo de Santander, 1906).

Uma atitude de cruzada: como se consideram eleitos para realizar uma missão na Terra, estão em posse de uma tarefa universal. Uma atitude de obediência: oferece-se ao homem estabilidade, segurança… se ele obedecer a tudo o que é ordenado. Pela obediência, o integrismo redime da dúvida e do erro. Aspira-se à submissão obediente.

Possui uma linguagem apocalíptica: a maior parte da linguagem integrista está repleta de referências à imoralidade político-social que invade a sociedade. Apresenta uma atitude de sacralização da vida civil: o integrismo deseja converter em leis civis todos os seus princípios, todos os seus posicionamentos religiosos. A religião é quem deve salvar a política. Enxerga o passado como a solução: para o integrismo, toda solução está ligada ao passado. No passado está o bom e o positivo. O futuro é sentido como uma ameaça.

O homem sob suspeita: a concepção antropológica do homem é de um pessimismo radical. O homem é um ser de instintos fracos e de inteligência enganosa. «Para viver como homens e de modo conforme à natureza, devemos aprender a renunciar a nós mesmos, a nos forçar e a nos mortificar» (A. M. Weiss, Apologia do Cristianismo).

Uma atitude de rigidez: «Os princípios católicos não se modificam nem com o passar dos anos, nem com a mudança de país, nem por causa de novas descobertas, nem por razões de utilidade; são sempre os que Cristo ensinou (…). É conveniente tomá-los como são ou deixá-los» (Civiltà Cattolica).

Uma atitude de unidade: admira-se a unidade de crenças, de critérios, de ações; aspira-se a que não subsista mais do que «uma fé, uma lei, uma norma…». Uma atitude de intolerância: «A tolerância é um veneno que contém a semente da confusão» (Bossuet).

O integrismo tinha uma fórmula muito clara: «A máxima intransigência católica é a máxima caridade católica» (Sardá y Salvany). A posse da verdade como critério absoluto: no integrismo não se argumenta, mas se afirma; não se pede diálogo, mas submissão. Como se justifica tudo isso? Pela certeza da posse da verdade absoluta. E, ao propor certezas, ao estar em posse da solução adequada, sua resposta não é uma dentre as muitas possíveis, mas a única resposta.

Em resumo, hoje as atitudes integristas anteriormente descritas no plano religioso podem ser aplicadas a outras dimensões da realidade: política, econômica e social, e se projetam na vida cotidiana: integrismo dietético, esportivo, ecológico, nacionalista… e também integrismo progressista. Em suma, integrismo, fanatismo e fundamentalismo são palavras que se opõem às que são os grandes referenciais da nossa organização democrática: pluralismo, tolerância, liberdades, compreensão.

BIBLIOGRAFIA

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