Analítica do conceito de ente sob a assunção à tese: o ser não é predicado real – Pedro Araújo

Analise-se o ente, se ele existe aqui e agora. Analise-se uma proposição em que figuram as condições espaço-temporais somadas à forma proposicional designada de segunda adjacente. Assim, considere-se a enunciação seguinte: “aqui e agora, o ente é.”

Pedro Araújo

Aqui mesmo e agora mesmo, o ente é. É este ente, portanto, certo poder, pois ele pode ser o que aqui e agora ele é, esse poder. Pode ele tudo quanto possa esse poder aqui e agora, posto que ele o seja. Tudo o que se possa dar, dá-se por esse poder, não antes e nem depois do que ele pode agora, e nem noutro lugar senão aqui, em que ele se dá. No aqui e no agora nos quais pode o poder do ente que se dá, esse poder dado do ente que se dá como poder faz poder o aqui e o agora em que pode o poder? Se isto não o fosse, não se poderia dar o ente que pode aqui e agora. Podendo-se dar o ente que pode poder aqui e agora, em certo aqui e em certo agora, pode o ente poder aqui e agora. O aqui e o agora, porém, podem pelo que faz poder o ente que pode aqui e agora? O que faz poder o próprio ente é o mesmo ente que pode, pois ele o é, enquanto pode, porque é.

Assim, do ente que é infere-se uma possibilidade, a de poder, e, em específico, a possibilidade de seu poder. E este poder, porém, infere-se do ente que é como certa consequência. Pois, tudo o que o ente é, ele pode ser. Se o ente é, logo, pode ser. Onde se verifica a verdade do antecedente: “se o ente é”, para que se assegurasse o conhecimento do consequente “pode ser”? Aqui e agora, o ente é. Evidencia-se o ente, mas se evidencia a sua possibilidade de ser? Se não se evidenciasse, não se evidenciaria, por consequência, o ente; o que repugna. Nesse sentido, evidenciam-se tanto o ente quanto o seu poder. Assegura-se, assim, o conhecimento a respeito de ambos pela ilação evidente, chamada de consequência, do antecedente — evidente — ao consequente — também evidente.

Desta feita, conhece-se uma possibilidade, vale dizer, a do poder do ente que é. Isto e tão somente isto é conhecido pela conclusão “se o ente é, logo, pode ser.” Essa possibilidade é, porém, apenas uma possibilidade? Ao pensamento que a pensou e que a concluiu, dadas as três evidências, respectivamente, a do antecedente, a da consequência e a do consequente, porém, a necessidade das partes do elo da proposição condicional manifestou-se-lhe tão evidente quanto as coisas mesmas relacionadas. Logo, encontram-se quatro evidências, pois o modo em que a consequência relaciona a condição com o condicionado é ele mesmo evidente, de forma tal que necessariamente dado que o ente seja, há por consequência o seu poder de ser. Essas quatro evidências, não obstante, são-no do ente, que se evidenciam.

Quanto faz poder o ente que é, se ele pode. O poder da evidência, o poder do conhecimento, o poder do antecedente, o poder da consequência, o poder do consequente e o poder da necessidade tão somente podem pelo poder que o ente é. Por fim, pode o ente ser? Se a resposta é afirmativa, o ente faz poder também o pensamento; em caso de negativa, como teria sido pensado esse pensamento? Assim, e por consequência, o ente, do mesmo modo, faz poder o pensamento. Aqui e agora, porém, o ente é? Se o pensamento não fosse pensado, se a necessidade não fosse constatada, se o consequente pela consequência não fosse deduzido, se a proposição do antecedente não fosse construída, se o conhecimento não conhecesse e se a evidência não se evidenciasse, aqui e agora, o ente não seria. Ora, afirma-se e reconhece-se a evidência do que se mostra: o ente é, aqui e agora.

Conhece-se essa evidência. Desta evidência, vai-se à outra evidência: a de sua possibilidade. Assim, evidencia-se a proposição “aqui e agora, o ente é”, enquanto, por ela – fazendo as vezes de certo antecedente –, infere-se, mediada a evidência da consequência, a evidência da possibilidade expressa pelo consequente: o ente pode ser. Ademais, a evidência da possibilidade expressa pelo consequente evidencia-se seguindo necessariamente ao seu antecedente; logo, evidencia-se a necessidade da relação da condição com o condicionado. A condição condicionando o condicionado evidencia-se em o pensamento. Desse modo, evidencia-se o pensamento. “Aqui e agora, o ente é” é o pensamento ou a realidade? De fato, para mim que a penso, a pergunta não se pode manifestar senão enquanto meu pensamento. Porém, o sobre o que a pergunta questiona, ei-lo colocado como questão. Esta questão, assim, questiona: aqui e agora, o ente que é, é-o como pensamento ou como realidade? Se se disser que, aqui e agora, o ente é, em seu ser, como pensamento, irá distinguir-se ele do meu pensamento que o pensa? Ao contrário, se se disser que, aqui e agora, o ente é, em seu ser, como realidade, irão distinguir-se a evidência, o conhecimento, o antecedente, a consequência, o consequente, a necessidade e o pensamento, posto que, todas estas coisas apenas se evidenciaram, em sua distinção recíproca, em razão de certo poder do ente que é, isto é, como estando, inchoative, implícitas ao pensamento que as distingue e as distinguiu, mediante o significado objetivo da proposição “aqui e agora, o ente é”? Assim, há duas teses a serem analisadas, que rezam: se aqui e agora o ente é, distinguir-se-á, respectivamente, se é pensamento, do meu pensamento, e se é realidade, da evidência, do conhecimento, do antecedente, da consequência, do consequente, da necessidade e do pensamento?

Ora, as duas teses são evidentes no que postulam. Desse modo, salva-se a evidência, ainda que ambas sejam ou falsas ou verdadeiras. O salvar-se da evidência, porém, é-o de mim? Em absoluto. Pois o que se disse foi “no que” postulam ambas as teses. No que as teses postulam, salva-se a evidência. Assim, a evidência, no que manifesta e abre em seu campo fenomenológico, fenomenaliza “qualquer coisa” de objetiva; independemente de mim. Independemente de mim, do mesmo modo, que a evidência seja certa coisa real é certo conhecimento, na medida em que a evidência do que postulam as teses se mostra, evidentemente, em si mesma e por si mesma, e este em si mesma e por si mesma se conhece desde si mesmo e por si mesmo. Nesse sentido, há a realidade tanto na evidência, quanto no conhecimento.

Por isso, em relação à primeira tese, vale dizer, “se aqui e agora, o ente é enquanto pensamento, é este pensamento distinto do meu, posto que o penso?”, ainda que a condição seja falsa, o condicionado pode ser verdadeiro, dado que, a realidade da evidência e do conhecimento evidencia-se como independente de mim, para quem a evidência se evidencia e para quem o conhecimento se conhece. Porém, e em relação à segunda tese, ou seja, “se aqui e agora, o ente é enquanto realidade, esta realidade possibilita a distinção da evidência, do conhecimento, do antecedente, da consequência, do consequente, da necessidade e do pensamento?”, a condição mostrou-se como verdadeira a respeito da realidade da evidência e do conhecimento, e de sua distinção conceitual entre si. Mas, por boa lógica, se a premissa é verdadeira, a conclusão também o é, em uma pesquisa que toma o poder do ente como verdadeiro. Logo, são reais o antecedente, a consequência, o consequente, a necessidade e o pensamento.

Porém, a realidade destas coisas é tal qual a realidade constatável na evidência e no conhecimento, ou seja, na medida em que estes são tanto reais realmente quanto reais nocionalmente? De todo modo, se aqui e agora o ente é enquanto realidade, esta realidade possibilita a distinção tanto da evidência quanto do conhecimento, sejam estes considerados reais ou ideais.

Se reais, que o são, ou ideais, que também o são, no que esta possibilidade do “ou” denota, evidencia-se, também, a realidade do pensamento, que assim se distingue. O distinguir-se a realidade do pensamento da idealidade do pensamento segue-se, assim, da possibilidade denotada pelo “ou” e, desta feita, no que o “segue-se” denota evidencia-se a realidade do antecedente, da consequência e do consequente. Evidencia-se, porém, a idealidade do antecedente, da consequência e do consequente? De fato, o “segue-se” denota justo essa idealidade, o levar-se do que veio antes ao que veio depois, e esse levar-se, que é o ato ilativo, é idealmente realizado. Por fim, evidencia-se, se aqui e agora o ente é enquanto realidade, esta realidade possibilitando a distinção da necessidade? Esta necessidade está evidentemente distinta. Porém, é distinta essa necessidade em si mesma e por si mesma, isto é, per se, ou para mim, ou seja, per aliud? Se há nela evidência, então é por si mesma evidente. É-o, contudo, para mim também. Logo, essa necessidade é distinta tanto realmente, em si mesma e por si mesma, quanto idealmente, vale dizer, enquanto que por mim próprio ela se atinge.

Ora, todas as conclusões alcançadas seguiram-se de duas teses, vale relembrar: se aqui e agora o ente é, seja ele pensamento ou realidade, poder-se-iam distinguir, se ele é pensamento, ele do meu pensamento e, se ele é realidade, desta realidade a evidência, o conhecimento, o antecedente, a consequência, a necessidade e o pensamento? De fato, se aqui e agora o ente é pensamento, ele distingue-se do meu pensamento, realmente. E, de fato, se aqui e agora o ente é realidade, distinguem-se, idealmente, a evidência, o conhecimento, o antecedente, a consequência, o consequente, a necessidade e o pensamento. Por fim, na possibilidade, dada aqui e agora, de que o ente seja pensamento, ele não é realmente o meu pensamento. E, inversamente, na possibilidade, dada aqui e agora, de que o ente seja realidade, idealmente distinguem-se o conhecimento, o antecedente, o consequência, o consequente, a necessidade e o pensamento.

Ora, aqui e agora, na primeira possibilidade considerada, ou seja, a de que o ente seja pensamento, segue-se realmente a sua distinção de meu pensamento, ao passo que, na segunda possibilidade considerada, isto é, a de que o ente seja realmente, segue-se idealmente a distinção da evidência, do conhecimento, do antecedente, da consequência, do consequente, da necessidade e do pensamento.

Em relação à segunda possibilidade, pode-se concluir, com efeito, que a distinção é certo ato de idealidade. Em relação à primeira possibilidade, pode-se concluir, efetivamente, que há certo pensamento em ato que não se reduz ao pensamento que agora eu realizo.

Por esta última possibilidade, distingue-se o pensamento do meu pensamento; por aquela primeira, essa distinção é dita dar-se idealmente.

A idealidade da distinção é, contudo, real? Aqui e agora, é-o. É-o, porém, para mim. É-o, contudo, como possibilidade. Ainda que o é se reconheça como possibilidade, aponta, não obstante, esse é para a realidade. Fá-lo, contudo, idealmente em seu apontar.

Assim, verifica-se que o ser não é predicado real.

 

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional do Ágora Perene.

Assine grátis o Newsletter da Revista Ágora Perene e receba notificações dos novos ensaios

Não fazemos spam! Leia nossa política de privacidade para mais informações.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *