A Evolução Criadora de Henri Bergson

Henri Bergson (1859-1941) obteve o Nobel de Literatura em 1927. Reprodução: RFI

O filósofo francês Henri Bergson (1859-1941), em sua obra Evolução Criadora, busca responder às seguintes perguntas: O que é a vida? De onde ela surge? Ao longo do capítulo 2 da obra, Bergson procura responder a esse questionamento por meio de uma reflexão filosófica sobre o sentido da evolução e as origens do processo evolutivo dos seres vivos.

Tiago Barreira

A Tese da Bifurcação

A principal tese de Bergson apresentada no capítulo é a da bifurcação. Essa tese fornece um importante contraponto à visão clássica e aristotélica sobre a vida, que categoriza e hierarquiza as espécies em três níveis: vida humana racional, vida animal instintiva e vida vegetativa.

Segundo a visão clássica, a vida racional é considerada o modo de viver superior, enquanto a vida vegetativa é vista como inferior. No entanto, na evolução da vida, de acordo com Bergson, não há uma hierarquia fixa de seres completos e acabados. Não existem espécies superiores ou inferiores; a evolução é um processo contínuo de criação e inovação.

Nesse processo criador, os organismos se diferenciam entre si e se individualizam à medida que se tornam mais complexos. Grupos, ao evoluírem, tendem a dar mais ênfase a determinadas características, que se tornam mais acentuadas. Por outro lado, certas características podem ser atenuadas ou adormecidas.

A Evolução como Processo Criador

Para Bergson, a evolução não é uma mera adaptação ao meio, como defendido pela visão mecanicista. A adaptação explica as sinuosidades e variações do movimento evolutivo, bem como as transformações circunstanciais das espécies, mas de modo algum justifica as direções gerais do movimento, e muito menos o próprio movimento.

A evolução também não segue um plano ou uma finalidade específica (finalismo). Segundo o finalismo, todo o conjunto do mundo vivo é como um edifício completo, fechado e perfeito. A evolução, no entanto, ao contrário da visão finalista, envereda por múltiplas direções, diferenciando as espécies sem seguir um alvo específico. Um plano, segundo o finalismo, é dado de antemão. A evolução, por outro lado, é um processo infinito de criação e mudança.

A evolução pressupõe um impulso original, um arranco interior (por exemplo, a explosão de uma granada): um contínuo tornar-se. A evolução, portanto, não é apenas um movimento determinístico, sempre para frente. Em muitos casos, observa-se entre as espécies um “patinar no mesmo lugar” e, não raramente, um desvio ou retrocesso.

Vida Vegetativa, Animal e Humana

Uma vez apresentada a tese da bifurcação evolutiva e sua ideia de evolução, Bergson explica como o processo criador da evolução tornou possível o surgimento e a diferenciação da vida entre a vida vegetal, animal e humana.

Bergson discute em seguida, no capítulo da obra, as principais diferenças que caracterizam a vida vegetativa e a vida animal. O que distingue a vida da planta da vida animal não é uma hierarquia rígida de fixidez e mobilidade, tal como concebida pelos clássicos. Ambas as características coexistem em organismos vivos, com a diferença de que a fixidez é acentuada na planta e adormecida no animal. Da mesma forma, a mobilidade está adormecida na planta e acentuada no animal.

Essa tendência adormecida de fixidez e torpor pode eventualmente manifestar-se em animais, como no caso do parasitismo. Do mesmo modo, a característica adormecida de mobilidade pode emergir nas plantas, como ocorre em espécies carnívoras.

Bergson também explica que torpor e mobilidade são indícios de uma tendência evolutiva mais profunda. Todo movimento pressupõe a existência de uma consciência que age e se move livremente. Todos os organismos vivos, até mesmo os mais simples, como amebas, possuem algum grau de consciência.

Essa consciência se torna mais precisa, intensa e aguçada à medida que os organismos animais evoluem em sistemas nervosos mais complexos. O desenvolvimento do instinto animal é a expressão dessa tendência evolutiva. Por outro lado, a consciência se atrofiará e ficará adormecida, movendo-se em direção à insensibilidade, conforme os vegetais evoluem em sistemas de fotossíntese.

Portanto, segundo Bergson, tudo indica que vegetais e animais descendem de um antepassado comum que reunia, em estado inicial, as tendências de ambos. A partir desse antepassado, essas tendências bifurcaram: uma em direção à consciência e outra ao torpor vegetativo.

Contudo, como já ressaltado por Bergson, esse processo evolutivo da vida não é uma força determinística, fatalista e inevitável. A evolução da vida envolve um puro ato de liberdade criadora. Os seres vivos podem, por vontade própria, ceder à imobilidade e ao torpor, atrofiando suas tendências e capacidades. Os organismos, portanto, estão sujeitos tanto ao crescimento de suas potencialidades quanto à atrofia e ao adormecimento delas, ao longo do processo evolutivo.

Bergson exemplifica um caso de adormecimento entre as espécies: os moluscos e crustáceos. Esses animais verificaram essa atrofia à medida que evoluíram em conchas resistentes como postura defensiva contra predadores. Ao se enclausurarem em armaduras defensivas, os moluscos e crustáceos foram condenados ao torpor e à imobilidade, mantendo-se estagnados em seu desenvolvimento.

Em contrapartida, os animais vertebrados evoluíram em direção a maior agilidade e maleabilidade como estratégia de fuga e ataque. Ao seguirem esse caminho evolutivo, os vertebrados puderam progredir no desenvolvimento de seus sistemas sensório-motores.

A espécie humana, nesse sentido, representa o ponto culminante da evolução dos vertebrados, ao possuir o sistema nervoso mais complexo. Esse sistema nervoso desenvolvido possibilitou à espécie humana uma nova bifurcação dentro dos vertebrados, marcada pelo desenvolvimento da capacidade de inteligência.

Inteligência humana x instinto animal

Bergson explica, em seguida, as principais diferenças entre inteligência humana e instinto animal, reafirmando que não há uma hierarquia entre a vida vegetativa, instintiva e intelectiva, como propõe a filosofia aristotélica. Assim, a inteligência não ocupa uma ordem superior e não é necessariamente melhor do que o instinto. Da mesma forma, inteligência e instinto não são antagônicos.

Inteligência e instinto são, na verdade, dois tipos diferentes de faculdades de conhecimento. Ambos representam soluções divergentes para um único problema: a busca pela sobrevivência. A inteligência é a faculdade de fabricar objetos artificiais, especialmente ferramentas, e de diversificar infinitamente a fabricação delas. O homem, por isso, é considerado inteligente enquanto homo faber, ou seja, o ser que fabrica coisas.

A inteligência, quando plenamente desenvolvida, é a capacidade de criar e utilizar instrumentos inorgânicos. Já o instinto, em sua forma completa, é a habilidade de usar e até mesmo construir instrumentos já organizados, como asas para o voo, garras para capturar presas ou dentes para mastigação.

Portanto, enquanto a inteligência está orientada para o conhecimento consciente, o instinto opera no nível do conhecimento inconsciente. A inteligência promove a separação entre representação e ação, entre o ato e a ideia. Para um ser inteligente, a execução de uma ação no mundo físico é precedida pelo pensamento e pela representação mental. A atividade deliberativa é essencial para formar esquemas e planos de ação. Por outro lado, no instinto, pensamento e ação, ato e ideia ocorrem simultaneamente. A ação instintiva é uma atividade inconsciente e reflexiva, na qual não há distinção entre representação e ação — como no caso de um bebê que busca o aleitamento materno.

O conhecimento adquirido pela inteligência e o conhecimento alcançado pela intuição se direcionam a objetos distintos. A inteligência busca formular relações gerais e abstratas entre as coisas. Ela apreende formas e conceitos vazios, que podem ser preenchidos por uma infinidade de objetos concretos. Também estabelece analogias e relações de causa e efeito, criando juízos hipotéticos (por exemplo: “Se X afeta Y, ocorrerá Z”). Assim, a inteligência organiza, categoriza e classifica objetos para atender a fins práticos.

No instinto, ao contrário, o conhecimento recai sobre a percepção direta de coisas particulares. A inteligência só consegue conhecer por meio do descontínuo e da imobilidade. O descontínuo é caracterizado pela redução da realidade a um espaço segmentado, decomposto em unidades de medida. Para a inteligência, o movimento é concebido como uma sucessão de instantes fixos e imóveis. É somente ao assumir a descontinuidade e a imobilidade que a inteligência consegue fixar conceitos, analisar, decompor e sintetizar ideias em sistemas.

Por isso, a inteligência apresenta uma incompreensão natural da vida, que é caracterizada por um “tornar-se” contínuo, móvel e imprevisível. Em contraste, o instinto permite uma percepção direta do objeto em sua particularidade. Entretanto, a consciência está atrofiada e entorpecida no instinto. Este consegue intuir situações específicas e casos pontuais relacionados às suas funções instintivas, como situações de perigo ou de fuga. Embora o instinto possa intuir essas situações, ele é incapaz de intuir a vida em sua totalidade.

Conclusão

O processo evolutivo pode ser caracterizado como uma bifurcação que deu origem ao torpor vegetativo, ao instinto animal e à inteligência humana. Esses elementos estavam inicialmente unidos no impulso vital que é comum às plantas, aos animais e aos seres humanos. No decorrer do desenvolvimento evolutivo, entretanto, dissociaram-se, seguindo direções distintas.

Bergson conclui que a vida, enquanto um processo contínuo e infinito de criação, que promove a evolução e a diferenciação dos seres vivos, não pode ser plenamente compreendida isolando-se apenas um de seus aspectos: torpor, instinto ou inteligência.

No caso do ser humano, nem o instinto nem a inteligência, por si sós, são capazes de intuir e compreender a totalidade da vida. Há verdades que só a inteligência pode buscar, mas que, sozinha, nunca conseguirá encontrar. Essas verdades, por outro lado, poderiam ser encontradas pelo instinto, mas este nunca se interessará em procurá-las.

Referência Bibliográfica

Bergson, H. (2010). A evolução criadora (A. C. Monteiro, Trad.). São Paulo: Editora Unesp. (Original publicado em 1907)

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