
Fonte: The Planisphere of Ptolemy, Andreas Cellarius (1660).
A Astrologia é um saber tradicional milenar, cuja prática esteve presente em todas as culturas humanas, e portanto, sempre fez parte da realidade integral do homem. O artigo busca elucidar questões pertinentes à discussão da relevância do campo astrológico para a investigação da realidade através de sua utilização para a compreensão do mundo suprassensível e sua correspondência a nível macrocósmico e microcósmico. O autor se utiliza de pressupostos filosóficos para criticar a retirada da astrologia da investigação do sistema das ciências pelos modernos, renegando-a assim, a mera crendice e superstição. Essa nefasta conduta científica atual, deveras reducionista, acaba por limitar a descrição dos fenômenos cósmicos aos átomos e partículas quânticas, substituindo assim o todo pelas meras partes.
Original: Dr. Wolfgang Smith; Tradução: Eliseu Cidade
Antes de tudo, é preciso entender que a “totalidade” a que aludimos não é outra senão a “totalidade tripartida” anteriormente definida, concebida à luz da ontologia platônica. Pode ser representado iconicamente na forma de um círculo em que o centro se refere ao reino primário, não sujeito aos limites do tempo ou do espaço, e a circunferência representa o que conhecemos como o mundo corpóreo. Quanto ao interior desse círculo icônico, ele prova ser indicativo de um domínio há muito esquecido, sujeito apenas ao tempo, ainda conhecido pelo cristianismo ortodoxo como o mundo “aéreo”. No entanto, o que nos confronta principalmente nesta ontologia tripartida é uma dicotomia entre os reinos supratemporal e temporal, o que prova ser equivalente à distinção platônica entre as ordens inteligível e sensível. O que resta é uma divisão do sensível em um estrato grosseiro ou “corpóreo” e um estrato sutil ou “psíquico”. A afirmação central do platonismo — que considero definitiva — pode agora ser declarada com assombrosa brevidade: afirma-se que o sensível deriva sua realidade do inteligível, ao qual se coloca em princípio como um significante para seu referente. E que reconhecimento ontológico, afirmo, prova ser a chave mestra para o enigma da astrologia.
Imaginar que as estrelas e os planetas – como atualmente concebidos – afetam o caráter e o destino humanos é, sem dúvida, o epítome da credulidade. No entanto, seja o que for que os aficionados atuais da astrologia possam dizer a esse respeito, não é isso que a astrologia realmente afirma. É preciso antes de tudo entender que se o cosmos em geral fosse, mesmo que remotamente, o que hoje o consideramos – um conglomerado, ou seja, de entidades astrofísicas espalhadas pelas imensidões do espaço, constituídas de “matéria” na forma de partículas quânticas – se esse fosse realmente o caso, a astrologia de fato se reduziria à “superstição explorada” que geralmente é considerada. No entanto, a questão é que, na verdade, o cosmos não se reduz às concepções de nossa astrofísica atual. Se nem mesmo a entidade corpórea mais simples — uma pedrinha, digamos, na palma da minha mão — se reduz a um agregado de partículas quânticas, como se pode concluir com base na teoria quântica, o que dizer do cosmos em geral.
A chave mestra para o enigma da astrologia, como eu disse, reside na ontologia platônica: nada menos do que esse ensino elevado — e talvez, em certo sentido, “esotérico” — acabará por servir. Ela nos informa que a realidade de todas as coisas pertence, em última instância, ao reino inteligível – o que implica que, desde que estrelas e planetas sejam concebidos como entidades espaço-temporais, eles podem, na verdade, não ser mais do que sinais apontando para um referente inteligível. Tal causalidade, portanto, como entra no campo da astrologia, se origina – não em massas estelares ou planetárias movendo-se através do espaço – mas precisamente naquela esfera supratemporal que os platônicos chamam de mundo inteligível. Essa causalidade, portanto, não é efetuada por uma transmissão temporal através do espaço – o tipo conhecido pela física, ao qual me refiro como horizontal – mas revela-se o que chamo de causalidade vertical: um tipo que não opera “no tempo”. Os planetas, enquanto percorrem o zodíaco com suas doze constelações, podem ser comparados aos ponteiros de um relógio cósmico anunciando as “estações” do mundo sensível, que na verdade não causam mais do que o tique-taque de um relógio comum faz com que as flores desabrochem e as árvores deem frutos.
Não só, porém, o cosmos é tripartido em sua integralidade, mas de acordo com a doutrina tradicional, cada estrato ontológico reflete essa tripartição em seu próprio plano. O que então constitui a tripartição resultante do mundo corpóreo? Consiste na Terra como representando o corpóreo, o reino planetário, o intermediário, e o estelar, o mundo inteligível. O mundo espaço-temporal revela-se assim uma representação icónica do cosmos tripartida: ainda que invertida, na medida em que coloca a Terra — representante do estrato inferior — no centro. O fato é que o mundo corpóreo — concebido platonicamente — constitui um ícone natural do cosmos em geral: o ícone geocêntrico, pode-se chamá-lo. E é sobre este ícone que se baseia a astrologia.
Deve-se, no entanto, lembrar que as “estrelas e planetas” assim concebidos não se reduzem de forma alguma às estrelas e planetas descritos pelo físico, que se mostram de fato subcorpóreos. Tampouco são, estritamente falando, perceptíveis: o que realmente percebemos quando olhamos para uma estrela ou planeta não é mais do que um ponto de luz que consideramos ser a estrela ou planeta.
A referida divisão do mundo corpóreo em seus reinos terrestre, planetário e estelar não é, portanto, “meramente simbólica” como se tende a imaginar hoje em dia, mas real em um sentido profundamente metafísico. O mundo corpóreo revela-se ontologicamente tripartido porque “reflete” – num sentido distintamente platônico – a própria tricotomia cósmica. Na verdade, deve fazê-lo, em virtude do que é: uma “imagem”, ou seja, do Todo tripartido. E este facto revela-se vital: é a razão, em última análise, pela qual a astrologia não é na verdade “uma superstição”!
Mas deixe-me repetir que esta imagem é “invertida”: que a Terra, embora central, detém na verdade o nível ontológico mais baixo. E noto de passagem que este ícone geocêntrico constitui na verdade a base da cosmografia ptolomaica, que nunca foi de fato “refutada”, mas apenas descartada, pelo fato de que, tempos após Galileu, seu significado ontológico não era mais compreendido.
Isso nos leva, finalmente, a um terceiro “todo” crucial para a astrologia: aquele sobre o qual de fato ela se baseia tecnicamente. Refiro-me ao que se chama de horóscopo: pode-se pensar nele como um diagrama simbólico que representa o ícone geocêntrico, com seu centro terrestre mais esferas planetárias e estelares. O primeiro desempenha um papel passivo, especificando o tempo e o local na Terra em que as configurações planetárias e estelares são vistas. A segunda representa a posição dos sete planetas astrológicos, naquela época, em relação às doze configurações estelares conhecidas como zodíaco. Como dissemos antes, pode-se pensar no último como o mostrador de um relógio cósmico e nos planetas como os “ponteiros” indicativos do “tempo cósmico” em relação a um “aqui e agora” terrestre. E não deixemos de notar que o horóscopo, mais uma vez, representa uma tripartição do mundo corpóreo, porém de maneira bem específica: isto é, relativa a um dado “aqui” e “agora” terrestre.
Não entraremos no elenco ou na leitura de horóscopos, um assunto amplamente abordado em inúmeras fontes credíveis. Nosso objetivo é antes indicar, nos traços mais amplos possíveis, a base ontológica sobre a qual repousa a ciência astrológica. E gostaria de salientar, antes de tudo, que esta ciência constitui, em certo sentido, o pólo oposto da física contemporânea: na medida em que a física opera com equações diferenciais, ela lida, em última instância, com o que resta quando toda a “totalidade” foi reduzida ao soma de suas partes infinitesimais — ao passo que a astrologia, ao contrário, na verdade lida com a totalidade absoluta, como nos propomos a explicar. Para alcançar esse reconhecimento, primeiro precisamos, no entanto, completar o quadro; pois acontece que até agora deixamos de fora uma segunda “totalidade” que entra crucialmente em jogo: a saber, a nossa.
O grande — e há muito esquecido — fato é que, na integralidade de seu ser, todo homem, mulher e criança constituem um verdadeiro microcosmo: um todo tripartido, constituído de corpo, alma e espírito, que, aliás, é em certo sentido isomórfico ao macrocosmo. Isso significa que quaisquer elementos astrológicos que definam a estrutura global do universo – tornando-o assim um cosmos – têm sua contraparte no microcosmo: ou seja, em nós. Por incrível que pareça do nosso ponto de vista “atomizador”, tudo o que é definitivo do cosmos astrológico – os planetas Vênus e Júpiter, por exemplo – tem sua contraparte no anthropos, o microcosmo que somos. Claro, do ponto de vista contemporâneo, nada poderia ser mais absurdo! Basta apontar, no entanto, que, do ponto de vista platônico, é exatamente o oposto que é verdadeiro: o fato central de que o ser deriva da ordem inteligível implica que toda totalidade autêntica não pode deixar de replicar – em seu próprio modo inimitável – a própria totalidade do cosmos como ele pré-existe no plano inteligível. E eu acrescentaria que a doutrina cristã da teofania afirma ainda mais: pois não apenas afirma que o cosmos em geral constitui uma teofania – uma manifestação de Deus – mas afirma que todo ser humano é ele mesmo “feito à imagem e semelhança de Deus.”
Nem é preciso dizer que se um ser humano fosse simplesmente uma entidade corpórea – ou um “agregado de partículas quânticas” – as alegações da astrologia seriam de fato absurdas. A imagem muda drasticamente, no entanto, no instante em que percebemos que somos, na verdade, incomparavelmente maiores do que nossa cultura atual nos permite vislumbrar. Quão indescritivelmente insignificante, em comparação, é o nosso substituto atual! O fato é que, enquanto não eletrizar – nos deixar sem palavras – a injunção délfica “Conhece a ti mesmo” caiu em ouvidos surdos. No entanto, apenas o recurso a uma tradição sapiencial fidedigna nos permite realmente atender ao chamado.
A razão pela qual a astrologia não é uma “superstição” reside finalmente no fato quase inacreditável de que carregamos as “estrelas e planetas” dentro de nosso ser integral: pensá-los como estando a tantos anos-luz de distância – isso prova no final ser a verdadeira superstição! O problema, no entanto, é que apenas em termos de uma ontologia inerentemente platônica isso pode ser compreendido: o aristotélico já falha nesse aspecto – o que dizer das ontologias pós-galileanas, que efetivamente eliminaram a totalidade como tal e acabaram com uma poeira quântica que acaba por não existir.
O ponto crucial da cosmovisão platônica reside na dicotomia fundamental entre os domínios inteligível e sensível: entre um tipo de ser não sujeito às condições de tempo e espaço e os modos condicionados pelo tempo que terminam no corpóreo. O que é preciso compreender acima de tudo é que as entidades corpóreas derivam o ser que possuem – não, com toda a certeza, de partículas quânticas – mas de um referente inteligível, em relação ao qual elas servem de signo: o que quer dizer que, na verdade, sua realidade é, em última análise, semântica, para usar o termo de Jean Borella. É justamente sobre essa semanticidade que se baseia o modus operandi da astrologia. A razão, portanto, pela qual estrelas e planetas podem servir como signos é que — na contagem final — eles são exatamente isso.
A constituição tripartida do microcosmo humano atesta sua aeviternidade, sua natureza supratemporal; e por mais difícil que seja para a mente contemporânea aceitar, a hora e o local de nosso nascimento, longe de ser “acidental”, é na verdade indicativo de “quem é” que, aqui e agora, entrou no mundo corpóreo – que é precisamente o que o horóscopo natal revela à sua maneira. Todos nós ficamos convencidos de que existe uma causalidade rigorosa baseada na interação de minúsculas partes corpóreas — ou subcorpóreas —, mas, em geral, recusamos a própria noção de uma causalidade que emana da totalidade. E mesmo quando foi provado que um modo de causalidade baseado em partes não é suficiente – não pode explicar, por exemplo, a produção da chamada “informação especificada complexa” – continuamos como regra a negar que uma causalidade baseada sobre a totalidade é tanto quanto concebível. No entanto, permanece o fato de que essa “causalidade inconcebível da totalidade” acaba sendo o único tipo que permite a existência da inteligência, da moralidade, da arte – e, de fato, da própria ciência.
Voltando ao horóscopo natal: o que mais pode ser senão uma representação – na “linguagem” da astrologia, com certeza – da pessoa na totalidade de seu ser, identificada pela hora e local de seu nascimento? E essa mesma “linguagem” é preciosa e insubstituível na medida em que não é inventada – não é “inventada” – mas se baseia na “verdadeira morfologia” do homem: sua autêntica “estrutura” como o microcosmo que ele é. Pode-se chegar ao ponto de afirmar que se requer essa linguagem da astrologia para ver uma pessoa na realidade de seu ser, que está muito mais profundo do que suas características “físicas” e “psicológicas”.
A astrologia lida com a totalidade, já dissemos; e pode fazê-lo porque seu modus operandi é holístico em oposição a analítico. Claro que existem regras – para iniciantes ou amadores, pode-se dizer – no sentido de que “Júpiter em Gêmeos”, digamos, é indicativo disso ou daquilo; e, sem dúvida, ditames desse tipo têm seu lugar. Mas eles não se somam ao que pode ser corretamente chamado de “a ciência da astrologia” – assim como as regras dos livros sobre escalas, acordes e métricas não se somam a uma “audição”, pode-se dizer, de uma sonata ou sinfonia. O ponto, mais uma vez, é que a música – toda arte autêntica – lida com todos que, na verdade, não se reduzem à soma de suas partes. E isso é crucial: pois, na ausência dessa estipulação, estamos lidando – não com um todo – mas com um mero agregado, que é exatamente o que nossas ciências físicas tratam: o nome do jogo é decompor, para eliminar de fato qualquer “totalidade” autêntica que possa existir inicialmente.
Mas enquanto essas ciências contemporâneas se mostram inerentemente redutoras – isto é, destrutivas da totalidade autêntica – isso não é de forma alguma um sine qua non da ciência per se, o que significa dizer que existem de fato ciências genuínas de uma tipo “não redutivo”. O ponto, no entanto, é que eles diferem fundamentalmente do gênero redutivo em seu modus operandi e, além disso, carregam um significado qualitativo além de seu conteúdo quantitativo. Pode ser uma surpresa que mesmo a matemática pura admita tais modos não redutivos e que, de fato, as primeiras escolas se preocupassem principalmente com os aspectos qualitativos dos fatos aritméticos e geométricos. Tal é o caso especialmente na tradição pitagórica, onde uma profunda conexão entre a matemática e as artes – começando com a música e a arquitetura – aparece. Essa conexão persistiu de fato até o advento dos tempos modernos, o que significa dizer que a redução contemporânea da matemática a um formalismo abstrato — e, em última instância, à teoria dos conjuntos — constitui na verdade um fenômeno “pós-iluminista”. Antes disso, um “número” era um número inteiro ou uma proporção de tal, que até hoje é denominado um número “racional”, e esses números – longe de serem reduzidos a pura “quantidade” – possuíam uma identidade qualitativa: uma totalidade a saber, da qual o matemático de nossos dias não tem mais o fantasma de uma ideia. Para ter uma ideia do que está em jogo, lembre-se que, no contexto da harmonia musical, é justamente um meio-tom que leva você de um tom maior para um menor: do dinâmico “mundo do Sol”, se você quiser , para a pensativa “esfera da Lua”, seu complemento qualitativo – um fato sobre o qual nossa compreensão contemporânea da matemática obviamente não pode nos dizer algo abençoado.
O mesmo vale, com certeza, para o horóscopo natal, que também tem a ver com qualidades e totalidade em oposição a quantidades e partes. Para ser específico, representa a pessoa na totalidade de seu ser, espelhada no aspecto correspondente do cosmos, definido pelas posições dos planetas em relação aos doze signos zodiacais. E isso faz sentido porque o próprio ser humano é um microcosmo: uma espécie de réplica do cosmos integral “em miniatura”, pode-se dizer. O horóscopo natal pode, portanto, ser visto como uma descrição de um determinado homem ou mulher em termos definidos pelo cosmos integral: em termos, portanto, de uma totalidade universal que foi estudada e codificada por astrólogos por milhares de anos. E enquanto isso pode parecer irracional em uma cultura condicionada a ver o todo como nada mais do que um agregado de partes, a imagem muda drasticamente quando se percebe que a questão é exatamente o contrário: que é realmente o todo que dá então origem a suas partes. Faz todo o sentido, então, postular que a totalidade de um microcosmo particular seja compreendida dentro da totalidade integral do macrocosmo na forma representada por um horóscopo natal: o que isso afirma é que o panorama da vida humana não é simplesmente aleatório – desprovido de rima ou razão, como se poderia dizer – mas comporta-se com um princípio de ordem. O que está em questão, no entanto, não é uma ordem baseada em “partes atômicas” – não um determinismo laplaciano certamente – mas uma ordem baseada na totalidade, tal como encontramos, por exemplo, nas esferas da música e da arte. É uma ordem, portanto, exigindo um vocabulário próprio para expressar: e é precisamente isso que a ciência da astrologia fornece. Deixe-me repetir mais uma vez, no entanto, que para a mente contemporânea – que quase perdeu a própria ideia de totalidade – tal afirmação tornou-se incompreensível e, consequentemente, é considerada absurda. Tudo o que essa mente discerne — seja no cosmos como um todo ou em um ser humano — é um conjunto de partes, precariamente mantidas juntas pela ação de forças cegas, redutíveis na contagem final às leis da física. E podemos todos concordam que, se for esse o caso, a astrologia de fato se reduz a um absurdo. Acontece, porém, que não é assim: que existe uma totalidade – uma totalidade, como dissemos, que não se reduz a uma soma de partes – e que não apenas o cosmos em geral, mas cada o ser humano constitui, na verdade, uma totalidade desse tipo.
Referimo-nos à astrologia como “a ciência da totalidade”: é preciso, no entanto, notar que o que interessa ao astrólogo é essa totalidade – tanto em suas manifestações macro quanto microcósmicas – distinta da causalidade que conecta as duas. Não acrescentamos nada à ciência astrológica ao apontar que ela depende de modos verticais de causalidade; apenas explicamos por que a Encyclopedia Britannica se refere à astrologia como “uma superstição explorada”. Não é preocupação do astrólogo explicar a conexão entre um microcosmo e um macrocosmo: sua tarefa é simplesmente ler um horóscopo, não explicar por que ele funciona. E essa “leitura” é tanto uma arte quanto uma ciência. O noviço, com certeza, faz o melhor que pode, aplicando uma certa sabedoria reduzida mais ou menos a “regras”; um mestre lê um horóscopo de forma similar que um verdadeiro músico lê uma partitura, ele ouve o horóscopo, somos tentados a dizer.
Observamos que — ao contrário do físico — o astrólogo não chega a suas conclusões traçando cadeias causais. E explicamos que de fato não existem tais “cadeias”, porque a causalidade em questão não opera por meio de uma transmissão temporal, não opera de fato “no tempo”. No entanto, pode-se afirmar mais do que isso: pois, como observamos, o que está em questão na astrologia é uma causalidade vertical que só pode ser entendida em uma base platônica: nenhuma filosofia menor – nenhum darshana ou “perspectiva” menor, como um filósofo hindu faria. A causalidade com que nos confrontamos na astrologia é o tipo ao qual Jean Borella se refere como semântica: o tipo que conecta um significante sensível a um referente inteligível. seja macro ou microcósmica — pertence à ordem inteligível, onde não há mais separação de partes, e onde mesmo os opostos são incluídos na unidade da totalidade.
Até agora, consideramos a leitura do horóscopo natal. Há também, no entanto, uma astrologia baseada em dois horóscopos: uma natal, ou seja, e uma correspondente a uma época posterior, sendo o objetivo – pelo menos como popularmente concebido – obter a “influência das estrelas e planetas” sobre a vida e as perspectivas da pessoa indicada pelo primeiro no momento do segundo. Tendo notado anteriormente que na verdade não existe tal causa horizontal, é evidente que este segundo cenário astrológico também deve ser entendido em termos de “totalidade” – que é, afinal, do que trata a astrologia. No entanto, independentemente da causa, o efeito se apresenta de fato como uma “influência” de algum tipo. A questão, entretanto, é que somos nós que respondemos a essa influência: nossa liberdade humana – nossa própria integridade, portanto – não é de forma alguma anulada ou comprometida. Pelo contrário: é-lhe apresentada uma oportunidade, por assim dizer, de se afirmar – nada menos na plenitude da sua soberania – através da sua resposta. Precisamos entender que, na esfera da astrologia, estamos lidando com “o todo agindo sobre o todo”, em oposição a “partes agindo sobre partes”. E isso significa, é claro, que a “ação” também é de um tipo fundamentalmente diferente: “vertical” em oposição a “horizontal”.
Deve-se notar que esta “indeterminação” – ou melhor, “liberdade” – não priva a previsão astrológica de “tempos e estações” de seu significado ou utilidade: para melhor entendermos o que é que nos confronta, a mais esclarecida e eficaz pode ser a nossa resposta. Por outro lado, sem tal compreensão do que é realmente a astrologia “preditiva”, a prática de “olhar para os horóscopos” pode realmente ser prejudicial: como em praticamente qualquer ciência, é preciso saber o que se está fazendo. E é aí que reside o dilema da astrologia desde o Iluminismo: acontece que o próprio Zeitgeist nos impede de entender do que se trata essa ciência! Portanto, pode ser “uma falha feliz” que a maioria das pessoas em nossos dias tenha acreditado na narrativa da “superstição explorada”: isso os salva de se envolver em assuntos que estão fadados a entender mal.
Enquanto isso, é claro, a astrologia continua sendo o que é. Lembro-me de um incidente na vida de Niels Bohr em que ele estava levando um amigo para uma cabana na montanha de sua propriedade, quando o visitante notou uma ferradura montada na vertical acima da entrada. “Certamente, professor Bohr, você não acredita que isso possa ter algum efeito?” perguntou o visitante. “Claro que não”, respondeu o grande físico; “mas eles dizem que funciona, quer você acredite ou não.” Bem, a astrologia também. E, apesar do ceticismo predominante entre os cientistas, há exceções notáveis mesmo nessa área; deixe-me terminar esta seção com uma citação de Johannes Kepler – o fundador, se preferir, da astronomia moderna, e nada menos que um heliocentrista. Referindo-se à astrologia, ele escreve: “Mais de vinte anos de prática convenceram meu espírito rebelde de sua validade.”
Em conclusão, gostaria de salientar que a astrologia e a física moderna estão realmente relacionadas: elas provam ser pólos opostos. Pois, enquanto a física é a ciência à qual se chega dividindo o mundo corpóreo em pedaços cada vez menores, reduzindo em última análise o que quer que seja aos seus chamados constituintes “atômicos”, a astrologia opera por uma referência implícita à totalidade máxima: completa-se o mundo corpóreo, por assim dizer, na totalidade tripartida da qual o corpóreo constitui o nível mais baixo. Essa “reversão ontológica”, além disso, acarreta uma mudança etiológica correspondente: da causalidade horizontal para a vertical, ou seja, como já explicamos. A física e a astrologia constituem, portanto, dois extremos opostos: nenhuma causalidade vertical em uma, nenhuma causalidade horizontal na outra. Ou, para colocá-lo em termos ontológicos: por um lado, temos uma ciência baseada no mundo quântico “subexistencial” e, por outro lado, uma ciência que invoca o reino “supra-existencial” que os platônicos chamam de inteligível.
Não devemos deixar de apontar, além disso, que existe ainda uma terceira oposição categórica entre as duas ciências: pois enquanto ambas são em certo sentido “matemáticas”, os tipos de matemática em questão constituem, mais uma vez, opostos diametrais – ponto que abordamos anteriormente. E isso prova ser crucialmente significativo. Esquecemos que a matemática per se não se reduz a seus gêneros pós-iluministas: já que existem formas de matemática que remontam pelo menos aos pitagóricos, nas quais a aritmética e a geometria estão irredutivelmente separadas e os “números” consistem simplesmente em números inteiros e seus proporções. O que nos confronta nesta matemática pré-iluminista há muito esquecida é uma ciência em que o “número” não se reduz a uma quantidade absoluta, mas retém um significado qualitativo – pode-se dizer, na verdade, um significado ontológico. E, como já notamos, essa matemática foi de fato cultivada vigorosamente nas escolas filosóficas — e particularmente na platônica — e está intimamente ligada às artes, especialmente à música e à arquitetura. É a matemática que nos fala nas fugas de Johann Sebastian Bach e nas grandes catedrais da Europa, do tipo que inspirou Jean Mignot a dizer: “ars sine scientia nihil”. A matemática ligada ao reino qualitativo, como exemplificado de forma tão impressionante na harmonia musical, onde, como observamos, um meio-tom pode levá-lo “do mundo do Sol para o da Lua” – e quem sabe o que isso significa, até que ele “ouviu” no fundo de sua alma!
Se a física e a astrologia modernas – a ciência das partes infinitesimais e a ciência da totalidade máxima – provam ser, em todos os aspectos, “opostos polares”, é de se admirar que, em uma civilização dominada pela física, a astrologia não deva ser tida em alta estima? O fato, aliás, de que essa “ciência da totalidade” se mostre “incuravelmente” platônica serve em si para alienar o físico, ancorado como tende a estar em uma ontologia pós-galileana que constitui seu próprio antípoda. É necessário, portanto, entender que o atual rebaixamento da astrologia ao status de pseudociência, longe de ser baseado em evidências científicas, repousa diretamente em fundamentos pseudofilosóficos: nas próprias premissas, a saber, que definem o Zeitgeist do nosso tempo. Reconhecidamente, a filosofia como disciplina acadêmica tem pouco peso hoje em dia e quase não toca mais em questões metafísicas; ainda assim, em sua capacidade de fechar nossos olhos para a existência de esferas superiores, sua proeza permanece inalterada desde os dias de glória de Hume, Kant e Hegel.
Na verdade, nem a astrologia – nem sua irmã-ciência, a alquimia – se reduz à proverbial “superstição pré-científica” que dizem ser. Não só, porém, a astrologia tem uma base racional – do tipo mais elevado, como vimos – mas também oferece um serviço que nenhuma outra ciência é capaz de fornecer: um conhecimento fidedigno, ou seja, de quem somos; pois isso é, afinal, o que – à sua maneira – o horóscopo natal implica. A este respeito, a astrologia cumpre uma função que hoje em dia tem sido assumida por várias escolas contemporâneas de psicologia, de uma forma que é ilegítima e potencialmente prejudicial ao extremo, como argumentei em outro lugar.
A astrologia, finalmente, pode abrir nossos olhos para a grandeza inalterada do universo: o fato, antes de tudo, de que este último é na verdade um cosmos distinto de uma confusão de partículas “se movendo sem parar, sem sentido”, como lamenta Whitehead. Ao contrário do que nossas ciências contemporâneas parecem afirmar, a astrologia nos ensina que as coisas existem – não de fato “de baixo para cima” – mas exatamente o contrário: “de cima para baixo”. Na verdade, não são “as partes que fazem o todo”, mas na verdade é o Todo que faz as partes. Quanto a mim, não tenho dúvidas de que a Weltanschauung sobre a qual a astrologia se baseia – e que por sua vez expressa – não é apenas verdadeira, mas normativa para a humanidade em geral: de fato, está em consonância com a verdadeira sophia que permite a arte e cultura humana em seus modos mais elevados e, finalmente, nos permite, Deo volente, vislumbrar – “como através de um espelho obscuro” – o chamado indescritivelmente glorioso e o fim último do nascimento humano.
Artigo publicado originalmente por Dr. Wolfgang Smith no site Philos Sophia.
https://philos-sophia.org/wolfgangsmith/