Algumas Observações sobre a Logofobia Brasileira – Tiago Barreira

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por Tiago Barreira

O brasileiro despreza tudo o que é abstrato e não relacionado imediatamente aos sentidos. O pensamento teórico é tido como de pouca praticidade, que não leva a lugar algum.  Como exemplo: alguém muito estudioso e lógico, capaz de enxergar e observar na realidade encadeamentos e relações de causa e consequência, é tido como pessoa que vive em “outro mundo”. Esse viver em “outro mundo” é algo a ser desincentivado pelo público, que aconselham a esta pessoa a “pensar menos”, e a ser mais realista e prático.

Na verdade, esta pessoa não vive uma realidade nas nuvens, e sim em uma realidade mais profunda, que dá sentido e completa o mundo imediato dos sentidos e das aparências.  Ele consegue distinguir entre os fenômenos caóticos em sua volta uma unidade do real. Essa é a ideia por trás da Alegoria da Caverna platônica. Quem usa ativamente o intelecto consegue enxergar diretamente as luzes que dão cor aos objetos que o circundam, ao invés da sombra projetada em uma caverna.

Platão reconhecia que toda passagem do mundo das aparências para o mundo das ideias se dá de maneira traumática, sempre alvo de desconfiança de seus pares. O problema é que no Brasil essa passagem do mundo das sombras às ideias se dá de uma maneira muito traumática. Esse problema é amplificado pela visão gnóstica em nossa cultura, que vê o mundo das ideias e aparências não somente distintas, como também antagônicas. Aquele que vive uma vida intelectual não é visto como um amante da realidade concreta, mas um revolucionário que busca destruí-la. Conhecer é criticar, é mudar, é questionar, é se revoltar contra “tudo o que está aí”. Para a nossa cultura, quanto mais insatisfeito com a realidade sensível e concreto, mais inteligente você é, e assim, mais purificado e próximo do mundo incorpóreo das ideias perfeitas você está. Esta acese da destruição está por trás de todo o medo cultural da inteligência, na qual se acredita que as duas estão necessariamente conectadas. Pensar é coisa de intelectuais, de artistas e drogados, não leva a lugar nenhum, vamos trabalhar e fazer alguma coisa que preste.

Três consequências disso: a primeira é o empobrecimento e esvaziamento de todo o dinamismo intelectual de nosso país ao colocar o intelecto como inimigo da realidade. A educação fica comprometida, o nível dos debates empobrecem, a alta cultura desaparece. De outro, afasta-se os intelectuais das pessoas comuns, transformando-os em uma seita hermética e fechada, a ser acessada por pessoas iniciadas, os insatisfeitos da “Matrix”. E por último, loteia-se a classe artística e pensante por pessoas de baixíssima moralidade e caráter, que transferem todos os seus vícios e limitações a um sistema opressor, se vitimizando e não assumindo uma postura responsável e prudente por suas ações. Não é de se espantar que os cursos de Ciências Sociais, História, Pedagogia e Letras estejam repletos de “questionadores”, e contra o “sistema”.

Esse medo da inteligência na cultura brasileira também explica a incultura da direita brasileira. Se o intelecto leva à desordem e subversão, nada mais “prudente” do que evitá-lo ao máximo. A vida intelectual para o direitista é viver segundo ilusões caóticas, incapaz de enxergar relações estruturais mais profundas da realidade como movimentos históricos políticos, suas intenções e projetos de poder. O socialismo fabiano é a grande força ideológica no Ocidente desde meados do século XX, e inspiradora de todos os organismos internacionais de “governança global”. O Foro de São Paulo é uma grande força ideológica e  política na América Latina há décadas, por trás da subida ao poder de regimes de esquerda, além do suporte financeiro a guerrilhas de extrema-esquerda. O extremismo terrorista é um grande braço do fundamentalismo islâmico. Nesse contexto, limitar as causas de todos os grandes acontecimentos globais a “intolerância”, “populismo” e “extremismo”, não pode ser explicado somente por falta de entendimento o assunto, mas sim pelo desejo deliberado da ignorância e o medo de saber o que as coisas são.

 

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional do Ágora Perene.

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