Towards a Hebrew humanism

A língua hebraica e os textos aos quais ela está substancialmente ligada e que são revelados apenas por meio dela são o veículo para uma sabedoria difícil, preocupada com verdades que se correlacionam com virtudes. Essa sabedoria é tão necessária quanto o legado greco-romano.

Emmanuel Levinas

Filósofo francês de origem lituana. Professor da Sorbonne.

Translation by Estevan de Negreiros Ketzer

Psicólogo clínico. Doutor em Letras (PUCRS). Email: [email protected].

Neste ponto da metade do nosso século, ao lado do Estado de Israel que luta por sua existência, o judaísmo da diáspora busca um conteúdo. Grupos limitados têm laços com a sinagoga, mas nem sempre têm certeza de que seus filhos terão os mesmos laços. Em todas as classes sociais, a piedade que antes unia as comunidades tornou-se mais fraca. As civilizações vizinhas exercem um poder sedutor irresistível sobre a geração mais jovem por meio de seus valores artísticos, experiências sociais e ideais políticos. A adesão consciente e inconsciente às grandes nações históricas do Ocidente dificilmente é colorida por um sentimentalismo judaico. O judaísmo não é mais uma religião nem uma nação separada. Uma existência não pode realmente ser deduzida de uma essência tão inconsistente.

Aqueles que não se resignam a esse fim recorrem ao hebraico e à escola judaica onde seus filhos são ensinados. Aqui, novamente, eles não são poupados de sofrimento. Se comporta como uma língua viva para aprender? E a escola judaica não significa um retorno à escola confessional?

Gostaríamos de mostrar que, sem prejudicar as ordens religiosas, o ensino do hebraico e a escola judaica, que deveria ver tal ensino como sua principal vocação, não traem de forma alguma os ideais da escola secular, e que o próprio estudo do hebraico dá suporte ao que hoje pode dar sentido ao judaísmo. Ela se inclina ao humanismo hebraico, que não pode permanecer indiferente ao mundo moderno, aonde se encontra toda a busca uma humanidade.

Um humanismo hebraico: a expressão parece tão suspeita pelo seu substantivo quanto pelo seu adjetivo! Humanismo, uma palavra muito usada, mal usada e ambígua, pode, no entanto, designar um sistema de princípios e disciplinas que libertam a vida humana do prestígio dos mitos, da discórdia que eles introduzem nas ideias e da crueldade que perpetuam nos costumes sociais. Mas, nesse caso, já definimos não apenas o humanismo, mas o humanismo hebraico. Sua noção permanece laica. Ela não esgota a essência de todas as formas que o judaísmo adotou ao longo dos tempos, mas não está ausente de nenhuma delas. É muito verdade que o judaísmo ainda se encontra na encruzilhada da fé e da lógica.

Mendelssohn apresentou aos modernos uma visão que Espinosa havia tomado emprestado de Maimônides: o monoteísmo mais antigo não é uma religião revelada, mas uma Lei revelada. Sua verdade é universal como a razão; sua regra e instituições morais, são o suporte particular do judaísmo, preservam essa verdade da corrupção. A excelência do judaísmo já consiste em não se substituir pela razão e não violentar o espírito. Mas sua genialidade é prática: parece evitar, em sua conquista do intelecto, a doutrina no pensamento do homem. Existiria, então, uma erosão dos valores preservados ou transmitidos em um estado de abstração. Existiria uma relação notável entre a natureza espiritual das ideias e a natureza carnal dos hábitos sociais, um elemento no qual as verdades finais são preservadas inalteradas e do qual elas extraem seu poder.

O século XVIII, apaixonado pelas verdades eternas a ponto de acreditá-las ativas e eficazes mesmo em um estado de pálidas abstrações, não ignorou, portanto, completamente os perigos apresentados pela maneira como os costumes sociais não acompanham as ideias e, em suma, a inconsistência das verdades quando separadas da conduta, em ideias sem cultura. É por isso que as ideias universais se espalham por toda parte, mesmo além da Europa, e não preservam sua verdadeira face em lugar algum! O intelecto puro pode escalar grandes alturas, mas não pode permanecer lá. A razão, soberana e sujeita à verdade, sucumbe à idolatria dos mitos que a tentam, traem e a acorrentam. A verdade segundo o judaísmo encontra um simbolismo fiel que a preserva da imaginação apenas em atitudes práticas, em uma Lei. Os grandes textos do judaísmo rabínico, inseparáveis ​​da Bíblia, expõem essa lei que sustenta as grandes verdades. Certamente, eles não o expõem como um código, nem como um tratado dogmático, nem como uma coleção de citações a serem usadas por teólogos ou como receitas para a espiritualidade. Eles refletem um mundo inteiro que deve ser adentrado pacientemente – como o mundo grego, por exemplo – à custa de disciplina, trabalho, método e gramática, mas também com um senso aguçado do problema espiritual e não apenas filológico: com a natureza intrépida do espírito inquisitivo. É antes de tudo – no sentido superior do termo – uma literatura e uma civilização.

O monoteísmo que o traz à vida – a mais perigosa, pois a mais elevada das abstrações – não consiste em preparar o homem, com todas as suas débeis imperfeições, para um encontro privado com um Deus consolador; mas em trazer a presença divina ao esforço justo e humano, como se traz a luz do dia ao olho humano, o único órgão capaz de vê-la. A visão de Deus é um ato moral. Essa ótica é uma ética. Sejamos cautelosos com os contatos diretos, que são um processo de tentativa e erro.

A Bíblia, esclarecida e acentuada pelos comentários da grande era que precede e sucede à destruição do Segundo Templo, quando uma tradição antiga e ininterrupta finalmente floresce, é um livro que nos conduz não ao mistério de Deus, mas às tarefas humanas do homem. O monoteísmo é um humanismo. Somente os simplórios o transformaram em uma aritmética teológica. Os livros nos quais esse humanismo está inscrito aguardam seus humanistas. A tarefa para aqueles que desejam continuar o judaísmo consiste em abrir esses livros. Esta é a missão monoteísta de Israel – se é que ainda se pode orgulhar dela, afinal, aqueles que, ignorando as fontes, os livros e as virtudes do judaísmo, se gabam de ensinar a unicidade de Deus aos povos da Terra que, melhor do que nós, conhecem essa abstração.

O não com que os judeus, tão perigosamente ao longo dos séculos, responderam aos apelos da Igreja não expressa uma teimosia absurda, mas a convicção de que importantes verdades humanas do Antigo Testamento estavam se perdendo na teologia do Novo Testamento. Mas, sem o Talmud, seríamos capazes de oferecer apenas a alternativa de nossa própria leitura hesitante, uma sabedoria individual, à tradição cristã (ainda que mais recente que a de nossos Doutores). Refugiando-se em nossos antigos fólios, as verdades do humanismo judaico tornaram-se o pensamento de um povo isolado. A paixão pela justiça que despertou o Ocidente após o Renascimento rompeu esse isolamento, mas fez com que os judeus perdessem o segredo de sua ciência, da qual não suspeitavam além de algumas lembranças retiradas de escritos traduzidos.

A língua hebraica e os textos aos quais ela está substancialmente ligada e que são revelados apenas por meio dela são o veículo para uma sabedoria difícil, preocupada com verdades que se correlacionam com virtudes. Essa sabedoria é tão necessária quanto o legado greco-romano. Estabelecida na Bíblia Hebraica, na Mishná e na Guemará, essa civilização construída sobre a justiça se desdobra na ciência. É tão inepto censurar essa ciência por sua meticulosidade e sutis distinções quanto seria estúpido denunciá-las na matemática. O surgimento dessa ciência é uma escola.

Marc Cohn relembrou recentemente o desejo de Rabelais de ver uma cultura que incluísse, além do grego e do latim, tanto a língua árabe quanto a língua hebraica. Alcofribas Nasier, um abstracionista da quintessência, isolou os elementos do novo mundo. A escola judaica da diáspora pode servir a esse ideal, instituindo estudos hebraicos que não levam o homem a uma sabedoria exótica, mas despertam uma das almas de sua alma. Eles anunciam um homem liberto de mitos e identificam o espírito com a justiça.

O raro privilégio da religião judaica consiste em promover como uma das virtudes mais elevadas o conhecimento de suas próprias fontes. Esse conhecimento pode levar almas piedosas a formas de vida que exigem opções ulteriores. Não impõe o sacrifício de um galo no Esculápio[1]. O terreno permanece neutro. Deste ponto em diante, não é este o terreno em que uma Aliança Judaica deveria continuar hoje? Esta Aliança não buscaria exigir uma negação impossível de pertencimento nacional nem prejudicar o compromisso religioso. A descoberta e a preservação do humanismo hebraico já seria uma razão de ser suficiente para a escola judaica, em um mundo onde nós queremos, acima de tudo, ver uma educação que não separe os homens. Ela não envolve, de forma alguma, a manutenção de crenças que dividam, mas busca salvar do esquecimento as notas que, ao longo dos séculos, tem feito essas mesmas crenças, notas são indispensáveis ​​à harmonia humana.

Tradução do original em francês “Pour un humanisme hebraïque” retirado do livro Difficile Liberté: essais sur le judaïsme. Paris:  Albin Michel, 1976, p. 406-411.


[1] Sócrates, antes de morrer, pediu a Críton, seu amigo, que sacrificasse um galo a Esculápio, ou Asclépio, pois o deus era conhecido por curar doenças, segundo o diálogo Fédon, de Platão. Contudo, O ritual de Kaparot, envolve girar um galo ou galinha sobre a cabeça no dia anterior ao Yom Kippur, dia do perdão, para o judaísmo tradicional e doar o animal para caridade (N. do T.).

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