Catolicismo e Capitalismo: a crítica distributivista em Chesterton versus a apologia austríaca em Thomas Woods – Tiago Barreira

O artigo abaixo visa comparar a teoria econômica distributivista de G.K Chesterton e Hilaire Belloc e a sua crítica do capitalismo, em contraste com a abordagem católica da teoria econômica austríaca de defesa da economia de mercado, estabelecida pelo historiador Thomas Woods Jr. Sendo um tema de grande potencial para intercâmbio de ideias entre os dois lados, faço uma pequena contribuição para o debate e esclareço meu posicionamento.

Por Tiago Barreira

1)A tradição católica e a escola austríaca

A escola austríaca de economia defende a praxeologia. Segundo a praxeologia, o homem age e toma decisões visando sair de uma situação que considera menos satisfatória para uma outra mais satisfatória. Neste sentido, a economia de mercado consiste na livre e espontânea ação de seres humanos, que avaliam a todo momento bens que desejam produzir, comprar e vender, em busca da satisfação de suas necessidades.

Esse fato foi enunciado primeiramente por Ludwig von Mises em sua obra clássica Ação Humana. A praxeologia de Mises, apesar de ser explicado por este à maneira modernista e kantiana, também encontra paralelos na tradição escolástica católica. É o que mostra o historiador Thomas Woods Jr, em seu livro The Church and the Market: A catholic defense of the free economy. Nesta obra, Woods mostra como o pensamento econômico liberal e sua doutrina subjetivista do valor se desenvolveu no seio da Igreja Católica.

Segundo Woods, o conceito de mão invisível, que coordena e garante a harmonização social de interesses e escolhas individuais espontâneas em um mercado, não teria se iniciado com Adam Smith e com os economistas clássicos do século XVIII. Os primeiros a desenvolver esta ideia-chave da economia liberal foram os Escolásticos tardios do século XVI e XVII, representados por estudiosos como Juan de Mariana, San Bernardino de Siena e Sant’Antonio de Florença. Os escolásticos tardios, ao desenvolverem seu pensamento a partir de deduções lógicas de princípios morais estabelecidos pela Lei Natural, foram os pioneiros na crítica do intervencionismo estatal sobre o mercado, defendendo a liberdade de negociação de preços e salários. Neste sentido, os escolásticos tardios foram os primeiros pensadores da história a ter um entendimento sobre o real funcionamento do mercado.

Usando a prova lógica, os escolásticos tardios argumentavam como as regulações impostas pelas guildas levariam a fins contrários ao que se pretendiam inicialmente. Estes criticavam as regulações das corporações de artesãos sobre os salários como geradoras de desemprego e o controle de preços como prejudiciais ao consumidor. Os escolásticos tardios defendiam a ideia de que há uma lei natural de mercado, imposta pela Divina Providência, que impera sobre todas as demais convenções sociais humanas e sobre a qual estas deveriam se adequar.

Também segundo Woods, tal pensamento estava inteiramente baseado na tradição católica de harmonia entre os fenômenos naturais e vontade divina. Todas as coisas têm um propósito e servem a um plano providencial. Não é papel do ser humano definir esses propósitos conforme a sua vontade. Além disso, a Igreja nunca considerou a vontade de Deus arbitrária. Uma ação é boa não porque Deus disse que era assim, mas Deus disse isso porque eram boas. O Bem é um valor universal acessível a todos racionalmente, pelo intelecto humano. Fé e razão assim nunca entraram em contradição de acordo com o pensamento católico. Santo Tomás de Aquino desenvolveu a teologia católica abraçando o pensamento filosófico do muçulmano Avicena e o pagão Aristóteles. O mesmo vale para a Escola Austríaca. A lei econômica evidenciada pela a dedução lógica de um fato auto-evidente, que é a ação humana, tem como base a mesma ordem natural e moral criada por Deus. O apóstolo Paulo sintetiza isso como “Pois nele vivemos, nos movemos e existimos” (Atos, 17:28).

2)O historicismo

Infelizmente, o pensamento econômico dos Escolásticos tardios foi perdido e a Igreja nunca a incorporou como parte de sua doutrina oficial. Na verdade, a maioria dos escolásticos eram contrários a regulação de preços, com exceção de um escolástico heterodoxo. Woods afirma:

“Uma exceção a esse consenso (dos escolásticos tardios) foi Heinrich von Langenstein. Langenstein na verdade defendeu a fixação de preços pelo governo de modo a estabelecer um “preço justo”. Um bom propósito que poderia atender a essa fixação de preços, ele defendia, era que cada vendedor poderia manter seu nível de subsistência. Qualquer um que tentasse avançar além desse nível seria culpado de avareza. Essa posição havia sido explicitamente rejeitada por Santo Tomás de Aquino. ”

No século XIX, historiadores alemães criariam um falso mito sobre o pensamento econômico medieval, e uma ênfase excessiva foi dada a von Langenstein e sua concepção anti-racionalista de preço justo. Woods continua:

“Esses historiadores glorificaram uma sociedade de status não-existente na qual cada pessoa e grupo se encontrava em uma estrutura hierárquica harmoniosa, não perturbada por relações de mercado ou ganância capitalista. […] Essa visão deturpada da Idade Média e doutrina escolástica foi primeiro proposta por socialista alemães e historiadores corporativistas estatistas Wilhelm Roschner e Werner Sombart, entre o final do século XIX e o início do século XX.”

Essas teorias historicistas sobre a economia rejeitariam os pressupostos da lei econômica, esta tida como um abstratismo lógico generalizante e legitimador de injustiças. As relações econômicas seriam apenas produtos arbitrários e circunstanciais do acaso, sem nenhum fundamento em um plano de harmonização providencial, e portanto passíveis de serem corrigidas pela vontade humana em nome da “justiça”. Em outras palavras, a crítica historicista da economia de mercado estabeleceu que não deveria existir preço de mercado definido por oferta e demanda de indivíduos, mas “preços justos” fixados voluntariamente por guildas e governos.

Como consequência, um salário não mais é definido pela lei natural do mercado, pelo qual, através da mão invisível providencial, equaciona-se a demanda por trabalho necessitado por empregadores com o trabalho ofertado por trabalhadores em um mercado. O nível de salário, para o historicista, deve ser determinada compulsoriamente ao empregador conforme critérios de subsistência do trabalhador.

A Doutrina Social da Igreja muito incorporaria dessas ideias. Segundo a Rerum Novarum:

“Façam, pois, o patrão e o operário todas as convenções que lhes aprouver, cheguem, inclusivamente, a acordar na cifra do salário: acima da sua livre vontade está uma lei de justiça natural, mais elevada e mais antiga, a saber, que o salário não deve ser insuficiente para assegurar a subsistência do operário sóbrio e honrado. Mas se, constrangido pela necessidade ou forçado pelo receio dum mal maior, aceita condições duras que por outro lado lhe não seria permitido recusar, porque lhe são impostas pelo patrão ou por quem faz oferta do trabalho, então é isto sofrer uma violência contra a qual a justiça protesta. “

Essa constituiria a formulação moderna de salário justo. É importante destacar que de nenhuma forma busca-se diminuir a atenção para os problemas do abusos do trabalho compulsório e forçado. Tais preocupações são dignamente justas e se relacionam com a preocupação cristã de dignidade da pessoa humana. O ponto central que busco esclarecer é que tais propósitos de dignidade humana jamais serão alcançados se não considerarmos a relevância da lei econômica como meio de alcançá-la. Isso implica em dizer que não é possível definir um salário humanamente justo sem que haja livre vontade entre operário e patrão, ausentes de interferência externa.

Na verdade, a questão da justiça no pagamento de salários é muito mais complexa do que supõem os historicistas, sobre a qual a luz da teoria econômica ajuda em muito a esclarecê-la. Quanto seria a subsistência mínima e qual é a melhor maneira de provê-la aos trabalhadores? Seria a subsistência mínima necessidades de alimentação, reprodução da família, ou mais do que isso? Quanto seria esse “mais do que isso”? O Departamento Intersindical Estatística e Estudos Sócio Econômicos (DIEESE) considera, por exemplo, um critério de salário digno ao trabalhador como um valor pertencente à faixa de 3000 reais. Trata-se de um valor seria incompatível, por exemplo, para a indústria brasileira contratar trabalhadores a essa remuneração. A teoria econômica também mostra que o período que se seguiu a Revolução Industrial apresentou grandes ganhos de produtividade do trabalho e levou ao aumento contínuo dos salários. Em países como os EUA, salários reais da indústria registraram aumento de 50% de 1860 a 1890, e outros 37% de 1890 a 1914, assistindo ao aparecimento de uma grande classe média que até hoje é característico da sociedade americana.

Os historicistas negam a relação entre liberdade de mercado e prosperidade, pois negam a validade universal das leis econômicas na explicação de relações causais de fenômenos sociais. A economia moderna seria um fenômeno histórico e singular, em que o liberalismo econômico é apenas um subproduto ideológico falso e ingênuo.

Os historicistas consideram o pensamento econômico liberal ingênuo porque se uma economia de mercado é deixada operar livremente, esta se torna autodestrutiva. Esta noção de autodestruição do mercado se manifestaria na ideia historicista de que a liberdade de concorrência entre empresas levaria à expulsão de empresas em posição de desvantagem do mercado, culminando na progressiva concentração do mercado nas mãos de empresas em posição de vantagem. Os historicistas respaldam esta tese pela evidência histórica de que, ao longo do desenvolvimento econômico capitalista, uma progressiva concentração das propriedades rurais e monopolização de setores econômicos por poucas famílias e indivíduos teria se verificado.

3)O Distributivismo

Hillaire Belloc, historiador inglês e um dos responsáveis pela conversão católica de G.K Chesterton, muito incorporou a ideia historicista de concentração capitalista. Em sua obra The Servile State, publicada às vésperas da Primeira Guerra Mundial em 1913, lançaria as bases teóricas do pensamento econômico distributivista, a ser desenvolvido posteriormente por Chesterton. Nesta obra, Belloc realiza uma análise sobre as origens históricas do sistema capitalista moderno. Segundo Belloc, o capitalismo teria se originado no século XVI, na Inglaterra, com a destruição das propriedades comunais e eclesiásticas existentes desde o período medieval. Segundo Belloc, esta progressiva destruição das propriedades comunais teria levado ao desalojamento da classe camponesa do meio rural para as cidades, tornando-se ofertantes de mão-de-obra abundante e barata. Para Belloc, é neste desalojamento dos camponeses às cidades, combinado com concentração da propriedade rural na mão de uma classe privilegiada detentora de meios de produção, que estaria as bases da Revolução Industrial inglesa e do capitalismo moderno.

Como consequência Belloc observa uma relação intrínseca entre desenvolvimento econômico capitalista e a presença de grandes propriedades e monopólios empresariais. Esta relação estaria mais do que evidenciada, segundo Belloc, no período do século XIX e início do século XX, quando em plena vigência dos ideais liberais clássicos de livre mercado, foi observada a união entre poder econômico das grandes corporações do setor de aço e petróleo e o poder político, negociador de proteções e privilégios. Belloc concluiu que esta aliança teria sido ocasionada por um livre mercado desenfreado e pelo excesso de competição.

Ao estabelecer esta relação, os distributivistas incorrem em um argumento falacioso. O fato do século XIX ter sido o século do liberalismo clássico não exclui o fato de que tenham existido ações contrárias à corrente de pensamento dominante da época. Na verdade, nenhuma dessas ações podem ser atribuídas claramente a um excesso de competição do mercado. De fato, no século XIX, ainda havia resquícios do protecionismo econômico proveniente do pensamento mercantilista do século anterior, que buscava limitar o livre funcionamento da concorrência em nome de “interesses nacionais”. E foi este resquício de ideias mercantilistas anticoncorrenciais que teria levado à concentração econômica de alguns setores nos Estados Unidos e sobretudo na Alemanha e Japão. Estes dois últimos países, em especial, de longe se assemelhavam ao padrão liberal clássico, sendo marcados por uma agressiva política nacionalista e expansionista militar. O estado alemão, como exemplo, em nome de “interesses nacionais”, promovia a instituição de carteis (um termo de origem alemã) e a oligopolização econômica em setores estratégicos, como o aço. Tratam-se dos mesmos setores acusados erroneamente por Belloc de terem excesso de competição.

4)O romantismo

A crítica à busca do lucro e à especialização do trabalho são outras ideias que se fazem presentes no pensamento distributivista. Segundo os distributivistas, a busca do lucro como um fim em acumulação em si mesmo leva à degradação moral do homem. Para os distributivistas, as relações capitalistas são degradantes moralmente porque são impessoais e visam a fins pragmáticos e utilitários, sendo ausente a proximidade dos envolvidos em um processo produtivo (produtor, trabalhador e consumidor). Esta ausência de pessoalidade nas relações econômicas impediria no homem o surgimento de empatia e sensibilidade moral com os demais envolvidos na estrutura econômica, tornando-o insensível a demandas de caridade com o próximo.

Como consequência, distributivistas defendem uma economia pessoal baseada em maior autonomia produtiva de comunidades locais, com baixíssimo grau de especialização produtiva e comércio impessoal com outras comunidades, de modo a favorecer a empatia a nível local. Neste sentido, estes terminam por defender uma concepção de propriedade privada avessa a qualquer tipo de especialização produtiva, pois são vistas como trocas comerciais impessoais. Esta ideia seria sintetizada na máxima de Chesterton de que, em uma economia distributivista, cada indivíduo deva possuir “três alqueires e uma vaca”.

Esta mentalidade sentimental e anti-utilitária da sociedade é característica do pensamento romântico. O romantismo emergiu no século XIX, como uma crítica ao iluminismo vigente no século XVIII e à sua concepção mecanicista e racionalista da sociedade. Muito do distributivismo foi influenciado pela crítica romântica da ganância capitalista e da avareza calculista do empresário, tão exposta em romances célebres da literatura do século XIX, como Charles Dickens.

Na verdade, a impessoalidade das relações produtivas, tão denunciada pelos românticos, não implica necessariamente em desumanização dos indivíduos. O mercado é essencialmente um sistema cooperativo que visa atender as necessidades humanas. Como exposto anteriormente, todas as finalidades visadas prudentemente por um empreendedor em um mercado, por mais insensíveis sentimentalmente que sejam com as pessoas ao redor, terminam por implicar na melhoria indireta de vida destas mesmas pessoas e da sociedade como um conjunto. Através da mão invisível providencial, bens são ofertados a pessoas que necessitam, empregos são oferecidos a pessoas que a buscam. Como evidenciado por Woods, o capitalismo de mercado é sistema de distribuição e alocação de bens e serviços que viabiliza a vida em sociedade, permitindo que pessoas, mesmo com vícios e fraquezas morais, sirvam aos seus semelhantes da melhor forma possível.

O romantismo é fortemente crítico dos conceitos de impessoalidade econômica, da divisão do trabalho, de racionalização e mecanização do processo produtivo. E tais conceitos foram os principais responsáveis pelo desenvolvimento civilizacional, bem como promover a contínua melhoria do padrão de vida dos mais pobres.

O romantismo é produto de um tempo, uma reação exagerada ao pensamento iluminista, que culminou a Revolução Francesa e nas guerras napoleônicas, custando a vida de milhões de europeus. Valorizar excessivamente os sentimentos e paixões emocionais como guia, em detrimento da prudência, pode ser tanto e até mais prejudicial moralmente que a supressão de uma suposta racionalidade fria e gananciosa que eles tanto dizem combater.

5)Conclusão

O distributivismo de Chesterton e Belloc está fundamentado em dois axiomas contrários ao pensamento tradicional católico. Ele adere a concepções do historicismo e do romantismo. Estas foram as mesmas concepções que também inspirariam a ideologia socialista. Este paralelo entre distributivismo e socialismo existe, uma vez que o historicismo e romantismo foram originados na Alemanha do século XIX, em reação ao racionalismo iluminista. Tanto o relativismo historicista como o sentimentalismo romântico são contrários a tradição escolástica católica, de harmonia entre lei natural e a divina.

Em contraste, o liberalismo econômico da escola Austríaca, defendido por Thomas Woods, refuta tanto o historicismo quanto o mecanicismo iluminista do século XVIII. Este se aproxima do pensamento dos escolásticos tardios e da boa tradição cristã, fundada na Lei Natural. Defensores do distributivismo antes de pensarem em reformular o capitalismo, deveriam checar as premissas básicas de sua teoria. Estes deveriam depurar quais os aspectos mais contraditórios com os valores católicos, tão guiados pela luz da Lei Natural.

Referências:

BELLOC, Hilaire. The servile state. TN Foulis, 1913.

BÍBLIA, N. T. Atos dos Apóstolos. Bíblia Sagrada. São Paulo: Editora Ave Maria Ltda., 72ª edição, 1989.

ROTHBARD, Murray N. et al. Economic Thought Before Adam Smith. Books, 1995.
WOODS JR, Thomas E. The church and the market: a Catholic defense of the free economy. Lexington Books, 2015.

XIII, Leão. Carta encíclica Rerum novarum. Edições Loyola, 1966.

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