Tiago Barreira
Não é de se espantar que há muito tempo a classe intelectual vive em todo o mundo um processo de retração do espírito crítico, com obediência cega ao status quo institucional e a falácias argumentativas baseadas na autoridade. Vejam essas agências de Fact-Checking. Uma das características mais marcantes da prática de verificação de notícias tem sido, após pesado escrutínio de notícias (pré)selecionadas, proclamar frases triunfantes tais como “Não é verdade que x é y. Consultamos fulano de tal que disse que x é z.”
Estas agências jornalísticas confundem submissão à verdade factual (algo que todos deveríamos ter) com o discurso afirmativo e propositivo oficial de uma instituição ou indivíduo (que nem sempre é factual e verdadeiro, contingente a uma série de vieses). Ora, sabemos que um fato em si é totalmente distinto do discurso afirmativo de que “isso é um fato”.
Além disso, sabemos que esse tipo de discurso afirmativo nunca pode ser o ponto final de uma investigação científica, mas o ponto de partida desta mesma investigação. Alguém diz “fulano diz que x é z e não y”. Mas por que não poderia ser y? Ele é z e não y em que sentido? Sempre e necessariamente será em z, ou parcialmente e contingente em z sob certas circunstâncias especiais? O discurso de fulano é verdadeiro e sincero? Ou ele está mentindo ou omitindo coisas relevantes em nome de um outro interesse ideológico ou motivação? Por que devemos ouvir fulano que disse que x é z e ignorar sicrano que disse que x é y? O que faz a verdade de um pesar mais ou menos que a verdade de outro? Qual dos dois discursos corresponde com a minha experiência de vida, enquanto sujeito inserido em um mundo real concreto e objetivo?
O processo científico nasce justamente destes questionamentos, havendo contínua suspensão de juízo definitivo sobre discursos, coletando e comparando juízos e discursos opostos contrários entre si, e confrontando-o sistematicamente com a experiência real vivenciada pelo sujeito investigador. Somente daí, após este longo processo, é que podemos alcançar alguma coisa que poderia ser chamada de “fato objetivo”.
Mas hoje em dia, aquilo que é o ponto de partida se tornou a conclusão final, e o espírito cético de confronto dos discursos com o contraditório se tornou “negacionismo”. Vemos um dogmatismo violento se instalar sobre as consciências pensantes, em um gesto de obediência cega e imbecilizante.
Um outro artifício empregado por essas agências jornalísticas é impugnar uma determinada afirmação como “falsa”, em favor de uma outra afirmação, mais precisa e detalhada. É como dizer que “pi é aproximadamente igual a 3” é falsa, pois especialistas da universidade tal encontraram em estudos mais avançados que “pi é aproximadamente igual a 3,141592”.
Neste caso, confundem exatidão e precisão com objetividade. O aspecto descritivo e a mensuração quantitativa dos fatos são aspectos totalmente distintos da discussão a respeito da existência ou não do fato. Mas isso é um cacoete mental típico, herdado das ciências naturais, de que toda forma objetiva de uma coisa precisa ser medida e quantificada com exatidão, e tudo que esteja fora de uma métrica quantitativa exata deve ser impugnado como irreal e subjetivo.
É a velha falácia positivista cartesiana extrapolada às agências de redação. Mas tudo isso confere um ar de prestígio cego à classe jornalística engajada politicamente, sendo mais uma forma de artifício retórico e legitimação ideológica de discursos do que qualquer interesse genuíno pela verdade e fatos.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional do Ágora Perene.