O culto ao “Presentismo” e a Memória Curta dos Brasileiros – Tiago Barreira

Tiago Barreira

Uma das principais marcas do brasileiro contemporâneo é o apego obessivo ao presente e a ausência de uma memória histórica acumulada, até em questões relacionadas ao passado mais imediato. Richard Weaver, em sua clássica obra Ideias Têm Consequências, relata de forma muito impressionante este fenômeno em um capítulo do livro. O fenômeno, denominado de “presentismo”, se encontra tipicamente relacionado ao processo gradual de fragmentação do conhecimento que a modernidade experimentou. Uma fragmentação associada ao advento da figura do especialista e ao ganho de importância do conhecimento analítico e prático das ciências quantitativas e físicas, em detrimento do conhecimento metafísico sintético existente no período medieval.

Segundo Weaver, o culto ao “presentismo” deve ser caracterizado como uma exaltação do homem fragmentado temporalmente, separado existencialmente do passado e futuro, valorizando o Tornar-se em lugar do Ser. O presentismo constituiria uma espécie de provincianismo moderno, na medida em que se recusa a “olhar além do horizonte do momento atual”, assim como o camponês provinciano se recusa a olhar para tudo que esteja além de sua propriedade.

O “presentismo” também configuraria uma espécie de fenômeno psicopático, uma vez em que implica na “diminuição da capacidade de memorização”, passando a orientar-se segundo instintos e sensações. O olhar franco para o passado, segundo Weaver, ensina lições penetrantes de limitação e retribuição, inspirando ações justas e de autodomínio moral aos homens. Um olhar franco que tenderia a desagradar mentes delicadas e sensíveis, incitando-as à rebelião contra a memória.

Esta rebelião contra a memória, potencializada com o advento da era industrial e das massas urbanas, gerou implicações profundas na psique social. Nas palavras de Weaver:

“Sobre o presentismo, é interessante observar que as pessoas que vivem próximas da terra parecem ter memórias mais completas do que as massas urbanas. No primeiro caso, as tradições sobrevivem por várias gerações: o que seus avós fizeram ainda é real. Por essa razão, podemos dizer que são capazes de assimilar lições. O provinciano temporal compreende que a interpretação do passado requer reflexão e generalização, algo que lhe conduz para além do momento atual. Ele se apega aos fragmentos temporais. De modo mais fundamental, ele se opõe à eternidade, embora o eterno não possa obscurecer-se ou evadir-se permanentemente: ele está sempre conosco, como uma sombra monitoradora. A mera possibilidade de que existam verdades eternas é uma espécie de reprovação da vida de frouxidão e indiferença encorajada pelo egoísmo moderno. É muito provável, portanto, que a concentração no momento presente seja mais uma manifestação da obsessão.” [1]

Uma obsessão que se mostra nitidamente no dia a dia das manchetes midiáticas brasileiras. E aos poucos, apaga-se o passado recente ao brasileiro, mergulhado em um caldeirão confuso e indistinguível de insatisfação contra “tudo o que está aí”. E criminosos outrora ostracizados são gradualmente reabilitados como heróis do dia para noite. E até um dia tornarem-se presidentes.

[1] Weaver, Richard. “Ideias Têm Consequências”. 2. ed. São Paulo: É Realizações 2016. pp. 83

 

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