
A Anima Mundi (ou “Alma do mundo”) é uma concepção metafísica originada por Platão, e foi aprofundada e sistematizada posteriormente pelo pensamento estoico e neoplatônico, em especial por Plotino (205 – 270 d.C). Trata-se de uma ideia que assume o universo como um grande organismo vivo. É como se cada ser existente e presente no mundo, seja ele da forma material vegetativa, animal ou racional humana, constituísse uma parte deste todo, ao qual estivesse a ele integrado de forma harmônica. É a Anima Mundi que põe vida e movimento às almas individuais, que são partes integrantes deste todo.
Sem a Anima Mundi, não haveria atividade viva e dinamismo no universo, e todas as coisas nada mais seriam do que matéria inerte, tal como cadáveres. Cada alma individual, neste sentido, estaria individualmente conectada a esta grande coletividade viva, de modo que todas as atividades aparentemente dispersas e caóticas no mundo sensível nada mais fossem do que manifestações de uma única força vital universal. O caminho para a transcendência da alma humana individual, neste sentido, tal como preconizada pelos estóicos, se daria pela contemplação intelectual da beleza desta unidade harmônica do universo, ao qual este é uma parte do Todo.
Esta unidade vital coletiva de nenhuma forma corresponderia à ideia de um Deus criador, tal como afirmaria o monoteísmo judaico-cristão, e nem a um Deus transcendente, tal como seria o Motor imóvel de Aristóteles. Ambas estas concepções de Deus tenderiam a assumir a ideia de uma inteligência preexistente ao mundo, separado e distante deste, e hierarquicamente superior ao mundo.
Enquanto o Deus transcendente cria o mundo até certo momento no tempo, para deixá-lo sozinho em seguida funcionando passivamente segundo leis externas, a Anima Mundi é um Deus imanente continuamente criador do mundo, intervindo de forma mais direta nos acontecimentos deste. Sempre presente e participante, até em seus mais ínfimos detalhes, é como se a inteligência divina se identificasse com o próprio mundo. E como se o mundo criado se confundisse com o próprio Deus criador ativo e autodeterminado, formulador e seguidor de suas próprias leis, no lugar de ser uma mera obra de criação passiva e orientada segundo leis externas naturais e morais.
“Sem a Anima Mundi, não haveria atividade viva e dinamismo no universo, e todas as coisas nada mais seriam do que matéria inerte, tal como cadáveres. Cada alma individual, neste sentido, estaria individualmente conectada a esta grande coletividade viva, de modo que todas as atividades aparentemente dispersas e caóticas no mundo sensível nada mais fossem do que manifestações de uma única força vital universal. “
Portanto, o mecanicismo físico não teria lugar no mundo divinizado imanente da Anima Mundi. É importante frisar que a Anima Mundi põe atividade e movimento ao mundo não somente através de seres vivos, como também através de seres não-vivos. Pois para a metafísica antiga, e em grande contraste à física mecanicista moderna, os entes materiais físicos são compostos de forma e matéria, carregando também de algum modo elementos espirituais anímicos e ativos, ainda que a uma escala menor que entes vivos. Trata-se de um mundo totalmente dotado de propriedades mágicas e espirituais, abarcando desde pedras até planetas e estrelas celestes, e ao qual em tudo estaria contido elementos de contínua atividade divina.
Esta grande alma coletiva autodeterminada representou um aprofundamento das noções originais de Platão sobre as matérias sensíveis enquanto seres participantes de ideias do mundo inteligível. Esta nova noção representou também um ponto de virada importante na história do pensamento filosófico ocidental, e exerceria influência em vários pensadores e correntes de pensamento posteriores.
O próprio cristianismo absorveria em parte os atributos de imanência da Anima Mundi em sua concepção de Deus cristão, simultaneamente transcendente e imanente ao mundo, tal como exposta por Paulo, ao afirmar que através deste “vivemos, nos movemos e existimos”. A imanência divina também estaria presente no cristianismo através do mistério da comunidade cristã enquanto grande corpo místico de Cristo.
A ideia de uma alma coletiva imanente ao mundo permearia também outras noções de inteligência coletiva diretora, com o advento da modernidade. Esta divindade coletiva se faria presente em parte nas noções panteístas imanentistas de Espinosa, em sua concepção de Deus enquanto Natureza Naturante.
“É importante frisar que a Anima Mundi põe atividade e movimento ao mundo não somente através de seres vivos, como também através de seres não-vivos. […] Trata-se de um mundo totalmente dotado de propriedades mágicas e espirituais, abarcando desde pedras até planetas e estrelas celestes, e ao qual em tudo estaria contido elementos de contínua atividade divina.“
E por fim, a ideia de Anima Mundi se faria presente de forma ainda mais explícita no pensamento idealista alemão e no romantismo. Vemos, por exemplo, esta concepção em Hegel através da ideia de Razão histórica como uma alma coletiva diretora dos destinos da humanidade, que se encarnaria na sua forma mais perfeita através do Estado. O coletivismo totalitário de ideologias modernas e pós-modernas de certa forma carrega resquícios desta concepção de uma coletividade enquanto uma grande força vital autônoma, autora e criadora de suas próprias leis e de seu próprio destino histórico. Leis estas que são totalmente independentes de condicionalidades de leis morais, econômicas e da natureza física.
Como se pode notar, a ideia de uma alma coletiva imanente ao mundo, embora inicialmente dotada de fins ascéticos contemplativos do ponto de vista individual, tal como na visão estoica, passaria na modernidade a assumir implicações práticas de ordem coletivista e política, e altamente destrutivas do ponto de vista humano, estando no cerne de ideologias totalitárias.
Paradoxalmente, a mesma modernidade que abraça visões de unidade espiritual coletivista no campo político também abraça visões positivistas nas ciências naturais, que são abertamente anti-metafísicas e anti-espirituais. Visões estas aos quais, negando o status ontológico à Anima Mundi e à existência de um universo harmonicamente ordenado, conduzem o homem moderno a um grande vazio espiritual e ceticismo dado as dúvidas epistemológicas geradas sobre a realidade.
Em contraponto à via coletivista, outras vias devem ser buscadas do ponto de vista individual, de modo a se restaurar um senso de unidade espiritual entre o homem e o mundo, tal como existia entre os antigos. Uma vida intelectual contemplativa individual e um bom contato com a metafísica tradicional é um dos caminhos para superar as angústias geradas pelo vazio metafísico moderno.
Tiago Barreira
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional do Ágora Perene.