
Leandro Santtos, Escola de Saberes Tradicionais
Os antigos medievais sentiriam nojo se vissem o que lhes prosseguiu na história; os mais reflexivos se perguntariam no que erraram para que o fruto das eras fosse tão inapto e ingênuo; os mais combativos se perguntariam sobre que concessão fizeram aos seus inimigos para que, já na próxima era, o bastão do saber fosse roubado.
É evidente que algo começou a dar errado já na próprio Idade Média para que, logo após ela, o Renascimento desse parto à Modernidade. Na ponta desta era, os nossos dias, às vezes me pego imaginando paralelos como este, principalmente quando assisto alguma apresentação de algum dos, autointitulados filósofos, letrados de universidade.
Como na Grécia Antiga, no período que se seguiu à democracia, o filosofar de hoje voltou-se aos dilemas existenciais de bem-estar e felicidade. Mas, é risível ver como de lá pra cá a coisa mudou tanto, principalmente na figura de quem se arroga o poder de responder filosoficamente quais são os nossos maiores problemas. Diferente dos estoicos que tinham como valor jamais falar sobre algo que não tivessem pensado por tempo suficiente, os nossos “filósofos” falam e só depois pensam — isso é se eles, sequer, já se deram o luxo de pensar alguma vez na vida.
Não é somente o valor da fala que os antigos tinham como princípio, acima deste inclusive era central dar voz apenas a sujeitos que participavam ou mereciam participar de uma elite intelectual sempre acompanhada com moralidade e autocontrole. A modernidade, ao seu modo, tem suas próprias elites, a diferença é que elas não são tão intelectuais assim, e também que, seus maiores representantes devem vestir, como hábito de fé, sempre a aparência mais estranha, escandalosa e desconstruída possível.
É de praxe ver como questões que envolvam a sexualidade logo despontam numa frase como “essa questão é complexa”; ou ainda como questões sobre a felicidade e o destino humano tenham a primeira premissa erigida em “precisamos nos conscientizar que...”; ou ainda em como, se em questões de propósito e vocação, um bobo da corte sempre chama atenção ao que deve ser “problematizado”. É difícil contrastar uma estátua do Sêneca com o cabelo azul de algum militante.
Do que exatamente devemos nos conscientizar? Ou o que significa, de fato, problematizar um valor de época? E por que, cargas d’água, alguém que se voluntaria em comentar um tema desponta logo de início para sua complexidade? — Perguntas assim são proibidas de serem feita a qualquer professor de universidade. Eles sabem que se meterão em problemas caso tenham que responder sinceramente qualquer uma delas. Por exemplo, se algum anjo de sinceridade os obrigar, algum dia, a responder a terceira pergunta, eles terão que admitir que começar uma explicação dizendo “isso é bem complexo” serve para justificar suas próprias ignorâncias sobre o que dizem.
Foi-se o tempo em que o trabalho social do filósofo era o de aplainar questões difíceis com exposições que reuniam os fragmentos da mente de seus ouvintes sobre os temas complicados. Hoje a regra é falar o que todos já sabem para depois falar o que ninguém entende. Basta repetir “é complexo” e todo mundo sair repetindo como papagaio “isso é complexo, isso é complexo, isso é complexo”. O resultado, por parte da sociedade, é uma cegueira cada vez maior em relação a qualquer tema que demande um pouco de neurônios. Basta dizer “é complexo”.
Diferente dos modernos, que, sem saber responder efetivamente, ensinam de qualquer jeito sobre tudo passando a impressão de que tudo pode ser compreendido, seja pela via de uma revolução cultural ou por via da masturbação de ideias (só um fetiche mórbido em falar abobrinhas pode explicar a devoção quase sexual que os universitários têm quando querem explicar um tema filosófico); os antigos, e do mesmo modo os medievais, reconheciam que há certos temas difíceis de serem apresentados para o grande público. Privavam, por este motivo, alguns de ouvirem os capítulos finais de certas reflexões e quando tratavam de qualquer dificuldade existencial primavam muito mais pela evolução dos estados atuais de seus ouvintes do que, de fato, a exposição exaustiva de qualquer coisa.
Assim foi no início das universidades, onde qualquer pessoa leiga podia se inscrever nas exposições públicas dos mestres escolásticos. Como havia, e há, temas difíceis para a massa, havia também temas difíceis até mesmo para os formadores, e por isso a ordem da compreensão precisa ser levada em conta por qualquer um que se devote ao trabalho intelectual.
“Os antigos, e do mesmo modo os medievais, reconheciam que há certos temas difíceis de serem apresentados para o grande público. Privavam, por este motivo, alguns de ouvirem os capítulos finais de certas reflexões e quando tratavam de qualquer dificuldade existencial primavam muito mais pela evolução dos estados atuais de seus ouvintes do que, de fato, a exposição exaustiva de qualquer coisa.”
As camadas simbólicas do entendimento
A dificuldade para entender um tema era simbolizada como uma viagem celeste, onde os astros representavam níveis ou camadas que deviam ser superadas em certa ordem; e para que se se compreendesse verdadeiramente o indivíduo precisava mostrar para si mesmo que era capaz de atravessar essas camadas. A ideia valia tanto para objetos como para abstrações, era usada tanto em questões práticas quanto existenciais.
Por exemplo, se alguém quisesse compreender melhor o sentido do trabalho, as primeiras explicações voltavam-se aos afetos e emoções que a ideia de trabalhar podia lhe causar. Somente depois de ser capaz de separar o que se sente do que se pensa em relação ao trabalho, a sua explicação racional era dada tanto nas suas origens quanto nas suas finalidades. Depois de compreender racionalmente o trabalho, os ouvintes estavam preparados para enxergar o que, na realidade, servia como objeto de comparação a ele — e esse estágio aparentemente menos importante que os outros dois era a condição sine qua non para que a essência de qualquer coisa fosse realmente compreendida durante um quarto passo que alguns chamavam de iluminação.
A simbolicidade da Lua: os afetos

Percebemos como a ordem era prezada nas exposições dos medievais. O primeiro estágio de compreensão de um objeto era a Lua, porque assim como na noite — na ignorância — ela é o astro mais chamativo; quando não entendemos de verdade alguma coisa, a nossa primeira reação é agir afetivamente em função daquilo que se nos apresenta. Explicações assim já fariam os medievais chamar nossa era de lunar, ou, quem sabe, de infra-lunar, porque todos nossos “filósofos” nada mais sabem fazer que ejacular afetos nas propostas revolucionárias que fazem ao tratar qualquer questão realmente séria.
Se você pensar bem vai ver que a coisa faz sentido. Há noites e nelas só a Lua chama atenção, ela é importante porque ilumina um pouco, mas não é tão confiável porque num mesmo mês ela se apresenta de quatro jeitos, às vezes não oferecendo qualquer luz. Nossos afetos são importantes por serem os responsáveis de reagirem primeiro, mas se eles são nossos guias sempre, provavelmente nos colocaremos em maus-lençóis pelo menos, em 75% das vezes — ficaremos mais confusos e escuros que uma noite de Lua Nova.
A simbolicidade de Mercúrio: a razão

O segundo estágio era definido por Mercúrio, o deus da linguagem dos romanos. Significava dizer que, somente após lidar com nossos afetos em relação a um objeto, incluindo a formação de um bom imaginário sobre ele, é que podíamos abstrai-lo de forma segura, sem confusões e ambiguidades quando fôssemos falar sobre ele.
O mais interessante é que os medievais, colocando a razão na segunda camada de um objeto, passam uma mensagem clara para nós: Para compreender um objeto não basta racionalizá-lo, assim, quem nos dera, se os cientistas modernos ou ainda nossos “tradicionalistas” aprendessem esse fato. O conhecimento verdadeiro de um objeto só pode ser alcançado num quarto estágio, ou na quarta camada, de uma questão, e para chegar nela, os afetos e as abstrações precisam amadurecer num novo nível.
A simbolicidade de Vênus: a iluminação

A Deusa Vênus seria a governante deste terceiro nível anterior à compreensão verdadeira. Nesta terceira camada, o indivíduo era levado a perceber o que podia comparar de um objeto com outro que aparentemente não tivesse nada em comum. Se Mercúrio ensinava a comparação racional de uma espécie de coisa com outra espécie de coisa dentro de um mesmo gênero, Vênus era responsável de mostrar aos filósofos como era possível ver analogias entre entes de gêneros completamente diferentes. É por Vênus, inclusive, que os níveis de um objeto podem ser comparados com uma viagem através de planetas no céu. É por Vênus, inclusive, que o quarto nível — da compreensão plena — podia ser chamado de iluminação.
Se um moderno pensar o motivo do porquê nós intuitivamente comparamos a luz com a compreensão, ele, incapaz de fazer a distinção das camadas medievais, vai buscar em Mercúrio sua explicação. Para os modernos todas as metáforas, analogias e comparações nada mais que são que jogos de linguagem; não é, para eles, como se a natureza de certas coisas naturalmente já contivesse informações sobre outras naturezas que se lhes são remotas. Se os modernos estivessem corretos nisso, dizendo que toda metáfora é fruto da nossa cabeça, seria realmente impossível ter religião, afinal, ninguém viu Deus, não é? E mesmo assim, em todo mundo há uma expressão natural das culturas em comparar Deus a um rei ou a um pai. Como uma coincidência assim é possível se as linguagens diferem tanto de lugar para lugar? Não pergunte isso a um moderno porque ele vai se masturbar linguisticamente enquanto estiver tentando te explicar algo deste nível.
A simbolicidade do Sol: o intelecto

Depois deste nível, o simbólico de Vênus, seria possível chegar ao Sol. Essa superação é simbolizada na mitologia grega, pois, há contos que colocam Afrodite como uma tentadora dos filósofos. E a tentação de Afrodite não era apenas sexual, ela, em seu poder, era capaz de usar qualquer coisa bela para distrair os filósofos de chegarem ao auge de suas reflexões. O Sol é simbolicamente a camada da instrução exatamente porque tal qual o Sol não permite ser visto a olho nu diretamente, mas permite através de suas luzes, que se veja os objetos, há uma Sabedoria Universal que não permite ser vista diretamente mas que se mostra ao revelar o real significado das coisas.
É por isso que os medievais distinguiam o Intelecto da Razão. Racionalmente só se entende aquilo que é possível de ser repetido na frente do espelho, aquilo que cabe em frases e sentenças; intelectualmente, muitas vezes, compreendemos diversas coisas que não são passíveis de uma explicação simples, há algo no homem que entende antes que ele seja capaz de falar e que supera tudo aquilo que ele pode falar.
Depois da camada solar, os medievais ainda se referiam a mais três. Uma voltada a como os objetos da realidade comunicam algum segredo sobre a vocação pessoal do indivíduo; e como toda vocação é um tipo de guerra a ser vencida na vida, este estágio tinha como governante Marte ou Ares. Por fim haviam mais dois níveis, um ativo e outro passivo, que serviriam para entender um pouco melhor sobre o Criador daquele objeto. Júpiter, o maior dos deuses, governaria a parte ativa em nós que pode compreender Deus através de um objeto. Saturno, o mais silente dos deuses, seria a última camada — a do silêncio perante o divino que passivamente compreende o porquê daquele objeto existir e qual aspecto do Divino ele manifesta com essa existência.
Dito de outro modo, Júpiter é a articulação do que ainda não é passivo de entendimento, porque Deus ainda não se revelou completamente ali; e Saturno é o prêmio — a própria sabedoria — que preexiste a qualquer existência, mas que se permite ser vista na mente que humildemente se lembra do Criador diante de um objeto e pode, por causa dessa passividade, receber alguma novidade profunda tendo com intermédio um ente que existe. Em Júpiter se antecipa com a articulação o que ainda não se sabe, mas se suspeita. Em Saturno, a suspeita é iluminada: Deus confirma o que está correto ao coração que fez silêncio para que somente Ele falasse.
O exemplo da simbolicidade do matrimônio

Agora, vamos imaginar, se de repente a Modernidade parasse de ignorar segredos como este. Eu tenho certeza que a taxa de divórcios — só para pegar um tema que causa muitas angústias — diminuiria taxativamente. Lembro-me que na primeira aula de psicanálise que tive na faculdade, a professora nos deu um texto: “Como o ménage à trois pode salvar relações que sofrem com os males do ciúme”; fiquei um pouco constrangido por saber que minha professora, que até se vestia de maneira extremamente decente, gostava de compartilhar o corpo com outros indivíduos além do seu namorado — que ela sempre trazia como exemplo.
A história da dissolução dos casamentos, na modernidade, acompanhou o aumento de putaria generalizada, mas os professores universitários possuem uma teoria diferente: Se está ruim é porque falta mais putaria. É um raciocínio — cá entre nós — invejável pela criatividade, quase genial no próprio estilo, posto que, sem ironia, é preciso ser um gênio para continuar encontrando justificativas tanto tempo depois da origem de uma desgraça. Existe engenhosidade na era moderna, isto é preciso admitir, porque ela não se cansa de encontrar novos motivos para chafurdar nas próprias mazelas.
E é evidente que a instituição do casamento não resiste a tanta criatividade. A Lua necessita de criatividade, mas Mercúrio já é limitado naquilo que pode justificar. Nem tudo é passivo de argumentação, e ainda que, com muita criatividade, seja possível usar um silogismo para justificar o ato de dar para outros que não o seu namorado (no caso da minha antiga professora que nem devia dar para o próprio namorado), é impossível, por exemplo, ler as cartas de Paulo que ensinam sobre casamento numa era como a nossa.
Sim, é exatamente isso que estou falando: É impossível falar de uma verdade plena para alguém que está um nível abaixo dela. Às vezes, falar a verdade dura e crua em certas situações, dar esse susto de luz, é inverter a ordem das coisas. A noite deixaria de ser noite se colocássemos no meio dela um Sol nordestino de verão. Muitas plantas morreriam, o bioma entraria em colapso e uma crise generalizada seria criada. Assim, minha solução para a modernidade é tratá-la com verdades básicas. Fáceis de serem compreendidas, e que sirvam para separar os afetos das razões.
Talvez, se ensinássemos mais sobre a necessidade doentia que os brasileiros têm em tomar a maioria das palavras pelos sentidos que mais agradam, a coisa melhoraria por aqui. E você acha que para fazer algo assim, basta abrir a Bíblia e pregar sobre ela? Tem coisa na Bíblia que serve como antídoto de burrice, porém, em outros capítulos Deus revela porque fez isso ou aquilo, e temos de ser sinceros quanto ao fato de que explicar os motivos de Deus de fazer qualquer coisa para uma cultura criada ao som de Anitta é uma tarefa totalmente infértil. Hoje, um bom apostolado é separar a Lua de Mercúrio, distribuir boas doses de educação dos afetos e ensinar regras para fazer o raciocínio funcionar de maneira decente.
Quando São Paulo ensina aos gálatas, aos coríntios e ao seu discípulo Timóteo, que o casamento representa a relação de Deus com o homem, ele não tá brincando de fazer poesia. Diante da Lua do seu ensino, até é possível pensar nos afetos mais apaixonados do sacrifício cristão como atitudes de um cavalheiro apaixonado; e também concedo que de maneira mercurial, isso explica bem qual é a finalidade do casamento — proteger até a morte aquela que se ama. Entretanto, vamos pensar só um pouco, e chegar à camada venusina: Por que um marido deve amar a esposa como Jesus ama sua Igreja?
E a resposta é simples, apesar de não ser compreendida só pelo texto. Ou seja, eu vou explicar de maneira clara o motivo, mas isso não quer dizer que alguém que leia APENAS o que escrevi vá entender. Já antecipo que será preciso fazer um exercício de imaginação que una minha explicação às circunstâncias concretas do leitor se alguém quiser realmente entender o que vou dizer. O marido é símbolo de Deus para a esposa, e a esposa é símbolo do marido na relação que ele tem com Deus.
Simplificando mais: O que uma mulher precisa passar na vida para perceber que sua existência não faz sentido sem um Protetor Transcendente que dirija sua vida? A mulher, por escolha da natureza, nasce com menos capacidades carnais que os homens, é exatamente por causa dessa condição que se instala logo em sua infância certa necessidade de comparação com os outros. Ao perceber que mesmo na fase adulta ela não será capaz, fisicamente falando, de fazer o que o seu pai, o seu namorado, o seu marido, o seu amigo ou quaisquer outros homens fazem, ela nota que para alcançar certos objetivos é vitalmente necessário que ela esteja unida a alguém que consiga vencer alguns desafios por ela. Do ponto de vista existencial, todas as suas decepções, erros e frustrações sempre terão o gosto desta dependência natural, e a coisa se traduz mais ou menos com pensamentos como: O que faltou para que eu conseguisse ser feliz? Por que os outros conseguem alcançar esses objetivos enquanto eu sou tão incapaz?
É bem verdade que uma cultura feminista pode munir as mulheres de mais oportunidades que as tornem menos dependentes do outro gênero da raça humana, e elas podem internalizar como resposta aos seus próprios fracassos uma vontade decisiva de não procurar depender de ninguém. A coisa, porém, é uma autodenúncia: Quem não depende precisa lutar para justificar publicamente que não precisa depender? Então, existencialmente, é comum para uma mulher pensar que Deus a protege, tanto ordenando providencialmente suas quedas a bons prêmios, quanto dando sentido ao que ela mesma sente, como que respondendo as sensações inesperadas — “intuições femininas” — sobre isso ou aquilo.
Note como qualquer feminista continua defendendo que há na mulher uma capacidade de antecipar conflitos, e que por isso a intuição dela é melhor que a de qualquer homem. Nisso, elas estão corretas, as mulheres antecipam as circunstâncias de uma maneira bem mais clara que os homens, porém, isso não quer dizer que elas são, necessariamente capazes de, só porque preveem melhor, resolver os problemas que chegarão. Um aspecto negativo dessa condição básica, é que a tendência intuitiva de antecipar problemas criva na alma de um indivíduo certo grau de paranoia, e caso alguém duvide do fato psicológico, baste que veja as estatísticas e note como mulheres têm uma propensão maior às paranoias, enquanto os homens tendem a ser obsessivos.
Sendo assim, por que é tão mais familiar para uma mulher chamar Deus de Pai ou de Esposo? Porque é Deus que, na vida, provê o básico para que o indivíduo cresça e se torne capaz de cuidar da sua própria vida, assim como também é Deus que, na vida adulta do indivíduo, continua resolvendo os problemas que ele não consegue resolver apesar de conseguir, às vezes, prevê-los com bastante antecedência. A idade é uma preocupação tipicamente feminina; ainda que a mulher perca bem menos das suas capacidades corporais quando se faz uma comparação com a perca que os homens passam na velhice de sua força e virilidade, a idade se antecipa com mais problematizações às mulheres. Por quê? Eu poderia narrar indefinivelmente como a imagem do casamento, de provimento e proteção na vida adulta, é símbolo da relação de qualquer ser humano com Deus, com inúmeros outros exemplos, mas preciso tratar do outro lado da moeda.
Para o homem, quando se simboliza no casamento e então compara este sacramento com sua vida devocional, ele nota no seu ato alguma aparência com o que Deus já fez por ele. Aqui é importante tomar outra premissa para explicar a camada venusina do casamento, que já é bem conhecida pelos antigos: os homens tendem à racionalidade. Como já se viu acima a racionalidade não é, de longe, o que há de mais superior na compreensão, é apenas um degrau dependente dos demais como qualquer outro.
Na relação com Deus, o homem tem mais dificuldade de projetar Deus no que os outros já fizeram por ele, e é muito mais fácil para ele encontrar semelhança com o Divino no que ele mesmo já fez pelos outros. Logo, entender a direção providencial dos acontecimentos para um homem não tem tanto a ver com a resolução dos problemas que para ele são insolúveis, mas têm a ver com uma capacidade maior, bem maior, infinitamente maior, do poder que ele mesmo tem na sua vida.
Para o homem, contemplar sua esposa, só num segundo momento, se torna o símbolo de sua postura diante de Deus. Eu só posso prover essa mulher porque ela, antes, declarou por mim sua necessidade. Havia uma demanda de solução de problemas na sua vida que ficou mais atenuada com a minha presença, é deste modo que eu devo me colocar diante de Deus se quiser ter mais capacidade de resolver problemas, de alcançar meu propósito na vida. Eu preciso ser como uma esposa ou filha para Deus e permitir que Ele dê a provisão daquilo que não posso alcançar sozinho.
Ou seja, para um apóstolo, o casamento era uma lembrança da relação de Deus com a humanidade, tanto pela ótica feminina como pela ótica masculina. E era evidente para os antigos que para se ver simbolicidade em algo é preciso, antes, separar bem os sonhos e projeções mais afetuosas das razões e finalidades que são possíveis depreender de qualquer coisa na vida. Eles veriam a taxa de divórcio aumentando nos nossos dias e logo diriam: Ah, é óbvio que você quer se separar do seu marido — ele não te lembra de Deus. Seu marido tem um comportamento tão mesquinho e egoísta que usar a imagem dele para imaginar o divino para você é impossível. E do mesmo modo seu marido quer se separar de você, você é tão rápida para reclamar e manifestar suas antecipações de problemas que você não permite que ele veja em você a pessoa que ele deve ser diante de Deus. Se seu marido dependesse de você para entender como ele deve ser quando ora, ele viraria um murmurador e Deus odeia gente que reclama de como Ele faz as coisas.
Conclusão
Então, eu concluo dizendo: E se, por um dia, a modernidade parasse de ignorar os segredos antigos? Sem dúvida, os maridos se pareceriam com a gratuidade divina e as mulheres se pareceriam com a passividade contemplativa. É evidente que ninguém aí sugeriria ménages, swings ou qualquer idiotice criada por um site de pornografia, porque se pensarmos bem, qualquer coisa que se coloca entre Deus e os homens — e assim entre o homem e a mulher — só pode ser simbolizada pelo diabo, o diabo é a terceira pessoa do casamento, o intruso.
E que fique bem claro: símbolo, antes que alguém veja no que escrevo qualquer superstição bobinha para explicar como as coisas tendem a dar errado nos nossos dias. Tenho certeza que mesmo quando o diabo tira férias, nós damos um jeito de complicar ainda mais nossos problemas. Se ordenarmos um pouco melhor o lugar dos afetos, e depois das razões, será bem mais fácil através dos símbolos, alcançar a essência dos nossos problemas.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional do Ágora Perene.