A China do século XXI: a estratégia do dragão asiático – Eliseu Cidade

Fonte: derechamexicana.com

 

O artigo a seguir aborda as principais medidas do governo chinês necessárias ao exercício do poder hegemônico no prisma geopolítico partindo da questão política, ideológica e estratégica até suas medidas econômicas internas e expectativas de crescimento para os próximos anos e décadas baseadas em seus indicadores e no plano de governo do Partido Comunista Chinês.

Eliseu Cidade

O artigo a seguir tem como objetivo abordar o panorama chinês contemporâneo a partir do contexto histórico de construção da China que se estende desde o início do século XX até o século XXI, momento em que garante a sua hegemonia como poder terrestre. Em termos numéricos, é esperado que o PIB chinês ultrapasse o americano até o ano de 2025, contando com um crescimento médio anual de quase 6%. Para analisar o seu desenvolvimento, é imprescindível observar os principais fatores tanto do ponto de vista do pensamento filosófico quanto da gestão governamental a fim de entender o avanço chinês.

Em primeiro lugar, é pertinente fazer uma breve análise da obra de Mao Tsé Tung, intitulada Sobre a Prática e a Contradição. Essa obra, responsável por teorizar o marxismo asiático de maneira inovadora, trata das questões relativas à revolução comunista a partir das teses leninistas e do conceito de materialismo dialético de Marx. Nesse contexto, a China estava sob liderança do partido Kuomintang e ainda mantinha uma base econômica feudal e ultrapassada para se inserir no cenário mundial. Dessa maneira, a obra busca elucidar teoricamente as estratégias de construção de uma nova China a partir das suas próprias contradições internas.

Em relação à contradição, essa seria uma das bases do pensamento marxista da luta de classes resultantes da interação das forças produtivas e dos modelos de produção. Essas lutas seriam consideradas o motor da história, uma vez que são consequência do modelo econômico capitalista de produção e portanto, só poderiam ser devidamente observadas a partir do desenvolvimento do próprio sistema capitalista ao longo da história. Além disso, o imperialismo europeu com seu ápice no século XIX, segundo Lênin, é visto como resultante da fase de consolidação do capitalismo na maximização do lucro a partir da busca por novos mercados.

No quesito histórico, sabe-se que a China ainda estava sob o jugo das nações imperialistas na tentativa de dominação territorial, tais como: Portugal, Alemanha, França, Japão. Nesse período, o marxismo na Ásia surge da necessidade de tornar a China livre do domínio estrangeiro e que fosse capaz de fortalecer-se política e economicamente para expressar sua independência frente às potências já consolidadas.

A reforma chinesa estaria baseada na práxis marxista que afirma ser a teoria, uma construção a partir da prática, e a prática a própria construção da teoria sendo complementares e cíclicas no contexto histórico. A prática seria a revolução derivada das relações de contradição daquele recorte temporal específico, como por exemplo, o camponês e o burguês. A contradição seria o que permite o surgimento do novo e a obsolescência do antigo pois é oriunda da natureza das coisas. Da mesma forma que na Física, especialmente na eletroestática, os prótons e elétrons se repelem pela diferença do valor de suas cargas, assim também, nas Ciências Sociais, as contradições estariam presentes no conflito de classes.

A partir do conceito das contradições retratado por Mao Zedong, a China do século XXI vivencia um processo de reconstrução contínua. O socialismo com características chinesas garante a peculiaridade do sistema e tem sido visto como mantenedor do sonho chinês. No discurso de Xi Jinping, em 2012, o mesmo afirmou que a China avança em direção a sua meta de maneira confiante mais do que em qualquer outro momento na história. Certo das dificuldades, o governo afirma que serão muitos os desafios que enfrentarão em diante, mas com a convicção da construção de uma China próspera, forte, diplomática, com avanços técnico-científicos e democrática, ainda que politicamente esteja distante do ideal democrático como vislumbrado e compreendido no Ocidente.

A análise dos discursos políticos de Xi Jinping permite concluir o enorme valor que a sociedade chinesa possui em relação a suas tradições e correntes filosóficas mais antigas. Para isso, são usadas pontos chave do pensamento de Sun Tzu, como estratégia politica para se projetar a nível mundial. Essa interação realizada a partir da obra “A arte da guerra” se utiliza de máximas militares muito bem articuladas na condução da politica externa chinesa.

A unidade e perseverança são vistas como pontos chaves da nova China em sua marcha rumo ao futuro. A figura do líder politico e a centralização do Partido chinês é de extrema importância na eficácia de seus objetivos na disputa frente às grandes potências ocidentais. Sun Tzu afirma que o comandante deve ser disciplinado e seguir as leis morais responsáveis por promover a ordem interna. Por isso, o destaque à figura do estadista e ao mesmo tempo, utilização de uma retórica supostamente favorável à expansão da democracia e a cooperação por meio do sistema de multi-partidos políticos e maior autonomia regional.

A ênfase na fase inicial do socialismo chinês desperta o potencial crescimento ainda vindouro do país. A modernização tem sido feita em todas as áreas, desde o uso das tecnologias verdes no intuito de promover o uso da energia limpa, até o desenvolvimento sustentável. Em termos sociais, há o discurso de luta pela igualdade como meta a ser atingida através de políticas econômicas que visem o investimento social por meio do setor de empreendimento privado e a capacitação de profissionais capazes de atuar com inovação e eficiência. Nesse aspecto, o país ainda apresenta forte concentração da riqueza nas metrópoles litorâneas enquanto que o interior do país continua com um dinamismo econômico menos robusto e com níveis de pobreza acentuados.

Desde a política de abertura econômica nos anos 80, administrada por Deng Xiaoping, a classe trabalhadora se fortalece e têm ganhado atenção no que se refere à formulação das políticas chinesas pelo partido. Outrossim, a classe trabalhadora, principal responsável pela força produtiva nacional, é o principal símbolo do socialismo chinês como mantenedora da estabilidade e força típica do espírito chinês. Ademais, os discursos presidenciais destacam os sindicatos como forma de diálogo entre o partido e a classe trabalhadora.

Do ponto de vista cultural, o desenvolvimento almejado pelo governo chinês ultrapassa a esfera econômica, meramente material, mas também enfatiza a importância do avanço cultural e ético, sobretudo pela população jovem. Esse potencial construtivo do jovem é visto como o futuro da nação, já que contribui com sua energia empreendedora nas melhorias sociais por meio da técnica, ciência, planejamento e habilidades profissionais.

O aperfeiçoamento pessoal é destacado como marca característica da sociedade chinesa que é pautada no trabalho árduo durante séculos. Nessa perspectiva, destaca-se o discurso de Xi Jinping encorajando a população jovem do país a trabalhar incansavelmente e sem parar na tentativa de superar as dificuldades que se apresentam. Apesar de seu caráter fortemente populista, é sabido que ainda que a legislação chinesa estabeleça o descanso de um dia e jornada de 44 horas semanais, o mercado chinês atua de maneira permissiva no que tange ao respeito dessa jornada pelas empresas. Assim, observa-se do ponto de vista sociológico, uma grande parcela da população do interior chinês ainda em condição de pobreza que se constitui na camada do lumpemproletariado, ou seja, camada social manipulada ainda sem a consciência de classe.

Em relação à esfera econômica, a população jovem é altamente incentivada pelo governo quando se trata das questões empreendedoras, essenciais para os investimentos internacionais e fluxo de capitais, cujo intuito reside na progressão material, cultural e de acesso a recursos. Portanto, os mais novos são vistos como símbolo de força e resistência social capaz de impulsionar as realizações da nação e garantir a moral que conduz aos valores coletivos como o patriotismo, senso de coletividade e nacionalismo. Essas estratégias nacionais podem ser compreendidas como algumas táticas à luz de Sun Tzu, em que ele afirma que as habilidades individuais de cada combatente são indispensáveis na vantagem estratégica contra o inimigo. Essa visão estrategista garante maior competitividade em relação aos mercados internacionais garantindo posição poderosa e privilegiada.

Dentro dos objetivos políticos chineses se encontra o aumento do PIB assim como da renda per capita de residentes urbanos e rurais. A estratégia para meados do século XXI é a garantia de um país moderno que gere pessoas ricas e prósperas. Para essa realidade, a busca por desenvolvimento pacífico e integração regional se constitui em um dos grandes pilares da atual politica externa chinesa para garantir a exportação de seus produtos de alto valor agregado.

A China se consolida como uma economia dinâmica que se utiliza de algumas estratégias chave para evitar as crises cíclicas, que são naturais do sistema capitalista. Para isso, promove o aumento da renda da população por meio do estimulo do mercado interno através dos investimentos. Dessa forma, é possível manter-se forte diante de crises globais mantendo alta competitividade internacional de seu mercado doméstico.

Em relação a sua disposição geoespacial, a China possuía grande desigualdade no que se refere à modernização do país, com destaque para o lado oriental devido à construção das ZEEs durante o governo de Deng Xiaoping. Nesse sentido, a partir do final dos anos 90, a China passou por um processo de modernização do centro e do oeste territorial através de investimentos estrangeiros na região estimulada por vantagens locacionais. Além disso, o governo passou a fornecer parte do tesouro e estimular créditos pelos bancos para o incremento da infraestrutura.

Na dimensão geopolítica, a China é favorável a formulação de uma política externa pacífica capaz de gerar crescimento. Nesse panorama, a China se posicionou em relação às intervenções militares estadunidenses na tentativa de modificar a estratégia militar após os atentados terroristas do 11 de setembro, que foi o cenário utilizado para a criação do Eixo do Mal sob a liderança de Bush. Assim, a China afirmou a importância do respeito ao direito internacional e a observação da carta da ONU a fim de definir eficientemente os alvos terroristas para evitar a morte de inocentes e evitar instabilidades políticas.

O consumo interno chinês possui algumas peculiaridades em relação a outros países. Os produtos básicos de consumo chineses são muito mais baixos se comparados a padrões internacionais. Essa realidade reflete a existência dos baixos salários nominais, uma vez que mesmo com soldos menores, é possível ter um alto poder de compra quando comparado a outros países. Aos poucos, o governo chinês tem alterado essa situação através de sucessivos aumentos para funcionários públicos, redução da taxa de impostos para trabalhadores urbanos e aumento do padrão de vida de desempregados e aposentados.

O governo chinês tem ampliado os investimentos não estatais por intermédio de capital privado estrangeiro com intuito de ajudar pequenas e médias empresas e aumentar os investimentos na parte oeste do país nas zonas ricas em recursos naturais. Dessa forma, fatores como mão de obra barata e diminuição de tarifas tributárias tem sido vistos como grandes atrativos para a instalação de empresas e presença de investidores locais.

Em síntese, nas últimas décadas, as autoridades chinesas iniciaram reformas importantes para o país, fato que tem promovido, a passos largos, a posição cada vez mais assertiva da China no ranking mundial mostrando-se como forte poder hegemônico. Esse audacioso plano chinês garante o desenvolvimento da civilização material, compreendido como forte estrutura econômica graças ao ordenamento das forças produtivas. Somado a isso, tem-se uma a nova civilização cultural e espiritual buscada a partir do seu ponto de partida do contexto histórico a partir das mudanças ocasionadas pelas contradições internas tematizadas por Mao Tsé Tung. Portanto, a Revolução Chinesa continua sendo aperfeiçoada pela práxis marxista e com o tempo, objetiva alcançar níveis superiores do socialismo utilizando-se de seus estágios de transição históricos que tenta alinhar um estado forte e centralizador politicamente com uma economia dinâmica e capaz de financiar diversos países, e que se projeta para além de seu próprio continente para a disputa no tabuleiro geopolítico, como pode ser visto na iniciativa One Belt One Road (Nova Rota da Seda) bem como a estratégia militar do colar de pérolas.

 

REFERÊNCIAS


XIJINPING. The governance of China, p. 55-85


TZU, SUN. A arte da Guerra. Os 13 capítulos. Golden books. São Paulo, 2007.


ZEDONG, MAO. Sobre a prática e sobre a contradição. Expressão popular. São
Paulo, 1999.


POMAR, WLADIMIR. A Revolução Chinesa. Editora Unesp. São Paulo, 2003.

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