O papel das tradições socioculturais no desenvolvimento econômico – Tiago Barreira

Aldeia histórica do Piódão – Portugal. Reprodução: turismodocentro.pt

A teoria neoclássica do desenvolvimento econômico, formulada por Robert Solow nas décadas de 40 e 50, enfatizou fatores quantitativos como poupança, educação e inovação. Essa abordagem desconsidera a influência da antropologia sociocultural, que destaca a importância do contexto espacial e histórico nas interações humanas. O ensaio argumenta que a teoria econômica deve incorporar esses elementos para uma compreensão mais completa. Comparando duas nações com características semelhantes, mas históricas e geográficas distintas, destaca-se a necessidade de considerar tais fatores no planejamento de políticas de desenvolvimento. O ensaio propõe um equilíbrio entre a teoria neoclássica e a análise antropológica para uma compreensão abrangente do desenvolvimento econômico.

Tiago Barreira

A moderna teoria do desenvolvimento econômico neoclássica, desenvolvida por Robert Solow na década de 40 e 50 e aprimorada ao longo das décadas posteriores, considerou durante muito tempo que as causas das diferenças de crescimento e de acumulação de capital entre países se deviam a fatores quantitativos como diferenças na taxa de poupança, nível de educação da força de trabalho, grau de inovação tecnológica de empresas ou grau de eficiência dos mercados dado por instituições jurídicas e políticas.

Esta teoria, de viés generalista, contudo, sempre se posicionou de maneira neutra às diferenças qualitativas entre países, as suas especificidades socioculturais, enquanto determinantes relevantes da diferença da trajetória de acumulação de capital entre estes. Em outras palavras, a teoria de crescimento de Solow, ao analisar as interações econômicas termos lógicos, de um homo economicus abstrato maximizador de decisões, a-histórico e a-espacial, ignorava a dimensão antropológica sociocultural das interações econômicas.  

Segundo a antropologia sociocultural, o homem, mais do que um agente dotado de uma razão abstrata universal, é um ser situado concretamente no espaço e tempo, influenciado psicologicamente pela tradição sociocultural local a que pertence. Pertencimento sociocultural sendo definido como a inserção de um indivíduo a uma rede social composta por relações com outros indivíduos concretos que lhe delimitam identidades, valores, papeis, preferências e aspirações. Esta rede ou tradição sociocultural delimita também os limites discursivos do pensamento de um indivíduo através da linguagem, símbolos e narrativas culturais.

Portanto, toda relação humana, seja ela econômica ou não, é de natureza sociocultural. Uma natureza sociocultural que pode ser definida pela sua dimensão simultaneamente espacial e histórica, à medida em que toda cultura e tradição humana e se forma como um produto entre as características do espaço geográfico de uma localidade e a evolução histórica no tempo das relações humanas entre os atores que nela habitam.

Ignorar o espaço geográfico e o tempo histórico na teoria econômica se torna um problema relevante no ponto de vista de planejamento de políticas de desenvolvimento. Supomos 2 nações com mesmo nível de renda per capita em US$10.000, com mesmo nível educacional, mesma taxa de poupança, etc. Porém a formação histórica e geográfica de ambas é totalmente distinta. A mesma política de fomento industrial aplicada a um país com certa configuração geográfica e histórica terá os mesmos impactos em outro totalmente distinto destas características?  Como se comportará os mercados de países com características locais tão distintas?

Reconhecer o fator antropológico sociocultural na economia não implica em abandonar a teoria econômica neoclássica e suas hipóteses de indivíduo racional. O ceticismo a que levam alguns antropólogos econômicos, como Karl Polanyi, a rejeitar por completo a teoria neoclássica das escolhas racionais humanas, os recaem em outro extremo igualmente problemático, o irracionalismo romântico. Esse é precisamente o problema do polilogismo advertido por Ludwig von Mises. Se não existe um indivíduo racional universal nas escolhas econômicas, então qualquer decisão é racional, segundo a lógica de cada cultura e, portanto, o estudo da economia do desenvolvimento perde totalmente o sentido. O critério principal a se avaliar e comparar o desenvolvimento econômico entre países deixa de existir objetivamente, à medida em que cada país somente pode ser avaliado segundo seus próprios critérios de lógica econômica, e assim todos são desenvolvidos, das tribos pastoris do Senegal ao bairro de Ginza de Tóquio, “cada um à sua maneira”.

Entre o relativismo polilogista da antropologia polanyiana, que rejeita uma teoria econômica universal, e o total negacionismo antropológico dos economistas matemáticos mainstream, que rejeita o impacto da história e geografia nas escolhas humanas, surge um terceiro caminho, que é a necessidade de se incorporar o espaço e tempo sociocultural dentro da teoria racional da tomada de decisões econômicas. Pois a razão do homo economicus somente pode existir e agir concretamente, e se realizar vitalmente, se inserida dentro do espaço e tempo de uma teia de relações culturais humanas concretamente existentes. Ou pensando em termos filosóficos orteguianos, a razão abstrata universal somente se atualiza vitalmente nas circunstâncias do tempo e espaço. “Eu sou eu e minhas circunstâncias”.

O surgimento da Teoria Econômica Regional, visando dar respostas à dimensão espaço, e da História Econômica Institucional, dando respostas à dimensão tempo, se tornam então componentes relevantíssimos para a compreensão de fatores socioculturais no estudo da economia. A combinação de fator espaço e tempo, os ingredientes que faltam para a teoria do desenvolvimento, configura a organização sociocultural de uma economia, e assim toda a trajetória de crescimento de um país.

 

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional do Ágora Perene.

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