
A região do Nordeste brasileiro guarda muitas similaridades históricas, sociais e culturais com a Galiza, território correspondente ao noroeste da Espanha. Ambos os povos, dos respectivos países, compartilham um histórico de marginalização econômica, derivada de séculos de centralismo político e da falta de instituições políticas e sociais representativas.
Tiago Barreira
O Nordeste brasileiro é uma região que abrange nove estados da federação. A região possui um clima tropical no litoral, onde se concentram as principais cidades, e um clima semiárido no interior, território denominado sertão nordestino. Além de ser uma das áreas mais antigas do país em termos de colonização, o Nordeste também se destaca por ser uma das regiões mais pobres do Brasil. Esse cenário econômico adverso é resultado de uma série de fatores históricos, incluindo a concentração de poder político e econômico no Sudeste do país – região onde estão localizadas as duas maiores metrópoles brasileiras, Rio de Janeiro e São Paulo.
Outro traço marcante que une os dois povos é o histórico de emigração. No século XX, sucessivas secas e crises sociais levaram à migração em massa da população nordestina para grandes centros urbanos brasileiros, como São Paulo e Rio de Janeiro, em busca de melhores condições de vida. Da mesma forma, o povo galego também enfrentou um intenso fluxo migratório, principalmente para a América Latina. Em ambos os casos, os migrantes enfrentaram preconceito e discriminação nas regiões para onde se dirigiram. No Brasil, termos como “baiano” e “paraíba” eram usados de maneira pejorativa para descrever os migrantes nordestinos em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, assim como “galego” assumia uma conotação depreciativa em Lisboa ou Buenos Aires.
Além dos aspectos econômicos e sociais similares que unem o Nordeste brasileiro e a Galiza, é importante destacar as profundas conexões culturais entre os dois povos. Ambos possuem uma cultura fortemente arraigada em tradições rurais, espirituais e comunitárias. O isolamento econômico dessas regiões contribuiu para a preservação de modos de vida tradicionais, que se manifestam em sua música, dança, literatura e festividades.
No Nordeste, essa cultura de bases tradicionais e galego-portuguesas encontrou expressão no regionalismo cultural, denominado Movimento Armorial. O Movimento Armorial, que ganhou força no século XX, foi responsável por revelar uma safra de importantes escritores e artistas, como Ariano Suassuna, que buscou valorizar e resgatar as tradições populares nordestinas na literatura, teatro, artes plásticas e cinema.
Importantes manifestações culturais unem o Nordeste à cultura galego-portuguesa. A literatura de cordel, por exemplo, com suas rimas e narrativas populares ilustradas em xilografias, se faz presente tanto na arte nordestina quanto em Portugal e Galiza. O termo «cordel» está ligado à forma de comercialização dos «folhetos» em Portugal e na Galiza, onde os folhetos de romances eram pendurados em cordas. [1] As festas de São João, muito populares tanto na Galiza quanto no interior de Portugal, também são celebradas em cidades do sertão nordestino, como Caruaru, em Pernambuco, e Campina Grande, na Paraíba.
Portanto, a cultura e a sociedade nordestina brasileira e galega se entrelaçam e apresentam convergências em muitos aspectos, sendo de grande relevância a aproximação e o diálogo entre os dois mundos. Dois mundos que, muito embora separados geograficamente pelo Atlântico e por trajetórias históricas distintas, mantêm-se unidos pelas tradições comuns de base galego-portuguesa.
[1] Abreu, Márcia (1984). Da literatura de cordel portuguesa (en portugués). EPA: estudos portugueses e africanos. pp. 97-103
Artigo publicado originalmente no Portal Galego da Língua.
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