
A narrativa crônica é um gênero literário genuinamente brasileiro. Escrevo esta narrativa curta como forma de reencontro — um resgate de fragmentos da infância e da memória afetiva, conectando-os, com autenticidade, a elementos simbólicos centrais da cultura popular brasileira.
Tiago Barreira
Quando era menino, meu mundo era pequeno. Trancado num apartamento, sem irmãos ou amigos, brincava sozinho no playground, com a empregada vigiando. Tinha meus bonecos, Legos e sonhos. Montava ruas e cidadelas de bloquinhos. Era comandante de exércitos, folheava atlas e gibis. O que mais queria era viver as aventuras da Turma da Mônica, no Bairro do Limoeiro.
Mas não conhecia o mundo de fora. Nunca joguei futebol, porque campinho eu nunca conheci. Do play, olhava a rua, melancólico. Havia uma árvore muito alta, atrás das grades do prédio. Havia algo nela — cheia de vida — que me abria para uma realidade maior. Nunca subi nela. O que será que havia do lado de fora? Aquele mundo misterioso, fora do alcance dos meus brinquedos. Maior do que o tamanho dos meus sonhos de apartamento.
Um dia, não sei se em sonho ou realidade, vi um rei passando naquela rua. Vestia um manto muito longo, arrastando pelo chão, e carregava um cetro na mão. Talvez fosse Carnaval. Fiquei fascinado com aquilo.
Outra vez, saí com a empregada para a padaria. Vi a rua movimentada: velhos aposentados jogando carteado na praça, uma tenda de macumba com uma boneca baiana na entrada — e cheiro de alecrim. A vida pulsava por ali, a cada esquina. Eu vivia no subúrbio do Rio de Janeiro.
Um dia, na escola, a professora disse: “No Brasil, o rei não governa.” Achei aquilo um disparate. “Existe, sim!” — fiquei refletindo mentalmente. Eu me lembrava daquele rei e daquela árvore, atrás das grades daquela rua.
A rua do lado de fora foi a minha prineira impressão de Brasil.