
Tratar a ciência social com um espírito humanista significa retornar das abstrações ou construções da ciência social cientificista para a realidade social, olhar para os fenômenos sociais principalmente na perspectiva do cidadão e do estadista, e depois na perspectiva do cidadão do mundo, no duplo significado de “mundo”: toda a raça humana e o todo abrangente.
Leo Strauss
Filósofo alemão. Professor de Ciências Políticas na Universidade de Chicago.
Traduzido por Estevan de Negreiros Ketzer
Psicólogo clínico. Doutor em Letras (PUCRS). Email: [email protected]
O humanismo é hoje compreendido em contraposição à ciência, por um lado, e à arte cívica, por outro. Assim, sugere-se a nós que as ciências sociais são moldadas pela ciência, pela arte cívica e pelo humanismo, ou que as ciências sociais residem na região onde a ciência, a arte cívica e o humanismo se encontram e talvez para a qual convergem. Consideremos como esse encontro pode ser compreendido.
Dos três elementos mencionados, apenas a ciência e o humanismo podem ser considerados como pertencentes à vida acadêmica. Ciência e humanismo nem sempre se dão bem. Todos conhecemos o cientista que despreza ou ignora o humanismo e o humanista que despreza ou ignora a ciência. Para compreender esse conflito, tensão ou distinção entre ciência e humanismo, faremos bem em nos voltar por um momento para o século XVII, para a época em que a ciência moderna se constituiu. Naquela época, Pascal contrastou o espírito da geometria (isto é, o espírito científico) com o espírito da finesse (fineza). Podemos circunscrever o significado do termo francês referindo-nos a termos como estes: sutileza, refinamento, tato, delicadeza, perceptividade. O espírito científico é caracterizado pelo desapego e pela força que decorre da simplicidade ou simplificação. O espírito da fineza é caracterizado pelo apego ou amor e pela amplitude. Os princípios aos quais o espírito científico se submete são estranhos ao senso comum. Os princípios com os quais o espírito da fineza tem a ver estão dentro do senso comum, mas são pouco visíveis; são sentidos em vez de vistos. Não estão disponíveis de tal forma que possamos torná-los as premissas do nosso raciocínio. O espírito da fineza está ativo, não no raciocínio, mas sim em apreender, em uma única visão, todos não analisados em suas características distintivas. O que se entende hoje pelo contraste entre ciência e humanismo representa uma modificação mais ou menos profunda do contraste de Pascal entre o espírito da geometria e o espírito da finesse. Em ambos os casos, o contraste implica que, em relação à compreensão das coisas humanas, o espírito da ciência tem severas limitações — limitações que são superadas por uma abordagem decididamente não científica.
Quais são essas limitações como as observamos hoje nas ciências sociais? As ciências sociais consistem em uma série de disciplinas que são especializadas e que estão se tornando cada vez mais especializadas. Certamente não existe nenhuma ciência social que possa afirmar que estuda a sociedade como um todo, o homem social como um todo, ou todas as totalidades que temos em mente quando falamos, por exemplo, deste país, os Estados Unidos da América. De Tocqueville e Lord Bryce não são representativos das ciências sociais atuais. De tempos em tempos, uma ou outra ciência especial e especializada (por exemplo, psicologia ou sociologia) reivindica ser abrangente ou fundamental; mas essas reivindicações sempre encontram forte e justificada resistência. A cooperação entre as diversas disciplinas pode ampliar o horizonte dos indivíduos que cooperam; não pode unificar as próprias disciplinas; não pode gerar uma verdadeira ordem hierárquica.
Pode-se dizer que a especialização se origina, em última análise, desta premissa: para compreender um todo, é preciso analisá-lo ou resolvê-lo em seus elementos, é preciso estudar os elementos por si sós, e então é preciso reconstruir o todo ou recompô-lo partindo dos elementos. A reconstrução requer que o “todo” seja suficientemente apreendido antecipadamente, antes da análise. Se a apreensão primária carece de definição e amplitude, tanto a análise quanto a síntese serão guiadas por uma visão distorcida do todo, por um produto de uma imaginação pobre, em vez da coisa em sua plenitude. E os elementos aos quais a análise chega serão, na melhor das hipóteses, apenas alguns dos elementos. A regra soberana da especialização significa que a reconstrução não pode sequer ser tentada. A razão para a impossibilidade da reconstrução pode ser enunciada da seguinte forma: o todo, como primariamente conhecido, é um objeto de senso comum; mas é da essência do espírito científico, pelo menos como esse espírito se mostra nas ciências sociais, desconfiar do senso comum ou mesmo descartá-lo completamente. A compreensão do senso comum se expressa em linguagem comum; o cientista social científico cria ou fabrica uma terminologia científica especial. Assim, a ciência social científica adquire uma abstração específica. Não há nada de errado com a abstração, mas há muito de errado em abstrair do essencial. A ciência social, na medida em que é enfaticamente científica, abstrai de elementos essenciais da realidade social. Cito uma comunicação privada de um sociólogo filosoficamente sofisticado que se mostra muito favorável à abordagem científica nas ciências sociais: “O que o sociólogo chama de ‘sistema’, ‘papel’, ‘status’, ‘expectativa de papel’, ‘situação’ e ‘institucionalização’ é vivenciado pelo ator individual na cena social em termos totalmente diferentes.” Isso não significa apenas dizer que o cidadão e o cientista social significam as mesmas coisas, mas as expressam em termos diferentes. Pois “o cientista social enquanto teórico tem que seguir um sistema de relevâncias inteiramente diferente daquele do ator na cena social… Seus problemas se originam em seu interesse teórico, e muitos elementos do mundo social que são cientificamente relevantes são irrelevantes do ponto de vista do ator na cena social, e vice-versa”. O cientista social científico se preocupa com regularidades de comportamento; o cidadão se preocupa com um bom governo. As relevâncias para o cidadão são valores, valores acreditados e valorizados, ou melhor, valores que são vivenciados como qualidades reais de coisas reais: do homem, das ações e do pensamento, das instituições, das medidas. Mas o cientista social científico traça uma linha nítida entre valores e fatos: ele se considera incapaz de emitir qualquer juízo de valor.
Para neutralizar os perigos inerentes à especialização, na medida em que esses perigos podem ser neutralizados dentro das ciências sociais, é necessário um retorno consciente ao pensamento do senso comum — um retorno à perspectiva do cidadão. Devemos identificar o todo, em referência ao qual devemos selecionar temas de pesquisa e integrar os resultados da pesquisa, com os objetivos gerais de sociedades inteiras. Ao fazer isso, compreenderemos a realidade social como ela é entendida na vida social por homens pensantes e de mente aberta. Em outras palavras, a verdadeira matriz das ciências sociais é a arte cívica e não uma noção geral de ciência ou método científico. A ciência social deve ser uma mera serva da arte cívica — neste caso, nenhum grande dano é causado se ela se esquecer da floresta por causa das árvores — ou, se não quiser tornar-se ou permanecer alheia à nobre tradição da qual surgiu, se acreditar que pode ser capaz de iluminar a arte cívica, deve, de fato, olhar para além da arte cívica, mas deve olhar na mesma direção que a arte cívica. Suas relevâncias devem se tornar idênticas, pelo menos no início, às do cidadão ou estadista; e, portanto, deve falar, ou aprender a falar, a linguagem do cidadão e do estadista.
Desse ponto de vista, o tema norteador da ciência social nesta era e neste país será a democracia, ou, mais precisamente, a democracia liberal, especialmente em sua forma americana. A democracia liberal será estudada com atenção constante às alternativas reais ou potenciais e, portanto, especialmente ao comunismo. A questão colocada pelo comunismo será enfrentada por uma crítica consciente, séria e implacável do comunismo. Ao mesmo tempo, os perigos inerentes à democracia liberal serão expostos diretamente; pois o amigo da democracia liberal não é seu bajulador. A sensibilidade a esses perigos será aguçada e, se necessário, despertada. Do ponto de vista científico, o politicamente neutro — aquilo que é comum a todas as sociedades — deve ser visto como a chave para o politicamente relevante — aquilo que é distintivo dos vários regimes. Mas, do ponto de vista oposto ao que estou tentando prenunciar, a ênfase é colocada no politicamente relevante: as questões candentes.
A ciência social não pode, então, se contentar com os objetivos gerais de sociedades inteiras, como são, em sua maioria, entendidos na vida social. A ciência social deve esclarecer esses objetivos, descobrir suas autocontradições e timidez e lutar pelo conhecimento dos verdadeiros objetivos gerais de sociedades inteiras. Ou seja, a única alternativa a uma ciência social cada vez mais especializada e cada vez mais sem objetivo é uma ciência social governada pela legítima rainha das ciências sociais — a busca tradicionalmente conhecida pelo nome de ética. Mesmo hoje, ao lidar com questões sociais, é difícil evitar consistentemente termos como “um homem de caráter”, “honestidade”, “lealdade”, “educação cidadã” etc.
Isto, ou algo parecido, é, creio eu, o que muitas pessoas têm em mente ao falar de uma abordagem humanística, distinta da abordagem cientificista, para os fenômenos sociais. Ainda precisamos levar em conta o termo “humanismo”. O cientista social é um estudioso das sociedades humanas, das sociedades de humanos. Se ele deseja ser leal à sua tarefa, nunca deve esquecer que está lidando com coisas humanas, com seres humanos. Ele deve refletir sobre o humano como humano. E deve prestar a devida atenção ao fato de que ele próprio é um ser humano e que a ciência social é sempre uma espécie de autoconhecimento. A ciência social, sendo a busca do conhecimento humano das coisas humanas, inclui como fundamento o conhecimento humano do que constitui a humanidade, ou melhor, do que torna o homem completo ou íntegro, para que ele seja verdadeiramente humano. Aristóteles chama seu equivalente ao que hoje seria chamado de ciência social de investigação liberal sobre as coisas humanas, e sua Ética é a primeira, fundamental e diretiva parte dessa investigação.
Mas, se entendemos por ciência social o conhecimento das coisas humanas, não seremos levados à conclusão de que a consagrada distinção entre ciência social e humanidades deve ser abandonada? Talvez devêssemos seguir Aristóteles um passo adiante e fazer uma distinção entre a vida da sociedade e a vida da mente, e, portanto, atribuir o estudo da primeira às ciências sociais e o estudo da segunda, ou um certo tipo de estudo da segunda, às humanidades.
Há, finalmente, outra implicação do termo “humanismo”, a saber, a contradição entre os estudos humanos e a teologia. Provisoriamente, limito-me à observação de que se pode dizer que o humanismo implica que os princípios morais são mais cognoscíveis pelo homem, ou menos controversos entre homens sérios, do que os princípios teológicos.
Ao refletir sobre o que significa ser um ser humano, aguça-se a consciência do que é comum a todos os seres humanos, ainda que em diferentes graus, e dos objetivos para os quais todos os seres humanos são direcionados pelo fato de serem seres humanos. Transcende-se o horizonte do mero cidadão — de todo tipo de seccionalismo — e torna-se um cidadão do mundo. O humanismo como consciência do caráter distintivo do homem, bem como de sua completude, propósito ou dever distintivos, resulta na humanidade: na sincera preocupação tanto com a bondade humana quanto com o aprimoramento e a abertura da mente — uma mistura de firme delicadeza e serenidade arduamente conquistada — uma última, e não meramente última, liberdade da degradação ou endurecimento efetuado especialmente pela vaidade ou fingimento. Somos tentados a dizer que ser desumano é o mesmo que ser indomável, ser incapaz ou não disposto a ouvir outros seres humanos.
No entanto, mesmo que tudo o que poderia ser dito e o que não pode ser dito fosse dito, o humanismo não basta. O homem, embora seja pelo menos potencialmente um todo, é apenas uma parte de um todo maior. Embora formando uma espécie de mundo e mesmo sendo uma espécie de mundo, o homem é apenas um pequeno mundo, um microcosmo. O macrocosmo, o todo ao qual o homem pertence, não é humano. Esse todo, ou sua origem, é subumano ou sobre-humano. O homem não pode ser compreendido em sua própria luz, mas apenas à luz do subumano ou do sobre-humano. Ou o homem é um produto acidental de uma evolução cega, ou então o processo que leva ao homem, culminando no homem, é direcionado ao homem. O mero humanismo evita essa questão fundamental. O significado humano do que viemos a chamar de Ciência consiste precisamente em que o humano ou o superior é compreendido à luz do subumano ou do inferior. O mero humanismo é impotente para resistir ao ataque da ciência moderna. É a partir deste ponto que podemos começar a compreender novamente o significado original da ciência, do qual o significado contemporâneo é apenas uma modificação: ciência como a tentativa do homem de compreender o todo ao qual pertence. A ciência social, como o estudo das coisas humanas, não pode se basear na ciência moderna, embora possa usar criteriosamente, de forma estritamente subordinada, tanto os métodos quanto os resultados da ciência moderna. A ciência social deve, antes, ser considerada como uma contribuição para a verdadeira ciência universal, na qual a ciência moderna terá que ser eventualmente integrada.
Resumindo: tratar a ciência social com um espírito humanista significa retornar das abstrações ou construções da ciência social cientificista para a realidade social, olhar para os fenômenos sociais principalmente na perspectiva do cidadão e do estadista, e depois na perspectiva do cidadão do mundo, no duplo significado de “mundo”: toda a raça humana e o todo abrangente.
O Humanismo, como tentei apresentá-lo, é em si uma abordagem moderada. Mas, olhando ao meu redor, percebo que se trata, aqui e agora, de uma versão extrema do humanismo. Alguns de vocês podem pensar que seria mais apropriado apresentar a opinião mediana ou média dos cientistas sociais humanistas atuais, em vez de uma opinião excêntrica. Sinto essa obrigação, mas não posso cumpri-la devido ao caráter elusivo dessa opinião mediana. Portanto, descreverei o extremo oposto da visão que me atrai, ou, melhor, uma expressão particular, tão boa quanto qualquer outra, desse extremo oposto. O humanismo mediano das ciências sociais pode ser definido suficientemente para o nosso propósito pela observação de que se situa em algum lugar entre esses dois extremos.
O tipo de humanismo ao qual me refiro agora se autodenomina relativista. Pode ser chamado de humanismo por duas razões. Primeiro, sustenta que as ciências sociais não podem ser modeladas nas ciências naturais, porque as ciências sociais lidam com o homem. Segundo, elas são animadas, por assim dizer, por nada, exceto pela abertura a tudo que é humano. De acordo com essa visão, os métodos da ciência, da ciência natural, são adequados ao estudo de fenômenos aos quais temos acesso apenas observando-os de fora e com distanciamento. Mas as ciências sociais lidam com fenômenos cujo núcleo é de fato inacessível à observação imparcial, mas se revela pelo menos em certa medida, ao estudioso que revive ou reencena a vida dos seres humanos que estuda ou que entra na perspectiva dos atores e compreende a vida dos atores a partir de seu próprio ponto de vista, distinto tanto do seu ponto de vista quanto do ponto de vista do observador externo. Toda perspectiva do homem ativo é constituída pela avaliação ou, de qualquer forma, é inseparável dela. Portanto, compreender de dentro significa compartilhar a aceitação dos valores que são aceitos pelas sociedades ou pelos indivíduos que se estuda, ou aceitar esses valores “histrionicamente” como os verdadeiros valores, ou reconhecer a posição assumida pelos seres humanos em consideração como verdadeira. Se praticarmos essa compreensão com frequência e intensidade suficientes, perceberemos que perspectivas ou pontos de vista não podem ser criticados. Todas as posições desse tipo são igualmente verdadeiras ou falsas: verdadeiras de dentro, falsas de fora. No entanto, embora não possam ser criticadas, podem ser compreendidas. No entanto, tenho tanto direito à minha perspectiva quanto qualquer outra pessoa tem à sua ou qualquer sociedade à sua. E, sendo toda perspectiva inseparável da avaliação, eu, como agente e não como um mero cientista social, sou compelido a criticar outras perspectivas e os valores em que se baseiam ou que postulam. Não terminamos então em niilismo moral, pois nossa crença em nossos valores nos dá força e direção. Nem terminamos num estado de guerra perpétua de todos contra todos, pois nos é permitido “confiar na razão e na mesa do conselho para uma coexistência pacífica”.
Examinemos brevemente esta posição, que à primeira vista se recomenda por sua aparente generosidade e ilimitada simpatia por todas as posições humanas. Contra uma versão talvez ultrapassada do relativismo, poder-se-ia argumentar da seguinte forma: definamos popularmente o niilismo como a incapacidade de se posicionar a favor da civilização contra o canibalismo. O relativista afirma que, objetivamente, a civilização não é superior ao canibalismo, pois o argumento a favor da civilização pode ser acompanhado por um argumento igualmente forte ou igualmente fraco a favor do canibalismo. O fato de nos opormos ao canibalismo se deve inteiramente à nossa situação histórica. Mas situações históricas se transformam necessariamente em outras situações históricas. Uma situação histórica que produz a crença na civilização pode dar lugar a uma situação histórica que produz a crença no canibalismo. Como o relativista sustenta que a civilização não é intrinsecamente superior ao canibalismo, ele aceitará placidamente a transformação da sociedade civilizada em sociedade canibal. No entanto, o relativismo que estou discutindo agora nega que nossos valores sejam simplesmente determinados por nossa situação histórica: podemos transcender nossa situação histórica e entrar em perspectivas completamente diferentes. Em outras palavras, não há nenhuma razão para que, digamos, um inglês não se torne, no aspecto decisivo, um japonês. Portanto, nossa crença em certos valores não pode ser rastreada além de nossa decisão ou comprometimento. Pode-se até dizer que, na medida em que ainda somos capazes de refletir sobre a relação de nossos valores com nossa situação, ainda estamos tentando nos esquivar da responsabilidade por nossa escolha. Agora, se nos comprometemos com os valores da civilização, nosso próprio comprometimento nos permite e nos compele a tomar uma posição vigorosa contra o canibalismo e nos impede de aceitar placidamente uma mudança de nossa sociedade na direção do canibalismo.
Defender o próprio compromisso significa, entre outras coisas, defendê-lo contra seus oponentes, não apenas por atos, mas também pelo discurso. O discurso é necessário especialmente para fortalecer aqueles que vacilam em seus compromissos com os valores que prezamos. Os vacilantes ainda não decidiram com qual causa devem se comprometer, ou não sabem se devem se comprometer com a civilização ou com o canibalismo. Ao falar com eles, não podemos presumir a validade dos valores da civilização. E, de acordo com a premissa, não há como convencê-los da verdade desses valores. Portanto, o discurso empregado para sustentar a causa da civilização não será um discurso racional, mas mera “propaganda”, uma propaganda confrontada pela propaganda igualmente legítima e talvez mais eficaz a favor do canibalismo.
Diz-se que essa noção da situação humana é alcançada por meio da prática da compreensão compassiva. Diz-se que somente a compreensão compassiva torna possível uma crítica válida de outros pontos de vista — uma crítica que se baseia apenas em nosso comprometimento e que, portanto, não nega o direito de nossos oponentes aos seus comprometimentos. Somente a compreensão compassiva, em outras palavras, nos faz compreender verdadeiramente o caráter dos valores e a maneira como eles são legitimamente adotados.
Mas o que é compreensão compassiva? Ela depende do nosso próprio comprometimento ou é independente dele? Se for independente, estou comprometido como agente humano e não estou comprometido em outro compartimento de mim mesmo, na minha capacidade de cientista social. Nessa última capacidade, estou, por assim dizer, completamente vazio e, portanto, completamente aberto à percepção e apreciação de todos os comprometimentos ou sistemas de valores. Eu passo pelo processo de compreensão empática para alcançar clareza sobre meu compromisso, e esse processo não põe em risco meu compromisso de forma alguma, pois apenas uma parte do meu eu está engajada em minha compreensão empática. Isso significa, no entanto, que tal compreensão empática não é séria ou genuína e é, de fato, como se autodenomina, “histriônica”. Pois entender genuinamente o sistema de valores, digamos, de uma determinada sociedade, significa ser profundamente tocado e, de fato, cativado pelos valores com os quais a sociedade em questão está comprometida e se expor seriamente, com vistas a toda a sua vida, à reivindicação de que esses valores são os verdadeiros valores. A compreensão genuína de outros compromissos, portanto, não conduz necessariamente à reafirmação do próprio compromisso inicial. Além disso, decorre da inevitável distinção entre compreensão séria e compreensão histriônica que somente meu próprio comprometimento, minha própria “profundidade” pode possivelmente me revelar o comprometimento, a profundidade de outros seres humanos. Portanto, minha perceptividade é necessariamente limitada pelo meu comprometimento. A compreensão universal simpática é impossível. Para falar de forma crua, não se pode ter o bolo e comê-lo; não se pode desfrutar tanto das vantagens da compreensão universal quanto das do existencialismo.
Mas talvez seja errado presumir que todas as posições, em última análise, baseiem-se em compromissos, ou pelo menos em compromissos com pontos de vista específicos. Todos nos lembramos da época em que a maioria dos homens acreditava explícita ou implicitamente que existe um e apenas um verdadeiro sistema de valores de validade universal, e ainda existem sociedades e indivíduos que se apegam a essa visão. Eles também devem ser compreendidos com simpatia. Não seria duro e até mesmo inconsistente privar a Bíblia e Platão de um privilégio que é generosamente concedido a toda tribo selvagem? E a compreensão compassiva de Platão não nos levará a admitir que o absolutismo é tão verdadeiro quanto o relativismo, ou que Platão estava tão justificado em simplesmente condenar outras posições de valor quanto o relativista em nunca simplesmente condenar qualquer posição de valor? A isso, nosso relativista responderá que, embora o sistema de valores de Platão seja tão defensável quanto qualquer outro, desde que se considere que não tenha outro suporte além do compromisso de Platão, a interpretação absolutista de Platão de seu sistema de valores, bem como qualquer outro absolutismo, foi refutada incondicionalmente, com finalidade, absolutamente. Isso significa, no entanto, que a visão de Platão, como ele a entendia, como se revela a nós se entrarmos com simpatia em sua perspectiva, foi refutada: foi vista como baseada em premissas teóricas falsas. A chamada compreensão compassiva termina necessária e legitimamente quando a crítica racional revela a inverdade da posição que estamos tentando compreender com simpatia; e a possibilidade de tal crítica racional é necessariamente admitida pelo relativismo, uma vez que ele afirma rejeitar o absolutismo com base em fundamentos racionais. O exemplo de Platão não é isolado. Onde, de fato, encontramos, fora de certos círculos da sociedade ocidental atual, alguma posição de valor que não se baseie em premissas teóricas de um tipo ou de outro — premissas que se pretendem simples, absolutas e universalmente verdadeiras e que, como tais, estão legitimamente expostas à crítica racional? Receio que o campo no qual os relativistas podem praticar a compreensão compassiva se restrinja à comunidade de relativistas que se entendem com grande simpatia, porque estão unidos pelo mesmo compromisso fundamental, ou melhor, pela mesma percepção racional, da verdade do relativismo. O que se pretende ser o triunfo final sobre o provincianismo se revela como a mais surpreendente manifestação do provincianismo.
Há um contraste notável entre a aparente humildade e a arrogância oculta do relativismo. O relativista rejeita o absolutismo inerente à nossa grande tradição ocidental — em sua crença na possibilidade de uma ética racional e universal ou do direito natural — com indignação ou desprezo; e ele acusa essa tradição de provincianismo. Seu coração se compadece das pessoas simples, pré-letradas, as quais prezam seus valores sem levantar reivindicações exorbitantes em seu nome. Mas essas pessoas simples não praticam a compreensão histriônica ou compassiva. Sem essa compreensão, elas não adotam seus valores da única maneira legítima, isto é, como se não fossem apoiados por nada além de seu comprometimento. Às vezes, rejeitam os valores ocidentais. Com isso, envolvem-se em críticas inválidas, pois a crítica válida pressupõe compreensão histriônica. Elas são então provincianas e mesquinhas, tão provincianas e mesquinhas quanto Platão e a Bíblia. As únicas pessoas que não são provincianas e mesquinhas são os relativistas ocidentais e seus seguidores ocidentalizados em outras culturas. Somente elas estão certas.
É quase desnecessário dizer que o relativismo, se fosse posto em prática, levaria ao caos completo. Pois dizer, ao mesmo tempo, que nossa única proteção contra a guerra entre sociedades e dentro da sociedade é a razão, e que, segundo a razão, “aqueles indivíduos e sociedades que consideram compatível com seus sistemas de valores oprimir e subjugar os outros” estão tão certos quanto aqueles que amam a paz e a justiça, significa apelar à razão no próprio ato de destruir a razão.
Muitos cientistas sociais humanistas estão cientes da inadequação do relativismo, mas hesitam em recorrer ao que é chamado de “absolutismo”. Pode-se dizer que eles aderem a um relativismo qualificado. Se esse relativismo qualificado tem uma base sólida, parece-me ser a questão mais urgente para as ciências sociais hoje.
Traduzido do inglês do original: STRAUSS, Leo. Social Science and Humanism. In: WHITE. Leonard D. (Org.). The State of the Social Sciences. Chicago: University of Chicago Press, 1956, pp. 415-425.