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Peter Camenzind de Hermann Hesse.

Estátua de Hermann Hesse (1877-1962) em Gaienhofen. Reprodução: Wikimedia Commons

Acho que eu nunca havia considerado amores fracassados que tive pela perspectiva que o Peter trouxe. Eu nunca fiquei muito tempo neles. Algo sempre me disse que quem perdia mais não era eu, mas a mulher que não está comigo. A conclusão de Peter de que as coisas não tem a seriedade que atribuímos a elas, que esperar demais para se declarar para um mulher e depois a ver nos braços de outra pessoa, isso não nos mata.

Acabo de ler Peter Camenzind de Hermann Hesse (1877-1962). O que falar do autor? Ele é provavelmente o autor que mais me deixa pensando nas suas obras, mesmo anos após lê-las.

Nunca me esquecerei do que senti e pensei após ler Sidartha. Foi meu primeiro contato com ele. Depois fui para Demian e que pancada senti ao ver que em certo sentido eu mesmo estava descrito novamente ali. O lobo da estepe me veio como punhalada. Se ele escreveu aquilo e ele bem conhecia os intelectuais dados a literatura, aquele estado que ele descrevia não devia ser tão especial e único como eu pensava sobre mim mesmo. Agora, Peter Camenzind, seu primeiro romance.

Acho que eu nunca havia considerado amores fracassados que tive pela perspectiva que o Peter trouxe. Eu nunca fiquei muito tempo neles. Algo sempre me disse que quem perdia mais não era eu, mas a mulher que não está comigo. A conclusão de Peter de que as coisas não tem a seriedade que atribuímos a elas, que esperar demais para se declarar para um mulher e depois a ver nos braços de outra pessoa, isso não nos mata.

Hermann tinha forte simpatia pelo catolicismo e sua “devoção” por São Francisco fica evidente, ainda que seja um São Francisco estranho, um humanista, um naturalista, é bom ver o respeito que ele tinha por Francisco e como mesmo de um jeito laico um gênio assume um homem de fé como um modelo a ser seguido.

Quantas vezes ignoramos gente pequena, não é Peter? O desprezo que ele sentia por um doente deformado e depois percebendo sua hipocrisia, sempre chamou o nome de São Francisco como inspiração e era incapaz de se sensibilizar diante de um homem paralítico e deformado. Envergonhou-se.

Senti-me envergonhado várias vezes durante a vida, por insensibilidade a situação alheia, às vezes por fazer coisas de qualquer jeito para os outros e eles me agradecerem tanto como se eu tivesse feito muito.

O episódio do menino de rua que me pediu para fazer um aviãozinho de papel para ele e eu fiz de qualquer jeito para que me deixasse em paz e a alegria nos olhos do menino ao receber o aviãozinho, e sua atitude sem maldade e simplicidade de abraçar-me a perna e ir correndo brincar com seu avião de papel, me embargou a garganta e meus olhos encheram de lágrimas. Pensei: eu fiz tão pouco e de qualquer forma e ele me tratou com extrema gratidão. Me perdoe, Meu Deus, pelo meu egoísmo.

Desperdicei muito do meu talento para a escrita ao longo da vida, quis me ver incluso em lugares que não eram para mim e anestesiei a minha consciência para estar com pessoas desprezíveis. Peter Camenzind com suas poucas páginas me trouxe tudo isso e me escancarou a hipocrisia do passado que tento não mais repetir.

Hesse diz no livro que aquelas eram coisas de alguém imaturo, que conforme amadureceu, abandonou certas posturas infantis e arrogantes. Minha consciência às vezes pesa e me faz pensar: o que apresentarei diante de Deus sob essa época da minha juventude? Os talentos vão me ser cobrados de uma só vez ou por períodos da vida?

Quando olho para a vida como um todo, me parece que os multipliquei como pude, hoje tento fazer o máximo com o mínimo que tenho, mas o passado me faz pensar que eu tinha o máximo e não só não multipliquei como joguei aos porcos.

Essa é a beleza de Hermann Hesse para mim: me faz repensar minha vida toda me dizendo poucas coisas. Tudo pode levar à transcendência, pelo menos a quem estiver disposto a não fazer calar a consciência.

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Luiz Felipe Ribeiro é psicólogo com especialidade em Psicologia Analítica, possui pós-graduação em Terapia Cognitivo Comportamental e pós-graduação em Terapia Comportamental Aplicada – Aba.

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