
Compreende-se por inteligência, principalmente pelo senso comum, a capacidade de solucionar e antever problemas. Essa visão é bastante problemática e limitante do ponto de vista filosófico. Na etimologia latina, a palavra inteligência é derivada de intelligere, base da expressão intellectus. Seu significado é compreender, isto é, entender determinado objeto, realidade ou fenômeno de maneira profunda e analítica. Em outras palavras, ao traduzir ao pé da letra, temos os termos: “ler por dentro”.
Inteligência, portanto, é a capacidade humana manifestada na consciência de apreender determinado elemento da realidade em seu conteúdo. Isso não significa compreendê-lo em sua totalidade, uma vez que, se assim o fosse, poderíamos inferir que tudo acerca do objeto de análise já seria conhecido completamente. Mas ainda assim, a inteligência desempenha o papel de estruturar mentalmente na própria esfera do ser a questão que se impõe, seja ela um fenômeno social, uma nova teoria física que se atualiza ou, até mesmo, um conceito que é compreendido a partir da própria análise da realidade presente.
Assim, a inteligência vai muito além da capacidade de solucionar problemas, pois isso seria, por assim dizer, uma consequência direta da manifestação da própria inteligência na mente humana. É evidente que todos os seres humanos dispõem de capacidades intelectivas, pois todos nós possuímos o intelecto como parte integrante da alma.
Todavia, a forma de manifestação dessa capacidade é altamente variável entre os indivíduos. Certamente, alguém que jamais meditou sobre o mundo onde está presente e nem teve acesso ao mínimo de cultura e conhecimento terá dificuldades de elaborar reflexões intelectuais profundas. É o que ocorre, geralmente no senso comum, pois as ideias são aceitas sem questionamento pela massa. Como diz o filósofo espanhol Ortega y Gasset, a cabeça do homem comum está repleta de ideias recebidas por inércia e compreendidas pela metade. Essa realidade é bastante problemática à medida que forja intelectos frágeis e fracos que não questionam e investigam a origem de suas próprias ideias.
O cenário apresentado faz com que a posse da inteligência seja quase uma realidade remota, uma vez que a inteligência necessita da vontade e da verdade entrelaçadas na busca do oculto, ou seja, daquilo que se observa, mas ainda deve ser descoberto e apreendido pelas faculdades superiores inerentes ao Homo sapiens. Aliás, é a própria inteligência, alcançada por intermédio da razão, que difere o homem dos demais animais. Ainda que animais possam aprender por repetição, reconhecer determinados padrões, apresentar ligação emocional com seus donos e serem dotados de percepção, obviamente sua capacidade intelectual jamais será como a humana, pois eles não podem refletir ativamente sobre si mesmos e sobre o mundo em que estão.
“A inteligência vai muito além da capacidade de solucionar problemas, pois isso seria, por assim dizer, uma consequência direta da manifestação da própria inteligência na mente humana. É evidente que todos os seres humanos dispõem de capacidades intelectivas, pois todos nós possuímos o intelecto como parte integrante da alma.”
A partir dessas elucubrações iniciais, faz-se pertinente a análise da “Inteligência Artificial”. O surgimento desse novo ramo da Ciência da Computação começou nos anos 1950 quando o matemático Alan Turing publicou um estudo intitulado: “Pode uma máquina pensar?”. Nesse aspecto, a descoberta extremamente inovadora à época foi recebida com entusiasmo pela comunidade científica. A possibilidade de reproduzir nas máquinas a capacidade de pensar, até então restrita aos humanos, revolucionaria o mundo política, econômica, psicológica e sociologicamente. O império dos algoritmos acabara de despertar.

Segundo o historiador israelense Harari, os seres humanos são movidos pelo que ele chama de “algoritmo bioquímico”, em outras palavras, são instruções cerebrais resultantes de eletricidade e interação de compostos orgânicos no intuito de gerar determinada resposta biológica ao final do processo. Essa concepção humana de estímulo-resposta, fruto das conclusões dos estudos do fisiologista russo Ivan Pavlov, é deveras limitante para a realidade representada pelas capacidades humanas. Os humanos são providos de consciência. E, devido à ausência de sua prova empírica, ela ainda constitui um dos maiores enigmas para os neurocientistas contemporâneos.
A mente não pode se resumir somente ao cérebro físico. As EQM (Experiências de Quase Morte) atestam isso, pois a partir de variados casos concretos, concluiu-se que vários indivíduos podiam visualizar seus próprios corpos físicos fora de seu próprio corpo. Obviamente, esse processamento de informações não poderia se dar nas estruturas internas do cérebro, portanto, as capacidades perceptivas estão para além das estruturas fisiológicas neuronais. Assim como o piano não pode tocar uma música por si mesmo, pois ele necessita de um agente que o faça, da mesma maneira o cérebro, que é a realidade material, precisa do elemento mental, de algum modo metafísico, para manifestar os pensamentos, insights, intuições, abstrações, emoções e reflexões. Já as máquinas são programadas a partir de estruturas neurais humanas que, por meio de aprendizado autônomo ou supervisionado, gerarão resultados esperados baseados nos interesses dos especialistas que as estão programando.
Nesse sentido, por trás de toda máquina de IA há um controle humano. É como uma criança ainda pequena que necessita do cuidado dos pais por perto. Mas por mais que a IA reproduza características da mente humana, ela jamais será um humano em essência. Ela não possui a capacidade de refletir sobre si mesma. Ela reage, tal como os humanos, respondendo às intempéries do ambiente e aos ensinamentos que ela possui em sua rede de dados, mas o conjunto de percepções, intuições, personalidade, autoconsciência dos humanos, isso ela não possui. Esses atributos humanos são, por excelência, irreproduzíveis na sua totalidade.
“Assim como o piano não pode tocar uma música por si mesmo, pois ele necessita de um agente que o faça, da mesma maneira o cérebro, que é a realidade material, precisa do elemento mental, de algum modo metafísico, para manifestar os pensamentos, insights, intuições, abstrações, emoções e reflexões.”
Portanto, ainda que haja a possibilidade de arte gerada por IA, ela não pode sobrepor à criação humana, mas pode atuar como coadjuvante, não como detentora de tais habilidades humanas. Embora cientistas atestem para uma superinteligência futura, o propósito inicial da IA era servir aos humanos inteiramente ao progresso tecnológico, e não, sobrepujá-los de suas funções e destituí-los de suas identidades.
Eliseu Cidade
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